Para laboratórios, disputa na OMC vai além dos remédios
13 de maio de 2010
Os desdobramentos da reclamação feita pelo Brasil contra a União Europeia (UE) na Organização Mundial do Comércio (OMC) revelam a vontade de criar um clima de "Fla Flu" envolvendo genéricos, avalia o presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Antonio Britto.
"Estão querendo criar um tabu. A discussão vai muito além dos remédios", disse o presidente da organização que representa os 30 maiores laboratórios farmacêuticos instalados no País.
Na terça-feira, o Brasil deu o primeiro passo para a abertura de um painel na OMC contra a UE. A medida é uma reação à apreensão, em 2008, de um carregamento de 500 quilos do anti-hipertensivo Losartan, comprado pela empresa brasileira EMS na Índia.
O remédio, genérico tanto no Brasil quanto no país produtor, foi retido no porto de Roterdã por autoridades holandesas sob suspeita de desrespeito à patente. Na Holanda, a produtora Merck Sharp & Dohme ainda detém o direito exclusivo de exploração do medicamento.
A retenção foi feita com base em uma regulamentação da UE, que permite a medida todas as vezes em que houver suspeita de infração à propriedade intelectual. "Trata-se de um problema de direito internacional. Uma discussão sobre o direito de apreensão de produtos em trânsito por autoridades aduaneiras."
Para Britto, o episódio envolvendo o Losartan representa apenas um "case" - um caso específico. "A preocupação das autoridades é com as apreensões de todos os produtos, não está limitada à questão dos medicamentos", completou.
O presidente da Interfarma afirmou que grandes farmacêuticas não têm interesse em reduzir o trânsito de remédios genéricos. "Hoje a maioria das empresas produz e compra genéricos", disse.
''Empecilhos''
A representante do Movimento Médicos sem Fronteiras, Gabriela Chaves, diz:
"A diretiva da União Europeia que legitimou as apreensões vai além do que é determinado pelo Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS). E a medida traz empecilhos a todos os setores, a todos os produtores que atuam na área de genéricos e principalmente aos pacientes que precisam ter acesso a medicamentos legítimos, com qualidade e a preços acessíveis."
De acordo com Britto, o interesse da Interfarma está em garantir produtos de boa qualidade e de procedência comprovada. "É o que vem fazendo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que, recentemente editou normas mais rígidas para garantir a qualidade dos remédios." LÍGIA FORMENTI - Agência Estado
País abre disputa com UE por genérico
Apreensões de remédios em trânsito, sob justificativa de proteção à propriedade intelectual, motiva discussão entre as nações
O comércio de genéricos levou o Brasil a iniciar na Organização Mundial do Comércio (OMC) uma disputa contra a União Europeia (UE) e a Holanda. É uma reação às apreensões de medicamentos em trânsito no território europeu sob a justificativa de que eles ferem direitos de propriedade intelectual. Na prática, a ação policial da UE representa uma ameaça ao acesso a remédios que estão livres de patente.
A decisão brasileira - "pedido de consultas" - foi tomada após um ano de negociações fracassadas e pode representar o primeiro passo para abertura de um painel na OMC, como a ação é chamada no jargão diplomático. A discussão teve início em dezembro de 2008, com a apreensão no porto de Roterdã, na Holanda, de uma carga de Losartan, indicado para hipertensão, que estava a caminho do Brasil. Vendido pelo fabricante indiano Dr. Reddy"s à empresa nacional EMS, o Losartan é livre de patente no Brasil e na Índia.
Autoridades holandesas alegavam que o remédio era protegido por patente no seu território, argumento suficiente para apreender a carga, segundo regulamento da UE datado de 2003. O Brasil não foi o único a ter remédios em trânsito apreendidos. Até o antirretroviral abacavir, comprado pela Unitaid, agência humanitária internacional, para ser encaminhado para a Nigéria, foi retido. Pelas contas do Grupo de Trabalho Sobre Propriedade Intelectual (Rebrip), foram apreendidos pelo menos 15 carregamentos de genéricos destinados a países da América Latina entre 2008 e 2009, com base no regulamento europeu.
O Itamaraty interveio, mostrando preocupação com a regulamentação da UE. "Apesar de todos esses esforços, o regulamento da UE 1.383/2003, fundamento legal para as apreensões, permanece inalterado, causando insegurança jurídica e aumento de custos dos medicamentos", diz nota divulgada ontem pelo Itamaraty. Para evitar apreensões, a EMS, por exemplo, mudou a rota dos remédios comprados no exterior.
A ação brasileira não se resumirá à OMC. O Brasil se prepara para ingressar na próxima semana em nova frente de defesa do comércio de genéricos, desta vez na Organização Mundial da Saúde. Um dos temas discutidos durante a Assembleia Mundial de Saúde será medicamentos contrafeitos, termo usado para remédios que desrespeitam direito de marca, mas que nos últimos anos começou a ser usado também para designar falsificados ou piratas. Algo que permitiu a apreensão do Losartan.
Barreiras. Países em desenvolvimento enxergam na discussão, que parece ser meramente técnica, ameaça de novas barreiras para acesso a remédios. "O emprego equivocado do termo induz ao entendimento de que genéricos são contrafeitos", disse o secretário de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, Reinaldo Guimarães. Para ele, a OMS não deve incorporar termos relacionados à propriedade intelectual e se concentrar na proteção à saúde.
"Grandes empresas farmacêuticas atuam em várias frentes para tentar barrar o trânsito e o acesso a genéricos. O assunto está presente na OMC, na OMS, em acordos bilaterais, algo que muito nos preocupa", afirma Gabriela Chaves, da ONG Médicos Sem Fronteiras.
Em uma das ações contra a ofensiva de países ricos e das grandes farmacêuticas, a Rebrip ingressa hoje no Tribunal dos Povos, acusando a UE de violar os direitos humanos à saúde e à vida das populações de países atingidos pelas apreensões de medicamentos nos portos europeus. "Há um uso de obstáculos ilegais, ilegítimos ao acesso de remédios", diz a advogada da Rebrip, Renata Reis. "Uma condenação no tribunal é moral, mas o importante é que esse tema esteja presente, que população esteja atenta ao risco de retrocesso que hoje está presente", disse.
PARA ENTENDER
Os três tipos de medicamentos
Os medicamentos genéricos têm o mesmo princípio ativo, na mesma dose e forma farmacêutica dos remédios de referência. São administrados pela mesma via e têm a mesma indicação, apresentando segurança igual.A Anvisa exige teste de bioequivalência entre o genérico e o medicamento de referência - essa é a principal diferença do genérico para o similar, já que este não passa pelo teste.
DISPUTA COMERCIAL DE GENÉRICOS
06/03/2002Países em desenvolvimento defendem importação na OMC.
21/02/2003Reunião na OMC não chega a acordo sobre patentes.
05/09/2003Acordo permite que Brasil importe genéricos.
23/01/2009Holanda intercepta carga de genérico que viria para o País.
O Estadao
Nenhum comentário:
Postar um comentário