Mais Médicos:Um sucesso.
Estrangeiros começaram a atender nas cidades em setembro de 2013.
G1 visitou cidades onde faltavam médicos e verificou que situação mudou bastante.
Gelcilane
agradeceu atenção do médico cubano durante o pré-natal da filha Laura
Nascimento, no município de Careiro Castanho, no Amazonas (Foto:
Adneison Severiano/G1 AM)
Há dois anos, os primeiros estrangeiros bolsistas do Mais Médicos
começaram a chegar aos municípios onde atuariam. O programa federal
propunha aumentar o número de médicos atuando na rede de atenção básica
do Sistema Único de Súde (SUS) em regiões carentes desses profissionais.Hoje, há 18.240 médicos atuando no programa, sendo 11.429 cubanos contratados via convênio com a Organização Pan-americana da Saúde (Opas), 1.537 formados no exterior e 5.274 brasileiros.
Em entrevista ao G1, o ministro da Saúde, Arthur Chioro, diz ter a expectativa de que o país deixe de depender de médicos estrangeiros em 2026, quando devem ter concluído a residência as primeiras turmas formadas em cursos já adaptados às mudanças estabelecidas pelo programa, que visam a priorizar a formação generalista para atuação na atenção básica.
O G1 revisitou cidades em todas as cinco regiões do Brasil que, em 2013, apresentavam problemas devido à falta de médicos e questionou a população e os profissionais do Mais Médicos sobre como o programa impactou a saúde dos moradores da região.
Programa chegou a 73% dos municípios
No início do programa, 700 municípios brasileiros não tinham nenhum médico na rede pública, segundo estimativa apresentada na época pela ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti. O Ministério da Saúde não soube informar se continua havendo municípios sem médicos no país, apenas que os integrantes do programa chegaram a 4.058 municípios, 73% do total de cidades brasileiras. "Não obrigamos ninguém a aderir ao Mais Médicos, foi uma adesão voluntária", disse o ministro.
Em Roraima, a Comunidade Indígena Malacacheta deixou de depender da capital, Boa Vista, para atendimentos médicos básicos com a vinda do cubano Ricardo Viota. "Ajudou muito. Nossa população vem crescendo e em Boa Vista não é diferente, onde os hospitais estão sempre lotados. Com o médico na comunidade, as doenças mais simples podem ser tratadas por aqui", disse o líder indígena Simeão Mecias.
Equipe médica da comunidade indígena da Malacacheta, em Roraima (Foto: Valéria Oliveira/ G1)
Municípios falhavam em fixar médicosUm dos problemas relatados por municípios do interior dos estados era a falta de interesse dos médicos em viver na cidade e lá atender com exclusividade. Havia uma desistência dos médicos, que ficavam pouco tempo na cidade. A maioria tinha que voltar para a capital ou atender em outros municípios. Com o programa Mais Médicos, os profissionais passaram a residir na cidade", diz o prefeito de Careiro Castanho, no Amazonas, Hamilton Alves Villar.
Com o programa, a moradora de Careiro Castanho Gelcilane Nascimento Paiva, de 39 anos, pôde fazer seu pré-natal de gravidez de risco perto de casa. Se não fosse por isso, teria de ter enfrentado mensalmente mais de 40 km de rios e estradas para comparecer às consultas.
Sobre a dificuldade que os municípios tinham de fixar médicos antes do programa federal, o vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Mauro Ribeiro, observa que o médico é um profissional que, como outro qualquer, tem seu interesse regulado pelo mercado. “Nesses locais onde o mercado não permite ao médico ter renda suficiente para sustentar sua família, defendemos que o estado brasileiro, através do governo, faça a mesma coisa que faz para promotores e juízes: uma carreira de estado.”
Osmayki Martin examina gestante em comunidade Olho D’Água em Cocal, no Piauí (Foto: Gilcilene Araújo/G1)
Muito crítico ao programa Mais Médicos, o CFM defende que a solução
para atrair médicos para as regiões mais distantes do país seria criar
um plano de carreira atrativo ao qual os médicos poderiam se candidatar
por meio de concurso, em vez de trazer médicos estrangeiros ao país.Para médicos, estrutura é maior problema
Um dos problemas relatados por médicos do programa federal ouvidos pelo G1 foi a falta de medicamentos e de estrutura para atender os pacientes de forma adequada. O casal de cubanos Osmayki Martin Junco e Arianna Mallea Garcia, que chegou ao Brasil em 2013 para trabalhar em Cocal, no Piauí, conta que até os exames mais simples precisam ser feitos na cidade mais próxima, que fica a 64 km.
Segundo o ministro Arthur Chioro, o Mais Médicos também tem a meta de melhorar a infraestrutura da saúde básica. O plano é construir ou reformar 26 mil unidades básicas de saúde, das quais 11 mil já estão concluídas. Ao todo, o país tem 40 mil unidades desse tipo.
Ezequiel
e Shiley com a filha Heloísa de 40 dias em um posto de saúde em Suzano,
interior de São Paulo (Foto: Douglas Pires / G1)
A falta de estrutura de saúde no interior do país é um dos principais
pontos criticados pelo CFM em relação ao Mais Médicos. "Não adianta
querer interiorizar o médico, tem que interiorizar o sistema de saúde do
qual o médico é apenas um componente. É preciso ter médico, enfermeiro,
técnico de enfermagem, laboratório básico e uma estrutura mínima de
atendimento de forma que possam ter resolutividade", diz Mauro Ribeiro.População aprova o Programa Mais Médicos
Nas cidades visitadas pelo G1, os pacientes atendidos pelos profissionais do Mais Médicos contaram estarem satisfeitos com a atenção recebida: eles citam um atendimento mais humanizado e mais cuidadoso do que aquele com que estavam acostumados. Porém, em muitas regiões, grande parte da população nunca teve a experiência de se consultar com um desses médicos.
É a situação observada na periferia de Suzano, no interior de São Paulo, que desde 2013 tinha problemas com a falta de médicos. "Foi uma diferença grande nestes últimos dois anos, com a implantação do Mais Médicos. (...) Eles [o posto] abrem a agenda para marcar consultas uma vez por mês,.
Ana Silva, de 48 anos, tratar dengue, em Goiânia (Foto: Fernanda Borges/G1)
Em Goiânia, que enfrentava uma crise no atendimento básico no final de 2012,
um clínico geral que não é do Mais Médicos e que atua em uma UBS da
cidade disse que a chegada do programa "deu um fôlego" na atenção
básica, já que os profissionais do programa ficam mais tempo nos postos..
Mais Médicos determina mudanças em educação
Apesar de a importação de médicos estrangeiros ter sido o aspecto mais debatido na época do anúncio do programa (as entidades médicas brasileiras contestam o fato de os estrangeiros não terem de revalidar o diploma no país e criticam o regime de trabalho diferenciado dos profissionais cubanos), o Mais Médicos também determinou várias mudanças na educação médica no Brasil.
Médico
Aníbal Borin se formou em Cuba e trabalha no bairro Nacional, em Porto
Velho, desde o início do programa na capital de RO (Foto: Mary
Porfiro/G1)
Além de propor o aumento de vagas de graduação em medicina e de
residência médica, o programa determina a mudança do perfil dos cursos,
que devem passar a priorizar a formação de médicos generalistas,
voltados para a atenção básica em saúde, segundo Vinicius Ximenes Muricy
da Rocha, médico sanitarista e diretor de Desenvovimento da Educação
em Saúde do Ministério da Educação (MEC). Ele observa que as mudanças
têm o objetivo de que "todo médico brasileiro, independentemente de ser
um super especialista, tenha uma forte base de medicina geral".Além disso, 36 municípios já foram selecionados para receber novos cursos privados de medicina. A previsão é que eles possam abrir vagas já em 2016. Outros 22 municípios pré-selecionados ainda passam por avaliação para verificar se têm estrutura adequada para receber os cursos.
As instituições devem oferecer 10% das vagas para alunos de baixa renda, que terão bolsa integral. Somado a outros programas do governo como o Prouni e o Fies, o benefício deve garantir que uma grande parcela dos estudantes venham de famílias mais pobres, segundo Rocha. Existe uma meta de que, até 2017, o programa tenha criado um total de 11,5 mil vagas de graduação.
Residência em saúde da família gera polêmica
Outra mudança determinada pelo programa foi tornar obrigatória para quase todos os formandos a residência em Medicina Geral de Família e Comunidade, cuja duração pode variar de um a dois anos dependendo da especialidade que será buscada pelo profissional posteriormente. A medida deve ser implementada em 2018, quando o programa espera ter criado 12,4 mil novas vagas de residência no país, e foi recebida com críticas pelo CFM.
Marileidys
e Alberto atendem juntos em unidade de saúde de Cachoeiro de
Itapemirim, no Espírito Santo (Foto: Viviane Machado/ G1)
O conselho avalia, segundo Mauro Ribeiro, que a medida tem o interesse
de colocar o médico recém-formado na assistência e não priorizar o
processo de ensino de qualidade.Já o médico Roberto Queiroz Padilha, superintendente de Ensino do Hospital Sírio-Libanês, avalia que a mudança tende a ter resultados positivos. “A mudança de cenário, sair dos muros da escola para trabalhar com a realidade e, a partir dela, construir as competências que o médico deve ter para atender as necessidades da população, é uma mudança fundamental para a formação médica no Brasil.”
Estrangeiros até 2026
Chioro enfatiza que o principal objetivo do programa, a longo prazo, é que o país seja autossuficiente em profissionais com perfil voltado para atendimento em atenção básica. “Como demoram 6 anos para formar e mais 2 anos na residência, não podemos pensar que isso vá ocorrer antes da segunda metade de 2026”, disse o ministro, levando em conta que a obrigatoriedade da residência em Medicina Geral de Família e Comunidade passará a valer a partir de 2018.
Mesmo com o cenário de crise econômica, Chioro afirma que o programa não deve ser afetado. “A presidente diz o tempo inteiro a mim que não mexerá no programa Mais Médicos”, diz o ministro. “O programa mudou a história da atenção básica no Brasil. Pela primeira vez, atenção básica passou a ser ofertada em todo o país.”
* Colaboraram: Adneison Severiano (G1 AM), Douglas Pires (G1 Mogi das Cruzes e Suzano), Fernanda Borges (G1 GO), Fernanda Zauli (G1 RN), Gilcilene Araújo (G1 PI), Henrique Mendes (G1 BA), Krystine Carneiro (G1 PB), Mary Porfiro (G1 RO), Valéria Oliveira (G1 RR), Viviane Machado (G1 ES) e G1 RS
Nenhum comentário:
Postar um comentário