25/06/2009
Relatório comemora queda no uso de cocaína e maconha.
E alerta para alta de substâncias sintéticas em países emergentes.
WASHINGTON. O Escritório de Drogas e Crime das Nações Unidas (UNODC, da sigla em inglês) divulgou ontem seu relatório anual sobre drogas comemorando a queda - ou um cenário de estabilidade - no consumo de cocaína, maconha e derivados do ópio e alertando para a alta no consumo de drogas sintéticas, especialmente nos países emergentes, como o Brasil. Além disso, o comércio de drogas já movimenta US$ 320 bilhões no mundo, o que faz das drogas uma das commodities mais valiosas do planeta. Mas o que chamou mesmo a atenção dos especialistas foi a mudança de postura da ONU no combate ao problema. Antonio Maria Costa, diretor do UNODC, defendeu a descriminalização do consumo de drogas e mais investimentos na ação policial e de inteligência contra a produção e o comércio, especialmente contra os cartéis de drogas espalhados pelo mundo. Trata-se de uma política fora de sintonia com a abordagem mais dura dos EUA e seu Escritório para Política de Controle de Drogas, cujo recém nomeado titular, Gil Kerlikowske, também participou do lançamento do relatório. - As pessoas que usam drogas precisam de ajuda médica, não de retaliação criminal - disse Costa, que fez um apelo para que os países ofereçam tratamentos mais acessíveis para os dependentes. Nações Unidas desaconselham a legalização Costa também pediu "o fim da tragédia das cidades sem controle", numa alusão aos governos que deixam comunidades inteiras à mercê de gangues, geralmente nas periferias, um flanco aberto para a ação do tráfico no lugar do Estado. - Moradia, trabalho, educação, serviços públicos e lazer podem tornar comunidades menos vulneráveis ao crime e às drogas - afirmou Costa. - O problema das drogas toca todas as nações. Aprendemos bastante sobre a doença do vício e sabemos que os tratamentos funcionam. Através de amplas e efetivas ações de combate, prevenção, educação e tratamento, teremos sucesso em reduzir o uso de drogas ilícitas e suas consequências devastadoras - fez coro Kerlikowske. Mas o jornalista Ryan Grim, em seu blog no jornal online Huffington Post, lembra que Kerlikowske já afirmou à mídia sua oposição a uma abordagem mais tolerante com usuários ("descriminalização não está em meu vocabulário", disse ele) e que a própria ONU desdenhou da bem-sucedida política de combate às drogas de Portugal - que prega o tratamento para usuários e o combate policial ao tráfico -, anunciada em 2001, para voltar atrás agora. "O Conselho de Controle Internacional de Narcóticos estava apreensivo quando Portugal mudou sua lei em 2001. Mas após uma missão ao país, em 2004, o conselho notou que o uso abusivo das drogas continuava proibido. A prática de isentar a posse de pequenas quantidades de processos judiciais é consistente com os tratados de controle internacional. E parece que o número de problemas relacionados a drogas caiu", diz o estudo. Ainda assim, as Nações Unidas desaconselham a legalização das drogas como forma de combate ao vício e ao tráfico. Trata-se outra novidade. Afinal, nos relatórios anteriores, a questão da legalização sequer foi abordada. Antonio Maria Costa chegou a chamar a legalização de "erro histórico". - Drogas ilícitas são um perigo à saúde. É por isso que elas são, e devem continuar, ilícitas. Um mercado livre para as drogas poderia espalhar uma epidemia (de vício), enquanto um mercado regulado (como o atual) cria um mercado negro paralelo. A legalização não é uma varinha mágica que vá acabar com as máfias ou o vício - afirmou Costa, observando que o combate ao mercado paralelo é mais fácil que o combate à uma epidemia. Outras conclusões do relatório mostram uma atividade menor nos maiores mercados produtores. A produção de ópio no Afeganistão, por exemplo, que responde por 93% da produção mundial, caiu 19% em 2008. Na Colômbia, as plantações de coca foram reduzidas em 18% ano passado, em comparação com 2007. A produção global anual de cocaína, de 845 toneladas em 2008, é o menor patamar dos últimos cinco anos. A maconha continua sendo a droga mais consumida, mas ainda que o consumo e a produção tenham estabilizado, o seu componente THC, prejudicial à saúde, aumentou na fabricação da droga. Para especialista, medida enfrentará resistência A produção e o consumo de drogas sintéticas, como metanfetaminas, Kristal meth, ecstasies, GHB e Ketamina (Special K), vem aumentando, especialmente nos países emergentes, por serem mais fáceis de transportar e não necessitarem de processos complicados para consumo. O mercado cresceu e há laboratórios de escala industrial no Sudeste Asiático, especialmente na região do Rio Mekong, um dos grandes fornecedores mundiais. O relatório mostra que as rotas do tráfico estão mudando por conta de ações policiais integradas em nível internacional, com impacto na oferta em mercados como o da América Latina e na África. - À medida em que a demanda por drogas persiste, países mais fracos serão o alvo de gangues de traficantes. Se a Europa realmente quer ajudar a África, deve acabar com seu apetite por cocaína - disse Costa. - O dinheiro da droga perverte países fracos e corrompe funcionários públicos fracos. As drogas são uma fonte de recursos para grupos como os talibãs e as Farc. Alguns especialistas não chegam a ser muito otimistas com o quadro sugerido pela ONU. É o caso de James Jones, professor do Centro de Estudos da América Latina da Universidade George Washington, que também trabalha como consultor do Escritório para Política de Controle de Drogas dos EUA e há 40 anos participa de programas de redução da produção de drogas em Peru, Colômbia e Bolívia. Jones acha que a descriminalização do uso ainda é uma política difícil de ser adotada pelos países, especialmente nos EUA. No controle ao tráfico, ele observa que o nível de corrupção policial e a infra-estrutura para o combate são muito ruins, enquanto, no aspecto do combate à produção, a abordagem dos governos vem sendo equivocada ao deixar de fora - caso da Colômbia e do Peru - ações suplementares importantes para tornar os programas de substituição de drogas por outros cultivos mais eficazes. - Gilberto Scofield Jr., correspondente -
Fonte: O Globo - Portal Médico
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