7.26.2017

DOCUMENTO: Governos Lula e Dilma a era do consumo e da prosperidade

Ricardo Stuckert/Instituto Lula

O consumo – para repetir o óbvio – é o único fim e o alvo de toda a atividade econômica. 
(Keynes, 1973, p.104)
Introdução
Os governos do presidente Lula ganharam alguns rótulos e interpretações ligeiras. Entre os mais conhecidos é que foram governos do estímulo ao consumo e do, consequente, endividamento excessivo das famílias brasileiras. Há, pelo menos, duas outras marcas também estabelecidas para aqueles governos: (1) -surfaram na calmaria internacional e no boom de preços das commodities ou ainda (2) - foram governos que promoveram uma gastança irresponsável de recursos públicos. São rótulos que tentam comunicar, com poucas palavras, o que podemos chamar de os fracassos dos sucessos econômicos e sociais que o Brasil alcançou em 2010, após dois governos e oito anos de administração do presidente Lula.
A tentativa de marcar os governos do presidente Lula com esses rótulos ou interpretações ligeiras tem uma clara e objetiva intenção. Tem a finalidade de reduzir o tamanho dos resultados econômicos e sociais daquele período em todas as suas dimensões. É feito uma espécie de contorcionismo (intelectual e político) para mostrar que existiram fracassos, apesar dos sucessos. Em outras palavras, busca-se mostrar que as políticas econômicas e sociais que foram adotadas tiveram eficiência duvidosa e deixaram efeitos colaterais negativos. Para tanto, os verdadeiros resultados alcançados são distorcidos ou omitidos.
Os rótulos ou interpretações ligeiras dão explicações econômicas sintéticas e simples. Mas, de fato, rótulos e interpretações ligeiras são recursos de comunicação que servem à disputa política. Explicações econômicas rigorosas e aprofundadas podem mostrar, no caso em questão, fatos e resultados diferentes e, por vezes, opostos àqueles indicados. Por exemplo, como é mostrado nesse artigo, o que é chamado de “a era do consumo” poderia ser chamado de forma mais apropriada de “a era dos investimentos”. Embora esse último rótulo possa ser mais adequado para a economia daquele período, não atenderia à narrativa política da desqualificação ou da diminuição dos resultados alcançados, muito pelo contrário.
O objetivo do artigo é mostrar que o período 2006-2010 foi caracterizado de forma muito inadequada. Por exemplo, poderia ter sido caracterizada como “a era dos investimentos”, já que especialmente o segundo governo do presidente Lula foi coroado com um aumento extraordinário dessa variável. O consumo das famílias cresceu no período Lula, mas pode ser considerado como o motor de partida para que a economia alcançasse uma condição virtuosa de crescimento com investimentos e redução drástica do desemprego. Do ponto de visa quantitativo, vale uma comparação. O consumo das famílias cresceu bem menos que o investimento durante os governos do presidente Lula. Portanto, o rótulo fartamente atribuído àquele período é no mínimo muito impreciso.
O artigo contém mais sete seções. Na próxima, indica-se que o rótulo “a era do consumo” é muito utilizado, embora não tenha tido origem em trabalhos acadêmicos. Sua utilização busca diminuir os resultados econômicos e sociais do período. Como existiu inclusive a demonização do ato de consumir, indica-se, em seguida, que o consumo é necessário para que outras variáveis sejam estimuladas, entre elas, a taxa de salários, lucros, aluguéis etc. Na seção “do consumo ao investimento”, descreve-se do ponto de vista teórico e real qual foi a sequência que teve início com o consumo e que culminou com aumento dos investimentos e a redução do desemprego. Do ponto vista teórico, mostra-se o keynesianismo da trajetória econômica a partir dos escritos de J.M.Keynes e de H.Minsky. E do ponto de vista quantitativo, mostra-se que o investimento cresceu muito mais que o consumo na era Lula. A seção seguinte trata do endividamento das famílias. Destaca-se que a desaceleração de 2011 não foi causada pelo excesso de endividamento das famílias, mas pode ter sido incentivada pelo aumento da parcela comprometida com o pagamento de dívida, que por sua vez, sofreu pressão altista devido à elevação da taxa de juros básica da economia. Antes das considerações finais, faz-se uma breve comparação internacional. Conclui-se que o Brasil no período 2006-2010 esteve entre os países que tiveram as maiores taxas de crescimento do consumo quanto do investimento. A conclusão geral do artigo é que o rótulo “a era do consumo” poderia ser substituído por “a era dos investimentos” sem prejuízo de análise ou omissão de resultados econômicos e sociais alcançados – muito embora mais importante que rótulos sejam as análises apuradas. 
A temática discutida no artigo é abordada a partir da teoria econômica de John Maynard Keynes e da tradição pós-keynesiana expressa nas visões de Hyman Minsky, Paul Davidson e outros. 
O rótulo “a era do consumo”
Embora tenha tido muito debate sobre o tema, com muitos textos de opinião, ainda foi produzida uma quantidade reduzida de artigos acadêmicos sobre o modelo e resultados econômicos e sociais dos governos Lula – o que é aceitável porque o tempo é necessário para que conjunturas sejam transformadas em história analisada. Destacam-se entre os trabalhos produzidos os artigos de Morais & Saad-Filho (2011), Barbosa & Souza (2010), Ferrari-Filho e Paula (2015) e Serrano & Summa (2015). Há também dois livros-ensaios escritos por Sicsú (2012) e Dulci (2012), mas que não pretenderam fazer discussões no plano acadêmico.
Morais & Saad-Filho (2011) reconheceram que houve mudanças desenvolvimentistas que buscavam equidade social e a elevação do investimento no segundo governo Lula. Buscaram equacionar teoricamente e empiricamente como tais mudanças conviviam com políticas liberais que, segundo os autores, foram herdadas do primeiro mandato. 
Serrano & Summa (2015), embora tratem diretamente do primeiro governo Dilma (2011-2014), também analisaram o período 2003-2010. Esses autores concluíram que houve uma ampla transformação no período 2004-2010 que envolveu o crescimento do investimento, do consumo, do emprego formal e da infraestrutura – e que políticas orientadas para esses objetivos foram utilizadas.
Ferrari-Filho & Paula (2015) destacam que no período 2007-2010 o crescimento foi promovido pelo consumo, investimento e exportações. Argumentaram, contudo, que no período da crise internacional de 2008-2009 o governo Lula adotou uma política contra cíclica de cunho keynesiano que foi episódica. Alertam que o governo deveria ter mantido tal política associado a estratégias de desenvolvimento de forma permanente, mesmo em tempos de normalidade. 
Barbosa & Souza (2010) fizeram um “balanço geral” dos dois governos Lula e concluíram que houve uma “inflexão” na trajetória econômica: da posição liberal para uma orientação desenvolvimentista. Estavam focados em explicar a “estabilidade macroeconômica” alcançada, ou seja, inflação controlada, redução do endividamento do setor público e diminuição da vulnerabilidade externa.
Como visto, em nenhum desses trabalhos buscou-se caracterizar os governos Lula como aqueles cuja marca teria sido somente o estímulo ao consumo. A despeito dos parcos trabalhos científicos produzidos, tanto os analistas da mídia hegemônica no Brasil quanto grande parte do senso comum (que é influenciado por essa mídia) interpretam, mais que simplesmente rotulam, os governos do presidente Lula como “a era do consumo”. 
A descrição a partir daquele rótulo, em primeiro plano, é eivada de um sentido negativo que tenta mostrar que o gasto de consumo é algo inferior; que o correto teria sido o estímulo ao gasto de investimento. Alguns sugerem até que é sempre melhor poupar do que consumir. São estabelecidas, de forma subjacente, uma hierarquia e uma classificação: o consumo é algo inferior e quase ruim e o investimento é muito bom e superior. Em segundo plano, tenta-se mostrar que houve aumento do consumo porque as famílias se endividaram excessivamente. Aqui também o endividamento das famílias é tratado como algo muito negativo, um juízo de valor que não existe na teoria econômica. 
Basta uma pesquisa na Internet, via Google por exemplo, que o resultado são inúmeros endereços que indicam: desde a ultraesquerda até a direita mais ignorante formando um aparente consenso sobre os governos Lula como sendo “a era do consumo” e do endividamento excessivo das famílias brasileiras. Para além dos artigos de opinião e entrevistas disseminados, há um artigo científico sobre o tema, de Kharroubi & Kohlscheen (2017), que vale a pena ser avaliado. Os autores se propõem a analisar a problemática do crescimento puxado pelo consumo (consumptiom-led growth).
Eles definem economias cujo crescimento é puxado pelo consumo todos aqueles casos em que a taxa de crescimento do consumo das famílias é maior que a taxa de crescimento de toda a economia. A análise é feita a partir de uma comparação entre países selecionados. Destacam que no período 2002-2007, para alguns países desenvolvidos, o crescimento foi puxado por um equilíbrio entre investimento e consumo, mas que de 2011 a 2016, teria sido puxado somente pelo consumo. Fazem referência também ao Brasil, mas somente a partir de 2010. Indicam que no ano de 2010 não houve crescimento puxado pelo consumo. Contudo, consideram que nos anos seguintes predominou tal modelo de crescimento.
Suas conclusões são instigantes: (a) as taxas de crescimento são menores quando puxadas pelo consumo em comparação aos modelos cujo crescimento depende de outras variáveis e (b) que o crescimento puxado pelo consumo não é sustentável quando é baseado no endividamento das famílias. Isso ocorreria porque as famílias teriam no futuro que usar seus rendimentos para pagar suas dívidas e deixarão de consumir o que reduzirá a taxa de crescimento da economia. 
Em relação a caracterização de uma economia com modelo em que o consumo puxa o crescimento, o critério adotado por Kharroubi & Kohlscheen (2017) somente indicaria, nos governos Lula, o ano de 2005 como um ano onde o consumo das famílias impulsionou o crescimento. A partir desse ano, sua caracterização não explicaria o caso brasileiro porque não somente o consumo cresceu mais do que o PIB no período em análise. O investimento também cresceu mais do que o PIB e mais que o consumo, tal como será visto a seguir. 
A caracterização dos autores quando aplicada ao Brasil corrobora as conclusões do artigo, já que o ano de 2005 revelou-se o motor de partida de um modelo que se consolidou nos anos seguintes em que consumo e investimento cresceram conjuntamente e, ambos, cresceram mais que o produto da economia. No período 2007-2010, tal modelo se consolidou.
Sobre o endividamento das famílias brasileiras também serão apresentadas algumas considerações à frente. O endividamento dito excessivo é uma questão relacionada à sustentabilidade (ou esgotamento) de uma fase, tal como indicam Kharroubi & Kohlscheen (2017). O esgotamento ou sustentabilidade não é o foco desse artigo. Contudo, será mostrado que a parcela dos rendimentos das famílias comprometida com o pagamento de dívidas cresceu muito pouco durante os governos do presidente Lula. E, embora o grau de endividamento das famílias tenha crescido, ainda é baixo quando comparado com países selecionados.
Demonização do consumo causa desemprego
O rótulo “a era do consumo” tem também como objetivo denegrir o ato de consumir. Há motivo para a insistência no rótulo. O motivo é a mais plena ignorância daqueles que querem ver o investimento, mas desdenham o consumo. Contudo, não há lógica econômica que possa explicar o investimento que não é precedido pela expectativa de consumo – que é formada em grande medida com base no consumo corrente. Além disso, o consumo está interligado com as demais variáveis econômicas. O consumo não ocorre de forma isolada.
O consumo de cada indivíduo se relaciona diretamente com resultados agregados. Portanto, nunca o consumo individualizado, que ao mesmo tempo foi o ato de milhões no caso brasileiro, deveria ser condenado. Vale a explicação de Keynes no prefácio de sua Teoria Geral à edição francesa em 1939: “... a demanda resultante do consumo e do investimento de um indivíduo é a fonte da renda de outros indivíduos, de tal forma que as rendas em geral não são independentes, pelo contrário...” (Keynes, 1973, p.xxxiii). Keynes enfatizou que o gasto de consumo, de um lado, representa lucros, salários, impostos, aluguéis e juros, de outro. Portanto, sem consumo as outras rendas estariam comprometidas.
Ainda no mesmo prefácio, Keynes destacou que o emprego depende do que os agentes esperam em relação ao consumo presente e futuro, já que o ato de consumir vem necessariamente após a decisão e a realização da produção. Nas palavras de Keynes:
... o nível real de produção e o emprego não dependem da capacidade de produzir ou do nível das rendas preexistentes, mas das decisões correntes de produzir, que dependem por seu turno das decisões correntes de investir e das expectativas presentes do consumo corrente e futuro. (1973, p.xxxiii – grifos nossos) 
A abstenção ao consumo ou seu adiamento, como muitos avaliam que deveria ter ocorrido durante os governos Lula, não necessariamente implicaria mais gastos no futuro de tal forma que o futuro compense a redução do emprego e da renda correntes. Existem inúmeras possibilidades de como o potencial consumidor poderá, no futuro, utilizar os seus recursos poupados. A única coisa que é certa é a redução da demanda, da renda e do emprego correntes. Nas palavras de Keynes:
Um ato de poupança individual significa — por assim dizer — uma decisão de não ter jantar hoje. Mas isso não obriga uma decisão de jantar ou de comprar um par de botas em uma semana ou em um ano ou de consumir uma coisa particular numa data especifica. Assim, isso deprime as atividades relativas à preparação do jantar de hoje sem estimular atividades de preparação de algum ato futuro de consumo. Não é uma substituição de demanda de consumo presente por uma demanda de consumo futuro - mas uma diminuição líquida de tal demanda. (Keynes, 1973, p.210)
Estimular, portanto, o ato de poupar de forma generalizada pode levar a uma redução do emprego e da renda correntes sem que no futuro tenhamos mais consumo ou uma decisão adicional de investimento para compensar o passado perdido. Logo, demonizar o consumo significaria desestimular o conjunto da atividade econômica.
Do consumo ao investimento
“O tempo é um dispositivo que impede que tudo ocorra de uma vez.” (Davidson, 1994, p.88) Esta frase do economista pós-keynesiano é absolutamente óbvia e brilhante. Grande parte da vida econômica ocorre de forma sequencial, ou seja, uma coisa após a outra – e, em grande medida, ocorrem sequencias que são bem conhecidas - embora seja de díficil previsão o tempo e a intensidade de cada fase. A marca da Teoria Geral de Keynes é a apresentação de um modelo de causação marshalliana e a recusa da ocorrência de simultaneidade do modelo de equilíbrio geral walrasiano. 
No início do seu primeiro governo, o presidente Lula, em conjunto com as centrais sindicais, tomou duas decisões: valorizar o salário mínimo e estruturar o crédito à pessoa física estabelecendo garantias aos bancos - modalidade que ficou conhecida como crédito consignado. Ambas as decisões produziram, em sequência, resultados extraordinários. Uma regra de valorização real para o salário mínimo foi acordada em 2007, enviada ao Congresso em 2009 e aprovada em 2011. Mas, antes do acordo com as centrais sindicais, o salário mínimo já tinha tido aumento real vigoroso desde 2005.  A proposta de crédito consignado foi regulamentada através de Medida Provisória em setembro de 2003.
Além dessas duas medidas, que podem ser chamadas de abre-alas dos governos Lula, existiram outras iniciativas que contribuíram para auxiliar e potencializar os resultados que estariam por vir. A instituição do programa Bolsa-Família e a bancarização da população de baixa renda foram importantes. Por exemplo, a Caixa Econômica Federal lançou um programa que permitia a abertura de contas correntes sem a obrigação de comprovação de endereço ou renda. De 2003 a 2010, a Caixa “... permitiu o acesso ao mercado bancário de aproximadamente 11 milhões de brasileiros por meio da Conta CAIXA Fácil” (Caixa, 2010). O Programa Bolsa-Família, um programa de transferência de renda para as famílias em condição de pobreza e de extrema pobreza, foi instituído em 2003/4. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, no ano de 2003, havia 3,6 milhões de famílias no Programa cujo valor total dos benefícios era de R$3,2 bilhões. Em 2010, alcançou 12,9 milhões de famílias que receberam R$14,4 bilhões.
Todas essas medidas favoreceram o consumo de forma disseminada regionalmente e em diferentes estratos de renda, particularmente nas camadas de renda mais baixa. Especialmente o salário mínimo é piso para o valor dos benfícios pagos pela Previdência Social e é piso e referência para as negociações de quem ganha baixos salários no mercado formal de trabalho. Além disso, é referência para as camadas que recebem baixa remuneração em suas negociações no mercado informal de trabalho. Enfim, houve uma avalanche de recursos que entrou na economia pelo mercado de trabalho, através de benefícios sociais e, também, pelo mercado de crédito.  
É importante ressaltar alguns fatores que determinam o comportamento das famílas relativo ao consumo que não foram abordados, por exemplo por Keynes, mas que fazem parte do arcabouço pós-keynesiano. Quando Keynes tratou da problemática do consumo ainda não existia o crédito bancário de forma disseminada para este fim. Uma síntese pós-keynesiana sobre o comportamento das famílias foi bem pontuada por Phillip Arestis:
O comportamento das famílias ... é determinado por alguns fatores. Incluem não só a propaganda e outras formas de condicionamentos sociais, mas o crescimento dos níveis de renda dentro de cada classe social, assim como o crédito que as famílias podem obter. (...) É assumido que as famílias tem uma ordem de prioridades em termos de mercadorias que elas podem comprar quando suas rendas crescem. Essa ordem de prioridades reflete, ambos, as necessidades materiais objetivas e o tipo de condicionamento social que elas estão sujeitas. (Arestis, 1992,p.125)
À época dos governos Lula,  pouco era esperado do aumento do salário mínimo e da elevação oferta de crédito à pessoa física em termos de resultados mais duradouros sobre o desemprego e o investimento privado, já que a sequência sugerida, por exemplo por Keynes, tem início com o investimento público – e não com o consumo. Em processo sequencial bastante conhecido, Keynes receitou que para que houvesse redução do desemprego e aumento dos investimentos, seria necessário dar a partida com o investimento público. 
A sequência proposta por Keynes era a seguinte: após o investimento público viria uma rodada de aumento do emprego, do consumo e, posteriormente, do investimento privado (nessa ordem). Em seguida, obtem-se menos desemprego, mais consumo e mais investimentos privados. Após algumas rodadas (de operação do mecanismo do multiplicador amplamente divulgado por Keynes a partir de 1936 em sua magnum opus), o objetivo final seria alcançado. Contudo, Keynes reconhecia que poderiam ocorrer situações onde a partida poderia não ser dada pelos investimentos. Essa situação é descrita no capítulo 22 de sua Teoria Geral quando se dedicou a tratar das variações da eficiência marginal do capital e os movimentos do ciclo econômico.
De forma intuitiva, o presidente Lula adotou tal recomendação de política econômica sugerida por Keynes em condições de dificuldades de dar a partida a partir do investimento - já que havia algum nível de restrição aos gastos públicos imposto pelo Ministério da Fazenda, empresásrios agiam como financistas especuladores (estavam semi-paralisados e desacostumados a tomar decisões de investir) e, além disso, a taxa de juros Selic era muito alta. Vejamos a sequência sugerida por Keynes nessas condições específicas: 
Nas condições (...) em que o volume de investimento não é planejado nem controlado, sujeito aos caprichos da eficiência marginal do capital, que é determinada pelo julgamento privado de indivíduos ignorantes ou especuladores, e sujeito à influência de uma taxa de juros de longo termo, que raramente ou nunca fica abaixo de um nível convencional (...). Para tais condições, não há outro meio capaz de elevar o volume médio de emprego a um nível mais favorável. Se é materialmente impraticável aumentar o investimento, obviamente não existe nenhum meio de assegurar um nível mais alto de emprego exceto aumentando o consumo. (Keynes, 1973, pp.324-5, grifos nossos)
As medidas adotadas pelo presidente Lula de aumento real do salário mínimo e de ampliação do crédito através da modalidade chamada de consignado provocaram o aumento do consumo. O salário mínimo teve extraordinário crescimento real, subindo ano após ano acima da inflação (tal como mostrado no gráfico 1). Segundo dados do Banco Central, o crédito livre à pessoa física cresceu de 7,3% do PIB em dezembro de 2004 para 14,9% no mesmo mês de 2010 (como é evidenciado no gráfico 2). A partir de séries disponibilizadas pelo Banco Central, pode-se inferir que aproximadamente 65% do crédito livre era crédito consignado. O resultado foi que o consumo começou a aumentar e o desemprego começou a cair - a taxa de desemprego entre dezembro de 2003 e dezembro de 2010 foi reduzida em mais de 50% (com trajetória indicada no gráfico 3). 
A redução do desemprego associado ao aumento real do salário mínimo deu impulso para uma elevação disseminada dos outros rendimentos do trabalho. Segundo a Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, no ano de 2010, tinha havido um aumento real de 19% em relação a 2003 do rendimento médio habitual dos trabalhadores. E a massa de rendimento médio habitual dos ocupados aumentou em termos reais 41,1% entre 2003 e 2010. Esse aumento generalizado dos rendimentos do trabalho, individuais e da massa, reforçou o processo em curso de estímulo ao consumo. Entre janeiro de 2003 e dezembro de 2010, o volume de vendas do comércio varejista ampliado, composto pelo varejo mais as vendas de veículos, motos, partes e peças e material de construção, cresceu 94,3% (Pesquisa Mensal do Comércio/IBGE).
Pode ser observado no gráfico 4 que as medidas adotadas pelo presidente Lula nos primeiros anos do seu governo, dada a defasagem temporal estabelecida em um processo sequencial, começaram a apresentar resultados contundentes sobre o investimento a partir de 2006-7. Cabe destacar, no entanto, que apesar das dificuldades herdadas de períodos anteriores, o investimento apresentou trajetória de reação, embora muito tênue, desde 2003. Por outro lado, o consumo das famílias cresceu em trajetória basicamente linear de 2003 a 2010 como resultado do aumento real dos salários, da ampliação do volume de crédito e da redução do desemprego, que por sua vez, ampliou ainda mais o consumo e a demanda por mais crédito. A operação do multiplicador Keynes-Kahn se repetia. 
O gráfico 4 mostra que a partir de 2006-7, surgiu uma trajetória bastante acentuada de aumento do investimento – tal como esperado. Afinal, empresários somente investem quando esperam vender. Então, somente investiram quando suas expectativas de que o processo que foi iniciado em 2004-5 se reproduziria também no futuro. Assim, o investimento adotou trajetória extraordinária a partir de 2006-7 e diminuiu somente por dois trimestres consecutivos na passagem de 2008 para 2009 quando a economia brasileira sofreu os efeitos da crise financeira americana. Mas logo em seguida, ainda em 2009, retomou o crescimento rumo à trajetória anterior. A trajetória de 2010 é a busca da continuidade do movimento que estava em curso desde 2006-7.
Segundo os dados do IBGE, expostos no gráfico 4, enquanto o consumo cresceu 48,2% durante os governos Lula, o investimento cresceu 74,3%. Havia uma demanda reprimida tanto de consumo quanto de investimentos. Afinal, entre o primeiro trimestre de 1996 e o primeiro trimestre de 2004, o consumo das famílias, medido pelo IBGE, teve um crescimento modesto. Cresceu apenas 15% nesses oito anos. Sendo assim, modestíssimos investimentos (9% de crescimento ao longo de todo período) e a mera ocupação de capacidade ociosa atenderam aquele fraco aumento do consumo. Já no período seguinte que vai até 2010, tivemos crescimento considerável do consumo. Portanto, para esse período, investimentos mais vigorosos foram necessários e foram realizados – tal como mostrado no gráfico 4.
Como visto, a política de estímulo ao consumo dos governos Lula alcançou o investimento privado por vias plenamente explicáveis a partir do diagnóstico e receituário de Keynes. Além de Keynes, há ainda uma abordagem pós-keynesiana que trata o consumo como peça principal que merece ser analisada. Hyman Minsky propôs uma alternativa para reformar estruturalmente o capitalismo chamada de estratégia do alto consumo (high-consumption estrategy). Tal estratégia objetiva “...reduzir a dependência do sistema ao investimento privado – ... [mas, para tanto seria necessário] mudar a distribuição de renda assim como a propensão privada média a consumir, e acompanha-las com consumo e investimento públicos” (Minsky, 1975, p.167). Minsky era um crítico da estratégia que chamava de alto investimento que, por sua vez, é associada à política de altos lucros, e que tinha como engrenagens empresas e instituições financeiras gigantes. Tal institucionalidade gesta na estabilidade uma instabilidade financeira sistêmica, além de concentração de riqueza. Em outras palavras, essa estratégia revela a volatilidade do investimento e que, portanto, tal variável não pode garantir o pleno emprego de forma contínua. (Minsky, 1975, pp.167-168)
A alternativa do estímulo ao consumo de Minsky é outro arcabouço teórico que pode oferecer uma interpretação da economia nos governos Lula. Minsky era um radical defensor da melhoria da distribuição da renda para que o consumo fosse estimulado e sustentado. Sugeria que uma “... taxação sobre a renda e a riqueza... [deveria ser] desenhada para reduzir a desigualdade”, que “...a renda dos trabalhadores e dos pobres melhor[asse]...” e que a “...renda do pobre ... [deve ser] aumentada e sustentada diretamente...” (Minsky, 1975, pp.167-168). Minsky avaliava que o consumo era uma variável mais estável que o investimento. E mais: que uma estratégia alternativa deveria ter como objetivos o pleno emprego e alto consumo.
Especialmente a crise 2008-9 no Brasil pode ser observada sob a ótica da estratégia do alto consumo de Minsky. É muito conhecida a interpretação minskyana sobre a crise financeira americana a partir da hipótese da instabilidade financeira. A crise de 2008-9 corroborou a hipótese de Minsky, mas mais do que isso deve ser observado. No caso brasileiro, comprovou a correção da estratégia alternativa do alto consumo: mostrou a volatilidade do investimento e a estabilidade do consumo das famílias. O ano de 2009 foi para o Brasil um ano de recessão muito branda e de forte contenção do desemprego. Embora o desemprego tenha aumentado durante o ano de 2009, em dezembro desse ano já estava no mesmo nível de dezembro de 2008 (6,8%, segundo a PME/IBGE).
Endividamento das famílias e a desaceleração de 2011 
No período de 2005 a 2010, a oferta de crédito à pessoa física por parte do sistema financeiro correspondeu em algum grau a uma mudança no padrão de endividamento das famílias. Esse endividamento pode ser analisado a partir de duas variáveis: a proporção da renda comprometida com o pagamento de dívidas contraídas e o grau de endividamento, que é o total das dívidas contraídas como proporção da renda das famílias devedoras.
No período, houve aumento da parcela comprometida da renda das famílias com o pagamento de dívidas, mas principalmente houve aumento do grau de endividamento. Contudo, tal parcela de comprometimento não aumentou de forma tão significativa, era 15,8% em março de 2005 e foi para 19,5% em dezembro de 2010 (aumento menor que 4 pontos percentuais). Já o grau de endividamento aumentou de forma vigorosa, dobrando de valor no mesmo período, saiu de um pouco menos de 20% para quase 40% em relação à renda acumulada em 12 meses, tal como mostrado no gráfico 5. 
Embora a parcela comprometida com o pagamento de dívidas tenha aumentado pouco, o seu nível (entre 15 e 20% durante os governos Lula) é considerado alto em termos internacionais. Por exemplo, em 2016, segundo o Financial Soundness Indicators (FMI), o comprometimento da renda familiar com o pagamento de dívidas era 10,7% na França, 3,6% na Suécia, 10% nos Estados Unidos, 10,3% na Itália, 11,8% na Áustria, 1,3% em Portugal e 8,6% na Austrália. Nesse ano, o Brasil atingiu 21,5%. Entre os países informantes, que não são muitos, o Brasil tinha a taxa mais alta entre todos. Somente a Rússia e a Espanha apresentaram números também elevados, 18,5% e 15,9%, respectivamente. 
Durante todo o período analisado, o comprometimento de parcela elevada da renda familiar para o pagamento de dívidas sempre existiu, sempre foi bem mais alto do que é a média internacional. Essa parece ser uma característica da economia brasileira que é decorrente em grande medida dos elevados juros cobrados das famílias, tal como pode ser visualizado no gráfico 6: em média, um pouco mais que 1/3 da parte da renda comprometida com o pagamento de dívida é devido à carga de juros embutida nas parcelas.
Por outro lado, segundo o Financial Soundness Indicators (FMI), o grau de endividamento que aumentou no Brasil de forma acentuada no período 2005-2010 é ainda baixo quando comparado com o nível de outros países. Enquanto, em 2016, as famílias brasileiras tinham um grau de endividamento que era 19,8% do PIB, esse número era 43,5% na África do Sul, 55,8% na Itália, 80,1% nos Estados Unidos, 83% em Portugal, 85,6% na Suécia, 55,2% na Áustria, 120,7% na Dinamarca, 105,3% na Austrália e 69,1% na Espanha. Portanto, pela ótica da mera comparação internacional o que ocorreu no período 2005-2010 com o grau de endividamento das famílias foi pouco significativo; cresceu sim, mas continuou ainda muito baixo para os padrões internacionais. 
Em 2010, último ano de governo Lula, a economia cresceu 7,5%, mas em 2011 caiu para uma taxa de crescimento de 4%. Portanto, vale analisar se tal queda ocorreu em função do processo sugerido por Kharroubi & Kohlscheen (2017): uma elevação do grau de endividamento (presente) provocaria um aumento da parcela dos rendimentos comprometida com o pagamento de dívidas (no futuro) o que reduziria o consumo – e, em consequência, derrubaria a taxa de crescimento. 
Não há indicações que tenha havido essa combinação sugerida por Kharroubi & Kohlscheen (2017) do grau de endividamento com o nível de comprometimento do rendimento das famílias para pagar dívidas. No gráfico 5, é mostrado que a parcela de rendimentos comprometida deu um salto abrupto durante o ano de 2011, saindo do patamar de aproximadamente 19,5% para o patamar de 22,5%. No mesmo gráfico, é observado que o grau de endividamento das famílias cresceu de forma contínua de 2005 até meados de 2013, quando começou a crescer menos, mas continuou crescendo até meados de 2015. Portanto, a mudança de patamar da parcela comprometida dos rendimentos não foi uma resposta das famílias com o objetivo de reduzir o grau de endividamento. Contudo, existiu um aumento da parcela comprometida dos rendimentos que deve ser analisada. 
No caso do Brasil, a influência do comportamento das famílias endividadas sobre a variação do volume de consumo parece não aderir à possibilidade apontada por Kharroubi & Kohlscheen (2017), pelo menos para o período sob análise. O motivo dessa falta de aderência pode ser que não houve um super endividamento das famílias tal como indicado pelas comparações internacionais. Outra possibilidade é que as famílias brasileiras dão pouca importância ao grau de endividamento e concentram as suas preocupações na capacidade de honrar os pagamentos com a parcela comprometida. O que parece evidente é que, durante o ano de 2011, a parte comprometida da renda para o pagamento de dívidas aumentou devido à elevação da carga de juros embutida nas parcelas, tal como pode ser visto no gráfico 6. Pode ser observado no mesmo gráfico também que existe forte correlação entre essas duas variáveis.
O consumo cresceu 5% em 2011 (como está indicado na tabela 1). Cresceu, contudo, menos que em 2010, quando atingiu a taxa de 6,2%. Portanto, é possível afirmar que o aumento da parcela comprometida com os rendimentos pode ter tido alguma influência sobre a redução da taxa de crescimento do consumo. Cabe destacar que, durante o ano de 2011, outra variável que teve queda na sua taxa de crescimento foi o investimento, que caiu de 17,9% para 6,8% (como indicado na tabela 1).
Observando o gráfico 5, pode-se perceber que o grau de endividamento das famílias tem algum grau de correlação com o ciclo econômico. A desaceleração da taxa de crescimento do produto e posterior recessão são acompanhadas pela redução da taxa de crescimento do grau do endividamento e, posteriormente, pela sua redução. Portanto, no período analisado, a elevação do patamar do nível de comprometimento da renda com o pagamento de dívidas não ocorreu devido ao excesso de endividamento, mas sim devido à elevação da carga de juros embutida nas parcelas, que por sua vez, está relacionada com a taxa de juros básica da economia. De janeiro a agosto de 2011, o Banco Central elevou a taxa de juros básica da economia de 10,75% para 12,5% ao ano.  
A desaceleração de 2011 não teve como causa o processo endógeno sugerido por Kharroubi & Kohlscheen (2017). Mas é possível que a elevação da parcela comprometida da renda das famílias tenha reduzido o ímpeto de crescimento do consumo. Tal parcela comprometida aumentou em decorrência da carga de juros embutida nos compromissos de pagamento de dívidas. Os juros cobrados nos empréstimos bancários às famílias dependem do nível da taxa de juros básica da economia cuja definição ocorre de forma exógena à economia – e foi elevada pelo Banco Central em 2011. Outras variáveis exógenas podem ter contribuído para a desaceleração daquele ano: houve redução significativa do investimento do governo federal, queda de 21%, e de suas estatais, diminuição de 9,7% (cálculos feitos com base em Orair, 2016). Houve ainda redução da taxa de crescimento do consumo do governo que caiu de 3,9%, em 2010, para 2,2%, em 2011. 
A era do consumo? 
No período de 2006 a 2010, o investimento passou a crescer anualmente entre duas e três vezes o crescimento do PIB, tal como é mostrado na tabela 1. Nesse período, o consumo anual cresceu a taxas significativas, mas nunca cresceu mais que o investimento. Fato notável ocorreu no ano de 2009, o ano da crise econômica internacional que teve início nos Estados Unidos. Naquele ano, a variável consumo das famílias desempenhou o papel de atenuar (ou quase impedir) a contração do produto. Em 2009, o consumo das famílias cresceu 4,5% enquanto houve contração do PIB de 0,1% e retração do investimento, tal é indicado na tabela 1. É nesse ano que o consumo deve ser ainda mais valorizado.
Tabela 1 – Taxa de crescimento real do produto, do investimento e do consumo das famílias – em variação % - período: 2003 a 2010

Cabe lembrar que, em 2008, na sua mensagem de final de ano, o presidente da República em rede nacional de comunicação de televisão e rádio apelou aos brasileiros para que realizassem os seus desejos de consumo. Nas suas palavras: “Se você está com dívidas, procure antes equilibrar seu orçamento. Mas se tem um dinheirinho no bolso ou recebeu o décimo terceiro, e está querendo comprar uma geladeira, um fogão ou trocar de carro, não frustre seu sonho, com medo do futuro”. E o presidente acrescentou explicando com palavras simples a operação do multiplicador Keynes-Kahn: “Se você não comprar, o comércio não vende. E se a loja não vender, não fará novas encomendas à fábrica. E aí a fábrica produzirá menos e, a médio prazo, o seu emprego poderá estar em risco”. 
Muitos são os indicadores que poderiam justificar a adoção de um rótulo como “a era do investimento”, que seria menos impreciso que “a era do consumo” especialmente para o período 2006-7 a 2010. O segundo governo do presidente Lula foi uma fase de arrancada rumo a um novo patamar de investimentos públicos e privados. Por exemplo, houve aumento extraordinário do volume de financiamentos concedidos pelo BNDES para projetos de infraestrutura, tal como mostrado no gráfico 7. Esse volume mais que dobrou entre 2006 e 2010. 
Além disso, segundo dados do BNDES, houve aumento significativo do número de aquisições de bens de capital financiados por essa instituição. Por exemplo, como mostra a tabela 2, entre 2007 e 2010, o número de caminhões adquiridos com financiamentos do BNDES aumentou mais que 200%, o de ônibus, mais que 60%, o de tratores, 90%, o de guindastes, mais que 240% e o de silos, 360%.
Tabela 2 – Número de unidades de bens de capital (BK) financiadas pelo BNDES por ano            período: 2007 a 2010

Depois que a partida foi dada pelo consumo, não foi só o investimento privado que entrou em rota de crescimento. O investimento público passou a desempenhar também um papel especial, de muito destaque no período 2007-2010. Elaborado durante o ano de 2006, mas lançado pelo presidente Lula somente no início de 2007, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foi um notável programa de investimentos públicos. Com o PAC, o governo retomou a iniciativa de promover a execução de grandes obras de infraestrutura social, urbana, logística e de energia no país. O Programa foi elaborado como um plano estratégico de resgate do planejamento por parte do governo central e de retomada dos investimentos públicos em setores estruturantes da economia e da sociedade. Fonte: BNDES
Além disso, o PAC teve importância para o país durante a crise financeira mundial entre 2008 e 2009, garantindo emprego e renda, auxiliando a continuidade do consumo de bens e serviços, mantendo ativa a economia e aliviando os efeitos da crise. No ano de 2009, a queda dos investimentos ocorreu no setor privado. Naquele ano, os investimentos das três esferas de governo cresceram 4,5% em termos reais, os investimentos do governo central aumentaram 35,6% e os investimentos das estatais federais, 29,6% (taxas calculadas com base em Orair, 2016).
No período 2007-2010, a taxa média anual de crescimento do investimento do governo central foi de 26% e das estatais federais de 23,5%, tal como destacado na tabela 3. Por exemplo, a partir de 2005-6, a Petrobras iniciou um processo ainda tímido de aumento dos seus investimentos. Mas quando chegou em 2007, acelerou-os de forma aguda, saindo de US$ 25,4 bilhões para US$ 45,1 bilhões em 2010, tal como mostrado no gráfico 8.
Os números do investimento do governo central e das estatais federais durante o segundo governo Lula são admiráveis quando comparados com os governos de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso (FHC), e de sua sucessora, Dilma Rousseff. Os números do segundo governo Lula são bem superiores aos demais. Quanto ao investimento das estatais, o melhor número dos outros governantes, conforme a tabela 3, foi a taxa média anual de crescimento de 3,66% do primeiro governo FHC – uma taxa seis vezes menor que aquela do segundo governo Lula. Quanto ao investimento do governo central, o segundo melhor número é do próprio governo Lula em seu primeiro mandato, que foi de 9,91%.
Tabela 3 - Taxas de crescimento real dos investimentos do Governo Central e das Estatais Federais – em variação % -  período: 1995 a 2015

Ficou evidente a atuação dirigida do governo Lula em prol do investimento público o que auxiliou a impulsionar, juntamente com o consumo, o investimento privado. Foi esse conjunto de variáveis em crescimento que proporcionou uma redução drástica do desemprego. A proeminência do investimento público dentro desse conjunto é mais um elemento que faria jus a uma possível caracterização da administração Lula, especialmente o seu segundo governo, como “a era dos investimentos”. Mais um importante indicador: segundo o IBGE, em 2003, a proporção dos investimentos em relação ao PIB era de 16,6%, em 2006, de 17,2%, quando arrancou para 20,5%, em 2010.Fonte: elaborado pelo autor com base nos dados de Orair (2016)
Esse movimento que partiu do estímulo ao consumo e chegou à realização do investimento e que, posteriormente, se tornou um movimento de estímulo a ambas as variáveis marcou a política econômica da administração Lula no seu segundo mandato. É exatamente esse movimento de política econômica que Keynes valorizou porque considerava que tal mix deveria coroar o processo, assim como deveria ser mantido para que o objetivo do pleno emprego pudesse ser alcançado. A simples recomendação de Keynes foi a seguinte: “existe espaço, portanto, para ambas as políticas operarem juntas; - promover o investimento e, ao mesmo tempo, promover o consumo...” (Keynes, 1973, p.325).
Breve comparação internacional
Foi feito um ranking das taxas anuais de crescimento do investimento e do consumo das famílias para países selecionados no período 1995 a 2015. Tal comparação pode ser considerada abrangente na medida em que envolveu 40 países em desenvolvimento e desenvolvidos de todos os continentes. 
O Brasil, como é mostrado no gráfico 9 que se refere à taxa de crescimento do consumo das famílias, assumiu sua melhor trajetória e boas posições a partir de 2005. Antes, o Brasil sempre esteve entre o 21º e 40º lugares (exceto no ano de 1995). Destaque deve ser dado a taxa de crescimento do ano de 2009 que foi a quarta mais alta entre os países selecionados. Foi essa taxa que impediu que o Brasil tivesse uma recessão aguda devido à crise financeira americana.
Como é mostrado no gráfico 10, que se refere à taxa de crescimento do investimento, o Brasil alcançou suas melhores posições exatamente no período de 2007 a 2010. Nessa fase, sempre esteve entre os dez países que tiveram as maiores taxas anuais de crescimento do investimento. Embora tenha ocorrido contração do investimento em 2009, tal contração foi bastante branda quando comparada com os demais países selecionados.
Ainda que sujeita a imprecisões, a comparação internacional aqui apresentada corrobora os resultados encontrados anteriormente que mostraram uma partida inicial dada pelo consumo que foi acompanhada, posteriormente, por uma arrancada notável do investimento. A partir de 2007, taxas de crescimento do consumo foram acompanhadas por taxas de crescimento extraordinárias do investimento. Observando os dois gráficos (9 e 10) conjuntamente, pode-se constatar que em 2005 e 2006 as taxas de crescimento do consumo das famílias já tinham alcançado posições de destaque no ranking internacional. Mas, só em seguida, em 2007, as taxas de crescimento do investimento atingiram posições mais elevadas. Em outras palavras, primeiro cresceu o consumo, depois, o investimento.
Considerações finais
Para a descoberta do conhecimento, rótulos podem ter efeito de retardamento. Muitos podem ficar aprisionados a rótulos. E, a partir daí se sentiriam saciados e não ingressariam na aventura de um processo de pesquisa. Muito melhor que rótulos são as análises, os estudos e as pesquisas. Rótulos são recursos que estão no âmbito da agitação e da propaganda. Rótulos, por definição, estão distantes dos estudos investigativos.
O rótulo “ a era do consumo” dos governos Lula – apresentado com o falso subtítulo do excesso de endividamento das famílias – é inadequado. Mais do que qualquer rótulo, vale a revelação das minúcias do processo econômico e social. Foi mostrado que foi adotado no Brasil uma prescrição keynesiana pouco conhecida. Uma dinâmica que partiu do estímulo ao consumo daqueles que possuem baixa renda, mas que chegou ao investimento e reduziu o desemprego de forma drástica. Consolidou-se um modelo de estimulo ao consumo, elevação com taxas vigorosas do investimento público e crescimento do investimento privado.
Muito mais do que interpretações ligeiras, vale a análise do padrão de endividamento das famílias. Foi visto que o grau de endividamento cresceu dobrando de volume. Contudo, tal quantidade ainda é muito baixa em relação à média internacional. Por outro lado, há uma elevada parcela dos rendimentos comprometida com o pagamento de dívidas, diferente do padrão internacional que é bem mais baixo. Isso ocorre no Brasil porque existe um grande peso do pagamento de juros dentro da parcela de rendimentos reservada ao pagamento de dívidas.
A elevação dos juros durante o ano de 2011 fez aumentar a parcela comprometida dos rendimentos das famílias para o pagamento de dívidas. Esse aumento, provavelmente, fez reduzir a taxa de crescimento do consumo em 2011 que foi consideravelmente menor que a taxa de 2010. A desaceleração da taxa de crescimento do produto em 2011 pode ter ocorrido em função da queda da taxa de consumo e também da queda do investimento público. Portanto, não foi o excesso de endividamento que fez com quem as famílias reduzissem a taxa de crescimento do consumo, mas sim, e provavelmente, a elevação da taxa de juros básica da economia que elevou todas as demais taxas de juros de empréstimos bancários.
Definitivamente, os anos 2007-2010 conformaram um período muito rico para a análise econômica. Tal período não pode ser rotulado de  “a era do consumo” e do excessivo endividamento das famílias. Menos impreciso, embora longe do ideal, é o rótulo “a era dos investimentos”. Afinal, como dizia Keynes, é melhor estar aproximadamente certo do que precisamente errado.
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