7.26.2011

A QUALIDADE E A SAÚDE (Quem controla os controladores?)


A liberdade do mercado para produtos e processos potencialmente nocivos à saúde, depurando o
ambiente e abrindo caminho à predominância daquele que reúna as características de menor preço e melhor qualidade, tem que ser melhor esclarecida.

Não se trata, simplesmente,de avaliar, desqualificando, um liquidificador que não
tritura ou um automóvel para cujas panes nunca é possível encontrar peças de reposição.
Os custos podem ser demasiado pesados em vidas, sofrimento, incapacitação.

A qualidade de um produto qualquer, ou de um processo, não é constante.
É atributo ao qual está associada uma variabilidade que deriva das características
essencialmente mutáveis dos processo concreto desenvolvidos em todas as fases do
ciclo completa produção - distribuição - comercialização – uso.

A qualidade não é uma variável nominal, meramente classificatória. Boa ou má qualidade,
traz implícita, no mínimo, uma escala ordinal para esta variável.
As diversas regras de "medida" da variável qualidade hão de ser claramente enunciadas,
para que se possa associar um valor (da qualidade) a cada exemplar de um produto. Em suma, não se pode falar na qualidade de um produto (ou processo) em abstrato. É obrigatório especificar,
de forma detalhada, os padrões de qualidade desejados, as maneiras de atingi-los e os
métodos empregados na sua avaliação. Somente desta forma, dizendo claramente quais
são as característica desejáveis, será possível controlar a qualidade de um produto, geralmente através de algum método de monitoramento do processo produtivo.

O problema não se circunscreve à planta industrial. O que precede a produção (matéria
prima e insumos em geral) e o que a sucede (distribuição, comercialização, uso) são igualmente dignos de preocupação. Não é por outro motivo que alguns produtores exercitam rigoroso controle da qualidade da matéria prima, tem suas próprias redes de distribuição e alertam o comprador a respeito dos pré-requisitos (de uso) indispensáveis a qualquer reclamação quanto à má
qualidade do produto adquirido. A questão da garantia da qualidade pode ser motivo
de diversas abordagens. Donabedian, referindo-se à garantia da qualidade da atenção médica, afirma que o termo pode ser enganoso, pois "nem sempre é possível garantir um determinado
nível de qualidade". Opta pela alternativa de almejar à salvaguarda da qualidade ou, mais otimisticamente, à sua melhoria.

Para produtos e processo em geral, não apenas aqueles potencialmente nocivos à saúde, considera-se que cabe ao produtor garantir a qualidade. Isto não é pouco, atribui-lhe (ao produtor) responsabilidade legal e faz dele o alvo predileto das reclamações, inclusive
pela via judicial.
Garantir a qualidade pressupõe independência da instância controladora em relação à linha de mando do processo industrial.
Os laboratórios de controle de qualidade (monitorização) do processo produtivo não podem estar subordinados Diretoria de Produção.


Lei 6360/76 art. 78 - Sem prejuízo do controle e da fiscalização a cargo dos
Poderes Públicos, todo estabelecimento destinado à produção de medicamentos
deverá possuir departamento técnico de qualidade, que funcione de forma
autônoma em sua esfera de competência, com a finalidade de verificar a
qualidade das matérias primas ou substâncias, vigiar os aspectos qualitativos
das operações de fabricação e a estabilidade dos medicamentos produzidos e
realizar os demais testes necessários.


Quem controla os controladores?. Para muitos, esta é a essência de um Sistema de Garantia de Qualidade. Um processo de monitorização, exercido por um laboratório não subordinado à Diretoria de produção, e um outro processo de monitorização da qualidade dos procedimentos empregados pelo laboratório de controle. Não se exige, portanto, o exame de cada exemplar do produto em todos os níveis do sistema de garantia. Os níveis de referência mais elevados ("de excelência") certificam tão somente a correção dos procedimentos executados pêlos laboratórios dos demais níveis, ai incluído, muitas vezes, o próprio desenho aleatório da obtenção das amostras.

Esta é a lógica usual dos sistemas de certificação, que não excluem a eventual existência de um exemplar de má qualidade, de um produto certificado. A certificação pressupõe boa
qualidade, definida por atributos acessíveis à observação e medidas. Ninguém certifica má qualidade seria desqualificar-se no cenário competitivo.

No campo da saúde a questão é mais complexa. Não se trata apenas de certificar a (boa) qualidade dos produtos. Compete ao sistema de saúde zelar pelo "bem estar" da população: qualidade em saúde não se confunde necessariamente com qualidade "tout court". A nocividade
do produto, ou processo, é o elemento primordial da análise.

Antonio Celso da Costa Brandão
Diretoria executiva  Farmanguinhos / Fiocruz

Texto original: José Carvalheiro

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