POR:Dr. Miguel Srougi,
professor titular de Urologia da
Faculdade de Medicina da USP
Uma glândula que normalmente
pesa apenas 20 gramas e tem uma
única função – produzir o líquido que
conduz os espermatozóides – pode se
tornar uma grande armadilha para
o homem. Ainda não se sabe bem
por quê, mas a próstata começa a
crescer justamente com o declínio da
função reprodutiva masculina. E aqui
surge o primeiro problema. A próstata
hipertrofiada – que pode chegar a
até 20 vezes seu volume original -
comprime a bexiga e atrapalha a
micção, afetando a qualidade de vida
e eventualmente exigindo cirurgia.
O maior problema, porém, é que a
próstata pode abrigar o mais comum
entre os tipos de câncer que afetam
o homem. Serão 50 mil casos novos
em 2008 – dois terços depois dos 65
anos. A boa notícia é que se trata de
um câncer altamente curável, quando
detectado no começo. Para isso, os
médicos recomendam, após os 45
anos, dois tipos de exame: o toque
retal e a dosagem de PSA no sangue.
Mas a próstata ainda envolve
muitas dúvidas – e até alguns
mistérios. O Dr. Miguel Srougi,
professor titular de Urologia da
Faculdade de Medicina da USP,
especializou-se de tal forma no estudo
e no tratamento dos problemas da
próstata que hoje é dono da terceira
maior estatística mundial de cirurgias
de câncer prostático - cerca de 3
mil. Do alto de sua experiência no
trato dessa glândula tão caprichosa
quanto traiçoeira, ele revela – nesta
entrevista exclusiva à Revista
ABCFARMA - tudo o que o homem
precisa saber para não cair na
armadilha da próstata
A ciência já sabe por
que a próstata começa
a crescer justamente
quando deixa de ser
necessária?
É realmente um fenômeno
curioso. Biologicamente,
não existem motivos para a
próstata crescer com a idade,
porque a ação máxima dela
ocorre na fase reprodutora do
homem. Cessado esse período,
a glândula perde seu sentido
biológico – mas, paradoxalmente,
começa a crescer. O que se
admite hoje é que as células da
próstata se proliferam por um
processo inflamatório causado
por um agente que ainda não
conhecemos– pode ser um vírus
ou um produto químico. Isso
explicaria um processo que não
é natural: um órgão que começa
a crescer justamente quando
deixa de ser necessário.
Esse crescimento, que
é chamado de HPB,
Hiperplasia Prostática
Benigna, atinge um grande
número de homens. Em que
grau a hiperplasia começa a
afetar a própria qualidade
de vida?
A hiperplasia prostática atinge
de 80 a 90% dos homens. Desses, um
terço – 35 a 40% - vai ter sintomas signifi
cativos que prejudicam a qualidade de
vida, como a difi culdade para expelir a
urina e a necessidade de levantar várias
vezes numa noite para ir ao banheiro. São
homens que precisam ser acompanhados
e medicados. E 5% acabam necessitando
de uma cirurgia, quando os sintomas se
tornam muito exuberantes.
Por que, nos homens com
hiperplasia da próstata, a
primeira micção matinal
é sempre a mais difícil,
a mais incompleta?
Porque a bexiga se distende
muito durante a noite. Quanto mais
cheia ela estiver, pior o esvaziamento. É é
por isso que muitos homens urinam mal
pela manhã.
O senhor disse que esses
homens têm que ser
medicados. Que tipo de
remédio se utiliza
para amenizar
os sintomas da HPB?
Até há 15 anos, não havia soluções
alternativas. Problemas da próstata
eram resolvidos com cirurgia. E, naquela
época, a cirurgia tinha muitas complicações.
De lá para cá, surgiram dois tipos
de medicação: os inibidores da 5-alfa
redutase (fi nasterida), e os bloqueadores
alfadrenérgicos (tamsulosina). Os primeiros
reduzem o tamanho da próstata em
até 30% e com isso aliviam os sintomas
obstrutivos. Infelizmente, a melhora
clínica não é proporcional à redução
do tamanho da próstata, porque provavelmente
a bexiga passou a funcionar
mal com o crescimento prostático. Já os
bloqueadores não mexem com o volume
prostático, mas aumentam o diâmetro
da uretra para o melhor escoamento da
urina. Na prática, são um pouco mais efi -
cientes do que a fi nasterida. A escolha dos
médicos é baseada no tamanho da próstata
e no perfi l do paciente. Para os mais
jovens, usamos bloqueadores. Nos mais
idosos, com próstatas mais volumosas, os
inibidores são mais recomendáveis.
A cirurgia da HPB é indicada
só para casos extremos
de desconforto urinário e
prejuízo à qualidade de vida?
Os médicos divergem. Há quem
preconize a cirurgia quando a próstata
está grande. Mas esse conceito, a meu ver,
é abrangente demais, porque, se fôssemos
operar todos os homens com próstatas
grandes, não haveria hospitais sufi cientes.
O critério que utilizo é o da importância
dos sinais clínicos. Pacientes com
sintomas modestos e toleráveis a gente
acompanha, com exames periódicos. Se
os sintomas começam a molestar, usamos
medicação. Nos casos mais intensos,
indica-se a cirurgia.
O que o senhor chamaria de
casos mais intensos?
Essa questão dos sintomas é
curiosa, porque os mesmos sintomas
repercutem de forma diferente nos homens.
Há os que urinam duas vezes durante
a noite, mas quase não se dão conta
disso e voltam a dormir. E há os que se
levantam para urinar e não conseguem
mais dormir, fi cando cansados no dia
seguinte. É a importância dos sintomas
que defi ne um caso cirúrgico.
A cirurgia para reduzir
o tamanho da próstata
é bem tolerada?
Há dois tipos básicos de intervenção.
Quando a próstata não passou de
cem gramas, fazemos a cirurgia endoscópica
pela uretra – o processo é semelhante
ao de se fazer um túnel numa montanha.
Quando a próstata tem mais de cem gramas,
é preciso fazer uma incisão para se
retirar o miolo da próstata e desobstruir a
uretra. Mas os médicos têm feito esforços
para desenvolver métodos alternativos
que permitam tratar a próstata de forma
menos invasiva. Entre esses métodos,
os de maior uso hoje são a aplicação de
radiofreqüência na próstata, com resultados
ainda muito modestos, e a aplicação
de laser, que permite ao médico vaporizar
quantidades consideráveis dos tecidos da
próstata que estão estrangulando a uretra
– sem sangramento e de forma rápida.
É um método que tem produzido bons
resultados. Mas eu gostaria de deixar
bem claro que a cirurgia do crescimento
benigno da próstata nada tem a ver com a
cirurgia do câncer. A diferença é de água
para óleo. Enfatizo isso porque a cirurgia
de HPB não provoca disfunção sexual
ou incontinência urinária, e só tem uma
conseqüência: a maioria dos homens pára
de ejacular, embora a ereção e o orgasmo
continuem normais. As complicações
mais temidas só ocorrem na cirurgia do
câncer de próstata.
O câncer de próstata é de
longe o que mais afeta os
homens. A incidência está
efetivamente aumentando
– ou esse aumento se deve
ao envelhecimento da
população e à detecção
cada vez mais precoce?
As duas coisas. Como o homem
está vivendo mais, e esse câncer é nitidamente
relacionado ao envelhecimento, a
incidência está aumentando. Além disso,
os médicos estão procurando mais e
descobrindo casos que antes passavam
despercebidos. Mas existe um aumento
Bexiga Reto
Próstatareal, por fatores ambientais, que não conhecemos
ainda e que estão favorecendo
o surgimento do câncer em pacientes cada
vez mais jovens, na faixa dos 50 anos, e
não apenas em idosos avançados.
Nesses pacientes mais
jovens, o câncer é mais
agressivo?
Não, pelo contrário, talvez por ter
sido diagnosticado no início. O câncer
de próstata tem uma característica. Ao
ser descoberto, em média já existe há 12
anos. No começo é tão pequeno que não
é percebido pelo toque ou pelo PSA. Um
dia, atinge um volume captável por esses
exames e só então fazemos o diagnóstico.
Isso signifi ca que, se começarmos a procurar
câncer de próstata em indivíduos
mais jovens, provavelmente vamos achar
em homens de 40 anos.
O senhor mencionou os
exames de diagnóstico
hoje utilizados. E muitos
homens não entendem por
que, havendo um exame de
sangue como o PSA, ainda
se faz o desagradável toque
de próstata. Como se explica
isso ao paciente?
Isso é fácil de entender. O PSA
não é um exame perfeito: é falho em 20%
dos casos. Quando ele se eleva, existem
possibilidades reais de câncer – mas nem
sempre isso é verdade. E quando o PSA
é normal, isso também não descarta o
câncer. Esse fato, aliás, determinou
recentemente uma mudança nos limites
da normalidade. Antes se afi rmava que
homens com PSA até 4 não tinham câncer.
Hoje, sabemos que homens com PSA
de 1 já apresentam risco de ter câncer.
Um individuo com PSA entre 1 e 2 já tem
10% de chance de estar com um câncer.
O toque também falha em 40% dos casos.
Quando, porém, os dois – toque e PSA –
são feitos complementarmente, a margem
de erro cai para 8%.
Ao toque, o que o médico
sente na próstata?
Sente se há áreas endurecidas na
próstata, que é um órgão de consistência
mole. O câncer tem uma consistênciaóssea. Dessa forma, é possível perceber
nitidamente quando se trata de hiperplasia,
ou crescimento benigno da próstata,
ou áreas duras que sugerem a presença
de câncer. Nesse caso, o passo seguinte
é fazer uma biópsia para verifi car se o
tumor é realmente maligno. Quando a
biópsia for negativa para câncer, ainda
assim passamos a seguir esse paciente
mais de perto, por causa das características
do toque.
Mesmo se o PSA estiver
aparentemente normal e o
exame de toque também se
mostrar negativo, a regra
é o paciente repetir os
exames a cada ano?
É a melhor abordagem, mas a
verdade é que precisamos encontrar novos
marcadores para o câncer de próstata.
Temos um problema: identifi car os tumores
que são biologicamente relevantes.
De 15 a 20% dos cânceres identifi cados
clinicamente são indolentes e podem
estar presentes a vida toda, sem causar
maiores problemas – certamente, esse
paciente morrerá por outras causas. Por
isso, precisamos aprender a diferenciar
os tumores que podem matar daqueles
que acompanharão o homem durante a
vida. Estamos chegando próximo disso,
descobrindo genes que se expressam nos
casos mais agressivos.
Se a biópsia revelou-se
positiva para câncer de
próstata, a melhor conduta é
sempre a cirurgia?
Não. A primeira ação do médico
ao descobrir um câncer de próstata é
descobrir a gravidade do tumor. Para
isso, usamos três parâmetros. Primeiro,
o aspecto do tumor ao toque, isto é, se a
lesão ainda está circunscrita à próstata ou
já saiu dos limites dela, o que seria mau
sinal. Segundo, o nível do PSA – uma
dosagem menor que 10 é bom sinal, se
passa de 20 é mal. Terceiro, a “nota”
do tumor na biópsia. Ao examinar as
células cancerígenas obtidas na biópsia,
o patologista utiliza a chamada escala de
Gleason para caracterizar a agressividade
delas. Uma nota até 6 indica um tumor
com pouca propensão para se espalhar ou
recidivar após o tratamento. De 8 para
cima, é mau sinal. Analisando essas três
variáveis, o médico propõe um plano de
tratamento. Quando o tumor é muito
agressivo, mas está circunscrito à próstata,
indica-se a cirurgia, para a remoção
completa da próstata, ou a radioterapia.
A cirurgia cura um pouco mais, mas
tem mais efeitos colaterais. Quando o
tumor é menos agressivo, além desses
dois métodos podemos indicar uma braquiterapia,
que consiste na colocação de
sementes de iodo radiativo na próstata.
Células
do câncer
prostático: 90%
de cura quando
o tumor ainda
está contido na
glândula
Quando o tumor já ultrapassou os limites
da próstata, já não se indica cirurgia
ou radioterapia, mas uma terapia com
hormônios – já que o tumor da próstata
é bastante hormoniosensível e com isso
conseguimos mantê-lo sob controle por
até 12 anos. Mas o mais importante de
tudo é o paciente participar da decisão
sobre a melhor terapia. Se o doente é
instruído, não faz sentido o médico
impor uma técnica por sua conta, porque
os sentimentos dos doentes são muito
diferentes.
Por exemplo?
Há homens que estão absolutamente
preocupados em se verem livres
do câncer e reduzir ao máximo o risco
de volta da doença. Para esses casos, a
cirurgia é melhor. Outros, porém, estão
mais preocupados com o risco de uma
disfunção erétil após a cirurgia – ou
simplesmente têm pavor de cirurgia.
Para esses, oferece-se a radioterapia, que
é menos agressiva.
Os riscos de impotência
sexual e incontinência
urinária, como efeitos
colaterais da cirurgia de
extração da próstata, estão
mais bem controlados hoje?
Na verdade, os resultados da
cirurgia de câncer de próstata são
altamente dependentes da experiência
e da habilidade do cirurgião. Para os
que estão começando sua jornada, os
riscos são muito elevados. Depois que o
médico realiza 400 ou 500 prostatectomias
radicais, os riscos caem de maneira
signifi cativa. Agora, estamos iniciando
no Brasil a era da cirurgia robótica, que
vai refinar ainda mais os resultados.
O robô tem várias vantagens – executa movimentos que a mão humana não faz
e opera com muito mais precisão, além
de não tremer. As manobras robóticas são
mais delicadas, o que poderia ajudar na
preservação dos feixes nervosos durante
a remoção da próstata, evitando a impotência
e a incontinência urinária. Mas,
como ocorre com toda técnica nova, eu
ainda estou na curva de aprendizado e,
por enquanto, as chances de preservação
da potência com a cirurgia robótica são
inferiores do que as que obtenho com a
cirurgia convencional.
De seus quase 3 mil
casos de remoção da
próstata pelo câncer, a maior
parte dos homens retornou à
sua vida normal - e curados?
Cerca de 18% dos homens vão ter
câncer na próstata – e 3%, ou seja, um
sexto do total, vão morrer desse câncer.
Isso quer dizer que a medicina cura ou
segura a doença em cerca de 80% dos
casos. Para cada seis doentes, cinco sobrevivem.
Mas se as chances de cura quando
o tumor está circunscrito à próstata chegam
a 90%, elas caem signifi cativamente
quando o câncer já ultrapassou os limites
do órgão– o que reforça a importância da
detecção precoce.
Pode-se falar em prevenção
eficiente do câncer da
próstata?
Conhecem-se algumas medidas
preventivas, mas a gente não consegue
provar que sejam efi cientes, porque, em
geral, só são adotadas depois que o indivíduo
desenvolveu a doença. O licopeno
– substância encontrada nas frutas de
casca vermelha, como goiaba, tomate e
melancia –, a vitamina E e o selênio parecem
ser agentes preventivos que reduzem o risco de câncer de próstata entre 30 e
50%, mas para isso deveriam ser ingeridos
a partir dos 30 anos de idade. O que
fazemos, na prática, é recomendar que
fi lhos ou irmãos mais jovens de homens
que tiveram câncer de próstata iniciem
logo essa terapia preventiva. Há estudos
recomendando também evitar gordura
animal, que é um fator predisponente ao
câncer de próstata – o que explica a alta
incidência da doença em países frios do
hemisfério norte, onde se ingere mais
gordura. E há uma pesquisa sugerindo
que a fi nasterida, usada no tratamento do
crescimento benigno da próstata, reduz o
risco de câncer em até 25%. O problema é
que se o câncer aparecer em homens que
tomam fi nasterida, a doença parece fi car
mais agressiva. É um dilema.
O que o senhor recomendaria
a um homem de 40 anos
em termos de detecção
precoce ideal?
Como não conseguimos prevenir
o câncer, o melhor a fazer é mesmo
tentar detectá-lo precocemente, através
de exames anuais a partir dos 45 anos
de idade e, se o homem tiver um parente
direto com câncer de próstata, como pai
ou irmão, já a partir dos 40 anos. Mas o
homem precisa ter em mente que, mesmo
fazendo um check-up anual, muitas vezes
o câncer não é detectado precocemente,
porque surge e cresce silenciosamente
sem alterar o toque e o PSA. É um fato
que parece meio desanimador, mas esse
acompanhamento periódico ainda vale a
pena, porque temos salvado milhões de
vidas humanas fazendo detecção precoce
do câncer de próstata. O PSA, embora
seja imperfeito, permitiu que um número
incontável de homens de todo o mundo
continuem vivos.
O QUE É O PSA?
É a sigla de Prostatic Specific Antigen, ou Antígeno Prostático Específico,
uma substância produzida na próstata e sensível a qualquer alteração desta,
sobretudo aos tumores malignos, mesmo no início. A dosagem é feita por um
simples exame de sangue. A descoberta do PSA foi um dos grandes avanços da
cancerologia no final do século XX. Antes dela, o diagnóstico precoce de câncer
de próstata era muito raro.
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