Só que comparados com os da dengue, os sintomas da zika são muito amenos, e assim ninguém estava muito preocupado com mais essa doença infecciosa – afinal, melhor zika do que dengue ou febre amarela! Até que começaram a surgir os casos de microcefalia... E aí descobrimos um efeito inesperado e perverso do vírus zika: ele ataca o cérebro de fetos, causando inflamações que durante o desenvolvimento do órgão têm consequências desastrosas... O cérebro menor e mal formado (a tal da microcefalia) não funciona bem, levado a deficiências intelectual e motora.
Para vocês terem uma ideia, entre 2010 e 2014, o país registrou uma média de 150 casos de recém-nascidos com microcefalia por ano. Pois só nos últimos 12 meses, foram diagnosticados mais de 3.000 casos da doença! Ora, é claro que há algo de novo (e podre) no reino Brasilis, e essa novidade se chama zika.
Isso é motivo para desespero? Não é? Engravidar agora? E quem está com uma idade em que não dá para esperar muito mais? Dá para engravidar e ficar tranquila seguindo as recomendações como a de usar repelente? Ou realmente é melhor não? Se a pessoa já engravidou, é o caso dela entrar em um avião e passar os próximos nove meses na Finlândia para fugir do mosquito?
Resposta com rigor científico: depende... Vejam, dos quase 3.000.000 de partos nos últimos 12 meses, só 3.000 foram de bebês com microcefalia: uma probabilidade de 1 em 1.000. “Só”?! E isso é baixo? É parecido com o risco de uma mulher de 30 anos ter um filho com síndrome de Down (1 em 900); e 10 vezes menor do que o risco de uma mulher de 40 ter uma criança com Down (1 em 100).
Sim, mas isso é alto ou é baixo? Depende do ponto de vista... Quando eu engravidei pela primeira vez, aos 36 anos, eu achei o risco de Down gigante – afinal, para mim que há 30 anos estudo uma doença genética cuja incidência é de 1 em 10.000 pessoas, 1 em 300, meu risco na época, era enorme. Já para meu marido, 1 em 300 era nada e não justificava fazer um exame invasivo (aminiocentese), que também tinha lá seus riscos para a gravidez (naquela época ainda não havia o exame cromossômico não invasivo...).
Não me lembro como a opinião dele prevaleceu, mas fato é que não fiz exame invasivo nenhum, e só fui relaxar mesmo depois do ultrassom morfológico, que baixou o risco de Down para 1 em 2.500. No mesmo dia o enjoo passou e o resto da gestação foi só alegria!
O mesmo se repetiu na minha segunda gravidez, agora com 38 anos, e risco de Down de 1 em 175! O maridão conseguiu me segurar, de novo não fiz o exame invasivo, ultrassom morfológico disse que estava tudo bem (com 1 em 800 de probabilidade), e assim nasceu Maria.
Mas como isso se compara com o que estamos vivendo agora com a zika? Vejam, ao contrário do risco genético, o risco de pegar zika parece estar aumentando exponencialmente com a falta de controle do mosquito (e nosso Ministro da Saúde já admitiu essa derrota...), logo, aquela probabilidade de 1 em 1.000 de ter um bebê com microcefalia tende a aumentar sim. Além disso, o risco varia de acordo com o local onde você mora – a coisa está mais feia no Nordeste do que no Sul.
Para complicar, ainda sabemos pouquíssimo sobre a microcefalia causada pelo vírus da zika. Por exemplo, se uma grávida tiver zika, qual é a chance do bebê nascer doente? Isso depende do estágio da gestação? Se a mulher teve zika antes de engravidar, isso a protege ou piora a situação? Não sabemos... Essa história de zika causar microcefalia é uma descoberta dos últimos meses, estamos em pleno momento de incertezas.
E aí, como responder àquelas perguntas? Números ajudam, mas como vocês viram na minha história de gravidezes, números podem ser relativos... Ainda não existe uma equação clara de cálculo de risco, e cada casal terá que avaliar as informações que temos hoje sobre a zika/microcefalia, levar em conta o local onde vive, a urgência de engravidar agora, e chegar à sua conclusão muito pessoal sobre querer ou não correr o risco. Sim, porque uma certeza nós temos: o risco existe. Mas por outro lado, viver sempre foi muito perigoso...
Lygia V. Pereira
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