A constante batalha feminina para suprimir o lado masculino
Identidade feminina precisa estar constantemente ativa, reprimindo a expressão genética responsável pelo ‘default’ da especialização dos testículos.
Reversão sexual também traz esperança para casais homossexuais de mulheres que sonham em ter um filho biológico.
Menino ou menina? Em geral, essa é a pergunta mais comum que acompanha casais do mundo todo durante a gravidez. A definição do sexo tem origens embrionárias. A visão tradicional era de que as gônadas se diferenciavam em ovários ou testículos durante o desenvolvimento. A análise molecular dessa “escolha” traz implicações interessantes sobre a supressão masculina pelo feminino.
Nos embriões de mamíferos, as gônadas são bivalentes, ou seja, podem formar tanto ovários quanto testículos, dependendo de uma sinalização embrionária pouco conhecida. Acreditava-se que nos organismos adultos, ovários e testículos estariam num estágio de especialização terminal – uma vez feita a escolha, não teria como voltar atrás. Em machos genéticos (XY), a especialização testicular acontece por meio da ativação de genes no cromossomo Y. Nas fêmeas (XX), a diferenciação do ovário ocorre na ausência desses genes, mas o mecanismo molecular responsável por isso ainda é obscuro. Um fator envolvido nesse processo é o gene conhecido como Foxl2.
O Foxl2 pertence a uma categoria de proteínas conhecida como fatores de transcrição. Funcionam como reguladores-mestre de outros genes, ligando ou desligando-os. Para entender melhor o papel do Foxl2, um grupo de pesquisa internacional decidiu eliminar o gene dos ovários de camundongas adultas (Uhlenhaut e colegas, Cell 2009). O resultado não poderia ser mais curioso.
Análises histológicas (histologia é a disciplina biomédica que realiza estudos da estrutura microscópica, composição e função dos tecidos vivos) de ovários sem o Foxl2 revelaram que as células femininas se trans-diferenciaram em células testiculares, capazes de produzir testosterona em níveis comparáveis a um animal macho. O achado mostra a importância do Foxl2 além de uma ajudinha durante a embriogênese, revelando uma enorme capacidade plástica dos órgãos reprodutores em adultos.
O que o grupo observou foi uma reprogramação celular da identidade das células femininas em células masculinas, convertendo o ovário em testículo. Nem preciso dizer que isso vai contra as ideias tradicionais de que uma vez determinado o sexo, ele seria mantido durante o resto da vida do indivíduo.
As ramificações das interpretações desse resultado são diversas e polêmicas. Para começar, o estudo indica que a escolha do sexo durante o desenvolvimento é reversível. Além disso, elege o gene Foxl2 como o guardião da identidade feminina. Dessa forma, o feminino só consegue se expressar pela supressão do masculino, ou seja, a identidade feminina precisa estar constantemente ativa, reprimindo a expressão genética responsável pelo “default” da especialização dos testículos. Vale notar que sempre se achou que eram os ovários que não precisavam de constante supressão, sendo completamente passivos. Claramente não é esse o caso.
Se essa via molecular for confirmada em outros organismos, ela poderá explicar, por exemplo, casos de conversão sexual observada em aves e peixes. Os resultados também podem ter importantes implicações médicas para pacientes que sofrem de falha prematura dos ovários, problemas na menopausa e uma série de doenças que afetam o desenvolvimento sexual em crianças.
A reversão sexual também traz um pouco de esperança para casais homossexuais de mulheres que sonham em ter um filho biológico. No entanto, o trabalho não mostra a capacidade de formação de espermatozóides ativos nos ovários, indicando que outras vias independentes também devam ser desativadas para que a espermatogênese aconteça por completo. Isso sim, seria a verdadeira revolução sexual feminina.
G1.com
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