12.28.2015

Obcecados por Chico Buarque e Jô Soares, antipetistas “esquecem” que Fernando Henrique Cardoso recebeu R$ 6,7 milhões via Lei Rouanet

: "O ÓDIO E A BURRICE PODEM CEGAR".
publicado em 25 de dezembro de 2015 às 03:50
rindo
por Luiz Carlos Azenha
O jovem que se referiu a Chico Buarque como “um merda”, durante um bate boca no Leblon, Rio de Janeiro, certamente não havia nascido quando comecei a trabalhar como repórter-mirim no Jornal da Cidade de Bauru, no interior de São Paulo, em 1972.
Guilherme Junqueira Motta Luiz não pôde testemunhar, portanto, como foi construída a fortuna de sua família, que hoje controla a Usina Açucareira Guaíra, na Fazenda Rosário, perto de Guaíra.
Pelo jeito que ele se referiu a Chico — um mérrrrrrda –, acho que posso dizer que temos em comum o sotaque do interior paulista.
Gullherme aparentemente apagou seus perfis no LinkedIn e no Facebook, mas antes de fazer isso deu para medir qual foi a reação dele diante da repercussão do incidente.
Primeiro ele reproduziu um meme:
guilhermeDepois, um link segundo o qual “Governo liberou, via Lei Rouanet, mais de 800 mil para namorada de Chico Buarque”.
Da última vez que olhei o texto tinha sido compartilhado 172 mil vezes. O que dá a vocês a dimensão de quantos são os analfabetos políticos por aí.
Eles imaginam que Dilma foi pessoalmente entregar a mala de dinheiro.
É uma obsessão dos antipetistas.
Seja através do Bolsa Família ou da Lei Rouanet, eles acreditam que os governos Lula e Dilma compraram apoio.
Como se eles próprios não decidissem seus votos a partir de interesses de classe.
As quatro vitórias eleitorais, portanto, não valem nada.
O que diz mais sobre eles do que sobre os que teriam sido “comprados”.
Revela incapacidade de aceitar que alguém possa pensar — e votar — diferente.
Se não concorda comigo, foi corrompido!
O incidente no Leblon é o passo seguinte: suprimir no grito aqueles com os quais não se concorda.
Milícias digitais já temos. Se a gente conhece um pouco da História, em seguida vão atacar sedes de partidos políticos…
Já aconteceu? Então estamos a caminho dos espancamentos, que precedem a eliminação física.
A não ser que os brucutus sejam isolados politicamente. O que já está acontecendo.
Um arma para fazer isso, acredito, é a informação.
Tenho um colega repórter que acha que Chico Buarque fez sua última obra relevante nos anos 70 e, depois, foi uma decadência só.
Não sei se está apenas reproduzindo o que leu nas redes sociais, é possível que sim. É jovem. Talvez não conheça a discografia de Chico, não tenha lido os livros dele.
O certo é que o antipetismo carrega uma dose tão grande de ódio de classe que bloqueia o raciocínio, impede a análise dos fatos como eles são e transforma teorias conspiratórias em “verdades absolutas”, de tanto que são repetidas.
Tipo filho do Lula = dono da Friboi. Não, o filho do Lula não é dono da Friboi!
Conheço Chico Buarque apenas da sala-de-espera de uma dentista que frequentamos no Leblon. Sei que ele nunca foi de família pobre. Tem uma longa carreira, mais de 50 anos de sucesso.
É filho de um intelectual que escreveu um livro seminal para entender o país, Raízes do Brasil. E não mudou de posição no espectro ideológico. Ele não se “tornou” de esquerda por oportunismo, depois que Lula assumiu o poder, em 2002.
Faz sentido, portanto, que ele tivesse decidido apoiar governos petistas por causa de dinheiro obtido através da Lei Rouanet? Só um analfabeto político pode acreditar que um artista tão bem sucedido precisa disso.
O que Chico Buarque faz é dar retorno. E, como a Lei Rouanet é basicamente um instrumento de mercado, é fácil encontrar quem banca os projetos dele. Para as empresas, é chique associar sua imagem a alguém respeitado em todo o mundo, que é garantia de casa cheia.
Mas, peraí, os antipetistas não se dizem liberais, que defendem o mercado?
O problema é que são desinformados. E nem se dignam a usar o Google.
Poucos sabem, por exemplo,  que a Lei Rouanet  não foi inventada pelo PT: é de dezembro de 1991.
Leva a assinatura do ministro da Justiça de Fernando Collor, o “comunista” Jarbas Passarinho, coronel reformado do Exército e quadro importante da ditadura militar (minha primeira entrevista na vida, como repórter de um jornal escolar, foi com Passarinho, quando ele era ministro da Educação do governo Médici).
Sim, há muita controvérsia sobre a Lei Rouanet, mas não, ELA NÃO FOI UMA INVENÇÃO DO PT.
Sobreviveu, com ajustes aqui e ali, aos governos Itamar Franco, aos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, aos dois de Lula e ao primeiro de Dilma Rousseff. Milhares de projetos foram aprovados ao longo destes 25 anos!
Numa década foram 10 mil, envolvendo quase R$ 5 bilhões em renúncia fiscal.
E é óbvio que nenhum presidente da República saiu por aí dando dinheiro: Dilma não “deu” 800 mil reais à namorada de Chico Buarque, assim como FHC não foi pegar pessoalmente 500 mil reais nos cofres da Sabesp.
Aliás, se houve um caso controverso foi este, que os antipetistas fazem de conta desconhecer: uma empresa de economia mista, cujo controle é do estado de São Paulo, governado pelo tucano Geraldo Alckmin, abateu 500 mil reais do imposto de renda e os repassou ao instituto de FHC para uma série de projetos.
Aparentemente, cumpriu as regras.
É assim que funciona a Lei Rouanet: o dinheiro vem de pessoas físicas ou jurídicas, autorizadas a abater respectivamente 6% ou 4% do imposto de renda para financiar os projetos, que passam pelo crivo de um corpo técnico do Ministério da Cultura.
O Minc não aplica critério ideológico: analisa a viabilidade do projeto. Tanto que, se você se der ao trabalho de analisar as planilhas de projetos aprovados (está tudo no site do Ministério), vai encontrar de tudo.
Nós mesmos, aqui neste site, já protestamos pelo fato de que R$ 5,2 milhões foram captados para bancar uma temporada do Disney On Ice, em 2011! Em outro episódio que deu o que falar, por causa do preço salgado dos ingressos, uma empresa captou R$ 22,3 milhões para temporadas do Cirque Du Soleil em 2006.
O Ministério da Cultura se defendeu, então, dizendo que a lei valia para todos e que as regras tinham sido cumpridas pela empresa proponente.
Será que o Guilherme Motta, obcecado pelo Chico Buarque, sabe que a bilionária Rede Globo pagou 81% da minissérie Serra Pelada (R$ 6,8 milhões) com recursos captados pela Lei Rouanet? Que em 2008 a Fundação Roberto Marinho já tinha colocado R$ 6,2 milhões no Museu do Futebol, em São Paulo, usando o mesmo caminho?
A Globo fez um bom negócio com requintes de crueldade: ocupou um espaço físico em um estádio municipal, o Pacaembu, abateu a grana do imposto de renda, “controlou” a História do futebol (não há referências à corrupção no Museu do Futebol da Globo) e associou seu nome ao esporte mais popular no país. Houve protestos dos que agora se levantam contra Chico Buarque?
Veja, clicando aqui, quem o governo Dilma “comprou” na última reunião da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, que tem gente especializada para tomar as decisões: o Catraca Livre, do Gilberto Dimenstein! Mais um petralha…por R$ 2.230.360,00.
Como os antipetistas não entendem ironia, que fique registrado: Dimenstein é crítico do PT.
Os antipetistas amaram disseminar este link, sobre uma peça dirigida por Jô Soares em 2014, com financiamento de quase R$ 2 milhões via Lei Rouanet.
Era a “prova” para explicar uma suposta “mudança de lado”.
Por este raciocínio, Rita Lee e Cláudia Leite também estão no bolso de Dilma. Assim como… Fernando Henrique Cardoso.
Como explicar que o Instituto FHC foi autorizado a captar mais R$ 6,2 milhões pela Lei Rouanet, em 2014, para digitalizar seu acervo? Vai ver que é o motivo para FHC não ter comparecido às manifestações pró-impeachment.
Finalmente, é preciso deixar claro que o atual ministro da Cultura do governo Dilma, Juca Ferreira, acha que a Lei Rouanet, no formato atual, já deu o que tinha de dar. É uma opinião razoavelmente disseminada:
Oitenta por cento do total renunciado vai para (os estados de) Rio e São Paulo. Sessenta por cento, para duas cidades (as capitais), e são sempre os mesmos (proponentes) que recebem: os que dão retorno de imagem às empresas. Não é culpa da empresa. Se criamos um mecanismo para isso, ele pode ser usado. Mas não é parceria público-privada. É outra coisa.
É o quê?
Esse dinheiro corresponde a 80% do que o governo federal tem para financiar atividades culturais no Brasil. Levando em consideração o que eu falei, me diga: é possível desenvolver política pública assim? A Rouanet dá a aparência de parceria público-privada, mas é a empresa decidindo onde vai aplicar o dinheiro, é a privatização de recursos públicos para construir imagens de empresas, algumas delas altamente lucrativas.
Provavelmente — é impossivel assegurar — o ministro estava se referindo entre outros ao Itaú Cultural, que por vários anos liderou o abatimento de impostos via Lei Rouanet (entre 2010 e 2012, R$ 81 milhões).
Não haverá manifestação de antipetistas segunda-feira diante do bilionário Banco Itaú.
Eles jamais vão admitir que a Lei Rouanet é um mecanismo de mercado, “conservador”, pelo qual as empresas abatem impostos e investem na associação de sua imagem a este ou aquele projeto/artista.
Não é o governo Dilma, como não foi o de FHC, quem comanda o jogo. São as empresas, que privilegiam o que dá retorno: Holiday On Ice inclusive.
É um jeito muito mais barato de fazer marketing do que comprar anúncios de 30 segundos que custam 600 mil reais (tabela cheia) no Jornal Nacional.
Este é um debate rico e muito interessante, com diversos pontos-de-vista. Mas os antipetistas não estão interessados nele. Vão continuar recortando a realidade que lhes interessa e usando as pílulas de informação que alimentem o ódio contra Chico Buarque, Jô Soares ou quem lhes aparecer no caminho.
Nossa mídia rasteira não ajuda. Fulanizou a Lei Rouanet. Foca na Maria Bethânia, mas esquece o Itaú Cultural.
Fornece informações descontextualizadas aos analfabetos políticos, que formam uma espécie de exército da ignorância digital. É uma batalha de informação desigual, mas que precisa ser travada.
Amanhã, como a família do usineiro fez fortuna contando com o mesmo dinheiro público que ele diz ter “comprado” Chico Buarque

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