O jornalista João Paulo Cunha afirma que "em poucas semanas a candidatura de Lula ganhou uma impensável força, mesmo com os ataques desferidos sem trégua"; ele entende que "não há dúvida de que o eleitor brasileiro, em sua maioria, quer Lula na eleição" e que "as pesquisas flagraram um momento de inédita união virtuosa em torno do candidato: a crítica ao golpe, a condenação das medidas antipopulares do atual governo e a recuperação da memória histórica das conquistas populares"
28 DE AGOSTO DE 2018
Em poucas semanas a candidatura de Lula ganhou uma impensável força, mesmo com os ataques desferidos sem trégua. Além do incansável esforço para impedir o debate sobre a injustiça de seu julgamento, conforme avaliação de especialistas em todo o mundo. A primeira constatação foi a ampliação da margem de preferência popular em todas as pesquisas, mesmo com o candidato preso e sem autorização para falar à nação. Não há dúvida de que o eleitor brasileiro, em sua maioria, quer Lula na eleição.
As pesquisas flagraram um momento de inédita união virtuosa em torno do candidato: a crítica ao golpe, a condenação das medidas antipopulares do atual governo e a recuperação da memória histórica das conquistas populares. Não é um acaso que outras candidaturas não floresçam no campo conservador e a ameaça da barbárie se estabeleça como possibilidade que amedronta até mesmo o mais reacionário dos liberais esclarecidos.
A pauta destrutiva, bancada a princípio pela hipertrofia do moralismo e pela confiança desmedida na manipulação midiática, se esqueceu de que contra evidências do fracasso não há neoliberalismo que se sustente. A candidatura do PT é um símbolo de retomada de trajetória política, social e econômica interrompida, que agora ganha outra dimensão. A autocrítica levará o governo eleito a entender que a recuperação da força da base política popular é inadiável. Nessa eleição – e, sobretudo, depois – não cabe carta ao povo brasileiro, mas olho no olho.
A segunda situação que conflui para a campanha petista foi a decisão do Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, em defesa da candidatura de Lula e acesso adequado aos meios de comunicação e aos integrantes de seu partido. O grupo é formado por especialistas independentes, sem participação de brasileiros. A decisão está relacionada ao Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Políticos e Civis e suas decisões são mandatórias. Mesmo que muitos tenham se empenhado em atacar o comitê por razões extrajurídicas.
É preciso esclarecer alguns pontos. Em primeiro lugar, o Brasil assinou o protocolo voluntariamente e ratificou sua decisão seguindo todos os trâmites legais e políticos. Uma escolha em fazer parte do grupo dos países civilizados. Em seguida, trata-se de decisão que não defende o candidato em si, mas a possibilidade de concorrência em igualdade de condições, até que sejam julgadas devidamente todas as possibilidades de recurso.
Por fim, no campo dos direitos humanos (e também políticos), as decisões internacionais são a única garantia de universalidade possível num tempo travado por interesses de momento e divisões. Os países que descumprem as medidas do comitê não perdem apenas oportunidades de negócios, como nos tratados comerciais, mas o conceito de nação civilizada, o que é muito mais grave. A garantia da candidatura de Lula, a partir da decisão proferida pelo comitê, coloca o Judiciário brasileiro em teste: populismo midiático ou responsabilidade jurídica?
O terceiro fator que reforça a campanha de Lula é a manifestação do papa Francisco, feita em reunião com o chanceler Celso Amorim, na presença de dois ex-ministros do continente, o argentino Alberto Fernández e o chileno Carlos Omimami. Veio do papa não apenas a solidariedade ao preso político. Em homilia recente, Francisco fez a mais sucinta e exata descrição dos processos de deslegitimação das conquistas populares no continente, com a consequente derrubada dos governos eleitos democraticamente: o ataque pela mídia como fundamento simbólico na construção de um caldo de cultura autoritário e antipolítico; o conluio judiciário como arremedo de legitimidade; e o golpe. Sem misericórdia.
O mais incrível tem sido a capacidade da mídia comercial em fechar os olhos à realidade.
Com relação ao lugar nas pesquisas, os veículos de imprensa têm adotado a tática de fugir aos fatos colocando no lugar o que gostariam de ver. Apenas dois exemplos, entre dezenas. O Jornal Nacional anunciou a cobertura das agendas dos “principais” candidatos, deixando claro que Lula estaria fora por se encontrar preso. Assim, o noticiário não apenas cassa a candidatura antes da Justiça eleitoral, como deixa de fora as informações sobre a campanha, de interesse de grande parte do eleitorado. A conclusão é óbvia: não se trata de informar para a cidadania, mas de censurar para a plutocracia.
O jornal O Estado de S. Paulo, em manchete recente, estampou que Bolsonaro é líder das pesquisas. Assim, na lata, sem sequer esclarecer que se tratava de posição em enquete na qual Lula não está presente. A leitura é igualmente sórdida. Em primeiro lugar, a notícia se sobrepõe à realidade dos fatos para criar uma situação incontestável. Em seguida, serve de alerta para o eleitor que rejeita o candidato do PSL, para fortalecer alternativa conservadora mais palatável à elite. Por fim, consagra a manipulação como estratégia jornalística.
Em relação ao Comitê de Direitos Humanos da ONU, a imprensa se juntou ao aparelho judiciário para diminuir a força da manifestação, com um misto de descaso e cabotinismo. Em primeiro lugar, se esforçou para resumir a abrangência da medida, submetendo-a a primazia da legislação nacional e de seus fóruns de decisão. Para isso, usou de dois subterfúgios.
Em primeiro lugar, vazou juízos anônimos, justamente de magistrados que costumam falar pelos cotovelos quando lhes convêm. No caso, como afrontar um protocolo internacional de alta respeitabilidade não pegaria bem, entregaram o mais fraco dos togados supremos, Alexandre de Moraes, como boi de piranha de sua própria indigência em direito internacional. O mesmo foi feito em relação aos juristas críticos da medida, que relevaram a obrigatoriedade em favor de contingências ou de uma pretensa soberania em assuntos internos. Alguns deles, em franca contradição com outros momentos de suas trajetórias de hermeneutas atilados.
O segundo desvio reforçou a sempre pertinaz defesa do pensamento único. Não houve sequer o esforço de ponderar posições contra e a favor, ampliando o debate público. Pareceu mais sagaz fingir-se de morto, esquecendo-se que o mundo é maior que a imprensa brasileira. A conclusão ficou estampada num dilema que deixa o país em má situação no concerto das nações: ou o Brasil não foi responsável ao assinar o protocolo, ou não está sendo sério ao ameaçar descumpri-lo.
Com relação ao papa, a situação da mídia foi ainda mais pecaminosa. Começou com a tentativa, em junho, de descaracterizar a visita do advogado argentino Juan Grabois a Lula, no cárcere em Curitiba. Houve um açodamento em caracterizar como fake news, com direito a carimbos e chancelas de “falso” em tudo que envolvia o encontro: da representatividade do emissário, consultor e interlocutor próximo ao papa, ao terço entregue ao presidente.
Sobre a audiência com o chanceler Celso Amorim, observou-se o mesmo esforço em apequenar a preocupação do pontífice com a situação política brasileira, cujos riscos para a democracia ele conhece bem, como latino-americano e analista político fino. Inspirado no nome que escolheu para assumir como pastor de seus fiéis, o papa inverteu o ditado: a voz de Deus precisa ser a voz do povo.
Entre o povo, a ONU e o papa, a mídia brasileira preferiu fazer uma opção preferencial pela mentira, nas três vezes em que o galo cantou. Não é questão de ideologia, mas de caráter.
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