"Há alguns meses, se a então presidente da República anunciasse dois programas sociais sem o menor detalhamento, seria um Deus nos acuda na mídia e na oposição. Mas ontem foram divulgadas com boa vontade, sem qualquer questionamento, duas medidas com pretensões sociais do atual governo", escreve Tereza Cruvinel, sobre o anúncio feito por Michel Temer do programa que pretende regularizar propriedades "clandestinas" e o "cartão reforma" - este, o relançamento, "com outro nome, de uma boa ideia de Dilma"; a jornalista destaca que o anúncio foi feito pela Voz do Brasil, da EBC, onde "tudo agora é serviço governamental"; "E a mídia, que em outros tempos estaria denunciando o 'chapabranquismo', finge que não vê"
Tratemos da mensagem, e depois do meio pelo qual foi divulgada, a Voz do Brasil. Há alguns meses, se a então presidente da República anunciasse dois programas sociais sem o menor detalhamento, seria um Deus nos acuda na mídia e na oposição. Mas ontem foram divulgadas com boa vontade, sem qualquer questionamento, duas medidas com pretensões sociais do atual governo. Pela ausência de qualquer detalhamento técnico sobre a implementação, o anúncio deixou a impressão de que as medidas foram anunciadas assim que foram imaginadas, sem prévia formulação, apenas para gerarem algum alento na paisagem devastada pelo desemprego e a queda na renda das famílias. Vejamos uma e outra.
Regularização de propriedades “clandestinas” - Para começar, existem habitações irregulares ou ilegais, mas não clandestinas, por visíveis que são, inclusive para o poder público. Este é mesmo um grande problema no Brasil e precisa ser enfrentado. Segundo o IBGE, mais de 12 milhões de famílias vivem em aglomerados subnormais, ou seja, favelas e invasões, metade disso no Sudeste. Os governos petistas fizeram algumas tentativas neste sentido mas esbarraram no óbvio: o governo federal não tem capacidade para resolver o problema porque dele depende, fundamentalmente, da ação de prefeituras e governos estaduais. As propriedade irregulares nestes aglomerados ocupam terras invadidas. Algumas são públicas, outras pertencem a particulares, e teriam que ser desapropriadas, com indenização, naturalmente. Tal programa teria custos elevadíssimos. Não basta o governo federal querer dar títulos de propriedade. Será preciso negociar com o dono do lote. O problema das invasões no Distrito Federal é dramático mas os governos locais não conseguem equacioná-lo, inclusive porque boa parte das terras invadidas são da União, que não abre mão delas.
Num momento em que conter o gasto público tornou-se palavra de ordem, não é provável que o governo federal esteja disposto a financiar os custos de regularização de milhões de unidades “clandestinas”. Seria uma boa notícia se fosse viável. Só vendo para crer.
Cartão reforma – Temer relançou, com outro nome, uma boa ideia de Dilma, sacrificada pelo ajuste fiscal que ela tentou, o “Minha Casa Melhor!”. O valor do empréstimo já seria pequeno naquela época (junho de 2013): R$ 5. 000,00 para reforma da casa própria (legal) a serem pagos em até 48 meses a juros de 5% ao ano. Agora, com o saco de cimento custando mais de R$ 25,00, ficou irrisório. Com este dinheirinho, será difícil alguém conseguir “aumentar um quarto, cimentar a casa ou ampliar o banheiro”, como disse Temer. E também em relação a este programa, nenhum detalhamento: quem vai emprestar, por quanto tempo, a quê taxas de juros, em que condições? Por ora, apenas dois factoides.
O uso político da EBC
Temer anunciou estes programas pela Voz do Brasil, que ele e seus ministros estão usando intensamente, inclusive ao vivo. Tudo bem que este seja um programa de comunicação governamental, feito pela EBC Serviços, unidade da EBC criada para atender ao governo federal, e que não se confunde com os canais que ERAM públicos: TV Brasil, rádios EBC, Agência Brasil. Mas tudo na EBC agora é serviço governamental. A mídia, que em outros tempos estaria denunciando o “chapabranquismo”, finge que não vê. Segue o baile do aparelhamento, da descaracterização, do desmonte, da censura ao conteúdo produzido pelos jornalistas da casa.
Se os deputados e senadores tiverem um mínimo de honestidade, ao votarem a MP 744, que acaba com o conselho curador da EBC e com o mandato de seu diretor-presidente, colocarão os pingos nos is. Isso significa deixar claro que a empresa tornou-se uma agência de propaganda do governo, suprimindo da lei todas as referencias do texto à comunicação pública que o atual Governo sepultou.
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