Quando a gente acorda num daqueles dias -- aqueles em que o trajeto de
casa até a firma parece mais longo que a Cordilheira dos Andes --, é
inevitável que a primeira pessoa que nos encontre no trabalho vá logo
perguntando:
-- Ih, que cara é essa? Alguma coisa errada?
Imagina-se que alguém que faça uma pergunta dessas esteja esperando ouvir uma resposta socialmente correta, do tipo: "Sim, estou extremamente mal-humorado devido a diversos contratempos que passarei doravante a relatar. Você não gostaria de se sentar? Porque meu rosário de traumas pessoais e profissionais irá consumir cerca de 2 horas do seu tempo".
Só que não é isso o que respondemos. Nossa resposta padrão, em tais situações, é a seguinte: "Não!" Com "ene" maiúsculo. Mas, por algum motivo, afirmações peremptórias como essas tendem a aguçar mais ainda a curiosidade alheia. E a pessoa insiste:
-- Tem certeza?
Nesse momento, ocorre um fenômeno neurológico interessante. Os dedos dos pés, vulgo artelhos, se contraem. E isso faz com que os músculos do tornozelo fiquem tensos. A tensão sobe até o tórax e provoca uma reação que envolve todo o corpo: a gente se ajeita na cadeira. Normalmente, numa posição que denota várias sensações, exceto a de tranqüilidade. Para compensar a má postura corporal, nosso cérebro emite um comando de emergência e nossa voz, mesmo contrariando nossa vontade, responde:
-- Não, estou ótimo.
Ou seja, iniciamos uma frase afirmativa com uma negação, o que é altamente suspeito. Tanto pode ser um sinal de confusão mental quanto uma inequívoca indicação de que estamos de mau humor. E o ouvinte, em 99% dos casos, infere a segunda hipótese. E apela para os fatos concretos:
-- Então, por que você está grampeando essas folhas em branco?
É verdade. Enquanto nosso cérebro estava ocupado, tentando encontrar alguma improvável resposta que nos livrasse daquele diálogo inócuo, nossos braços e mãos adquiriram vida própria. E ali, sobre a mesa, estão dez folhas grampeadas. Com oito grampos cada uma. E o grampeador está em nossa mão, o que, em princípio, é uma prova irrefutável da autoria do delito. Nesse exato momento, decidimos simplificar complicando:
-- Não, isso é exercício de relaxamento. Diminui o estresse. Quando estou de mau humor, mesmo, eu rasgo as folhas e atiro o grampeador pela janela. Entendeu?
Aí, a pessoa faz aquela cara de vítima, como se a vítima fosse ela e não nós, e responde:
-- Você não precisava levantar a voz desse jeito. Eu só estava tentando ajudar.
Nesse instante, o diálogo entra em sua última fase: nossos sinceros pedidos de desculpas. Mas a pessoa não está mais interessada em ouvir. Magoou-se. E se retira. Assim, dando a impressão de que está muito feliz. E está mesmo. Bem mais do que estava quando a conversa começou. Porque o mundo corporativo é assim mesmo, um tanto quanto egoísta. Quem pergunta se o outro está de mau humor raramente está querendo ajudar. No mais das vezes, está apenas buscando uma referência comparativa para melhorar o próprio dia.
Max Gehringer (max.g@uol.com.br)
-- Ih, que cara é essa? Alguma coisa errada?
Imagina-se que alguém que faça uma pergunta dessas esteja esperando ouvir uma resposta socialmente correta, do tipo: "Sim, estou extremamente mal-humorado devido a diversos contratempos que passarei doravante a relatar. Você não gostaria de se sentar? Porque meu rosário de traumas pessoais e profissionais irá consumir cerca de 2 horas do seu tempo".
Só que não é isso o que respondemos. Nossa resposta padrão, em tais situações, é a seguinte: "Não!" Com "ene" maiúsculo. Mas, por algum motivo, afirmações peremptórias como essas tendem a aguçar mais ainda a curiosidade alheia. E a pessoa insiste:
-- Tem certeza?
Nesse momento, ocorre um fenômeno neurológico interessante. Os dedos dos pés, vulgo artelhos, se contraem. E isso faz com que os músculos do tornozelo fiquem tensos. A tensão sobe até o tórax e provoca uma reação que envolve todo o corpo: a gente se ajeita na cadeira. Normalmente, numa posição que denota várias sensações, exceto a de tranqüilidade. Para compensar a má postura corporal, nosso cérebro emite um comando de emergência e nossa voz, mesmo contrariando nossa vontade, responde:
-- Não, estou ótimo.
Ou seja, iniciamos uma frase afirmativa com uma negação, o que é altamente suspeito. Tanto pode ser um sinal de confusão mental quanto uma inequívoca indicação de que estamos de mau humor. E o ouvinte, em 99% dos casos, infere a segunda hipótese. E apela para os fatos concretos:
-- Então, por que você está grampeando essas folhas em branco?
É verdade. Enquanto nosso cérebro estava ocupado, tentando encontrar alguma improvável resposta que nos livrasse daquele diálogo inócuo, nossos braços e mãos adquiriram vida própria. E ali, sobre a mesa, estão dez folhas grampeadas. Com oito grampos cada uma. E o grampeador está em nossa mão, o que, em princípio, é uma prova irrefutável da autoria do delito. Nesse exato momento, decidimos simplificar complicando:
-- Não, isso é exercício de relaxamento. Diminui o estresse. Quando estou de mau humor, mesmo, eu rasgo as folhas e atiro o grampeador pela janela. Entendeu?
Aí, a pessoa faz aquela cara de vítima, como se a vítima fosse ela e não nós, e responde:
-- Você não precisava levantar a voz desse jeito. Eu só estava tentando ajudar.
Nesse instante, o diálogo entra em sua última fase: nossos sinceros pedidos de desculpas. Mas a pessoa não está mais interessada em ouvir. Magoou-se. E se retira. Assim, dando a impressão de que está muito feliz. E está mesmo. Bem mais do que estava quando a conversa começou. Porque o mundo corporativo é assim mesmo, um tanto quanto egoísta. Quem pergunta se o outro está de mau humor raramente está querendo ajudar. No mais das vezes, está apenas buscando uma referência comparativa para melhorar o próprio dia.
Max Gehringer (max.g@uol.com.br)
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