Haddad,
Ciro e Boulos estão politicamente encrencados. Como candidatos
presidenciais, projetaram liderança e poder no plano nacional e se
tornaram os políticos mais relevantes de suas respectivas agremiações.
Mas, nos próximos anos, poderão ver essa liderança e esse poder erodirem
aos poucos por não deterem as condições e os meios adequados para
alimentar e ampliar poder e liderança.
Liderança, poder e até
mesmo votos não são ativos estocáveis que de quando em quando se pode
retirá-los dos depósitos. Eles dependem de uma relação permanente dos
líderes para com os liderados firmando os vínculos de fidelidade mútua,
atualizando as pautas, as propostas e os programas e renovando as
esperanças. Somente líderes que já realizaram feitos extraordinários
podem correr o risco de ausentar-se temporariamente para depois
ressurgirem triunfantes.
Se o PT, o PDT e o PSol
fossem partidos sensatos, que projetassem o futuro em perspectiva,
olhando para o todo e para os desafios que o campo progressista tem pela
frente, convocariam congressos partidários, renovariam os seus
programas e suas direções, estabeleceriam metas de reorganização e
renovação e entregariam a presidência para Haddad, Ciro e Boulos. Se
estes últimos forem prudentes, corajosos e virtuosos devem construir
caminhos que os levem à presidência de seus partidos, tanto para ampliar
suas lideranças e introduzirem as inovações necessárias nas
organizações partidárias, quanto para exercer uma oposição qualificada e
dura ao governo Bolsonaro.
Não se trata apenas
disso, evidentemente. Um político que aspira ao poder do Estado não pode
negligenciar as questões centrais da liderança. Ou seja, ele precisa
constituir o máximo de força organizada possível sob seu comando. Isto
quer dizer que ele precisa tornar-se chefe, líder maior do seu partido
ou do seu movimento. Quem não alcança esta condição enfrentará eternas
dificuldades pelo caminho. A condição absoluta do êxito político de um
líder consiste em dispor de força organizada fiel, capaz de garantir-lhe
autonomia nas decisões políticas ou de Estado. No caso do Brasil, esta
exigência é duplamente necessária: 1) pelo caráter frágil e gelatinoso
dos partidos; 2) pela fragmentação partidária que dificulta a
constituição de centros de poder decisório nas mãos de um líder ou de um
partido.
Falando praticamente: se
Haddad, Ciro e Boulos não se tornarem chefes supremos de seus partidos,
com o apoio majoritário das forças internas, não terão autonomia
decisória e dependerão da vontade de outros. Quanto mais um líder
depender da vontade de terceiros, mais fraca será sua liderança.
Admitindo-se a hipótese de que os três possam resolver o problema da
liderança interna, terão que resolver o problema da liderança externa,
em dupla direção: a) agregando um conjunto de outras forças políticas e
sociais organizadas em torno de si e do partido; b) expandir liderança e
reputação na sociedade, ganhando a confiança e a fidelidade de amplos
setores sociais.
Para alcançar estas
condições, os líderes precisam dispor de poderosos meios de poder. No
caso, o principal meio de poder é o partido político. Mas devem
articular grupos, sindicatos, movimentos sociais etc. O exercício do
poder do líder deve contar com um estado-maior dirigente, competente e
eficaz, constituído pelas pessoas mais capazes de que o líder pode
dispor. Neste ponto, os políticos brasileiros, incluindo os partidos de
esquerda e progressistas, são extremamente negligentes: se cercam de
pessoas medíocres, burocratas e serviçais, que criam uma redoma em torno
do líder, gerando um poder travado, fechado em si mesmo. Poderes
fechados por burocratas tornam medíocres os próprios líderes,
banalizando a sua liderança, apequenando-a. Os partidos e os líderes
contemporâneos, na era da internet e das redes sociais, precisam
modernizar-se, abrir-se, tornar-se acessíveis às pessoas é à sociedade.
Haddad, Ciro e Boulos
precisam decidir se querem dar um passo em frente ou dois passos atrás.
Em tese, Haddad teria mais facilidade em tornar-se presidente do PT.
Para isto, teria que convencer-se e convencer o partido. As correntes
internas do PT teriam que ter a compreensão de que o partido só teria a
ganhar com a presidência de Haddad.
Já, Ciro Gomes, precisa
mudar de rumo em sua carreira política. Precisa parar de trocar de
partido, assumir o PDT como seu partido, presidi-lo, reorganizá-lo,
abri-lo à sociedade e aos jovens e às mulheres, enfim, modernizá-lo. Sob
o comando de Carlos Lupi, o PDT apresenta uma estrutura anacrônica,
enferrujada, bloqueadora das próprias potências e possibilidades
expressas pela campanha de Ciro.
Depois de lançar-se
candidato a presidente, Guilherme Boulos dará mais do que dois passos
atrás se voltar a ser líder do MTST e não líder e presidente do PSol. A
candidatura de Boulos só terá um sentido futuro se ele se construir
enquanto um líder político-partidário. Caso contrário, terá sido um
desperdício.
Os partidos progressistas
e de esquerda apresentam um momento de desorientação ante a vitória de
Bolsonaro. Não conseguem perceber que sua tarefa urgente é a de sua
reorganização, de sua renovação e de sua conexão com os setores que
podem garantir-lhe força organizada - as periferias, as mulheres, os
jovens, os negros, os trabalhadores, os pobres e os desempregados. A
rigor, as esquerdas perderam as periferias das grandes cidades do
centro-sul do Brasil.
Os progressistas e as
esquerdas precisam fazer um diagnóstico e uma caracterização corretos do
governo Bolsonaro. Não se trata de um governo fascista ou neofascista.
Se virá a ser isto ou aquilo é uma questão de futuro. Trata-se de um
governo de extrema-direita. Nem Bolsonaro e nem o PSL se autodefinem
como fascistas. Um governo fascista requer, além de um líder fascista,
um partido ou movimento fascista e uma ideologia coerente e claramente
fascista. Ademais, os movimentos e partidos fascistas tendem a
constituir, manter ou ampliar poder através do uso da violência
sistemática. São agrupamentos de enfrentamento. Abordar o governo
Bolsonaro nas periferias ou junto aos trabalhadores como um governo
fascista consistiria em falar para as pedras das calçadas, pois seria
algo incompreensível.
O governo Bolsonaro
precisa ser combatido no conteúdo concreto de suas propostas, de seu
programa e de suas medidas. Precisa ser enfrentado e contido sempre que
violar direitos e liberdades. Propor a formação de uma frente
antifascista é algo estéril. As bancadas progressistas e de esquerda
podem e devem formar uma frente democrática no Congresso para defender
as liberdades, os direitos e um programa condizente com aquilo que as
candidaturas defenderam na campanha. A mesma frente democrática pode e
deve ter uma expressão social, nos movimentos, nos sindicatos, nas
ruas.
Chega a ser infantil,
para não dizer imbecil, querer fazer um terceiro turno das eleições com
uma frente antifascista. A frente antifascista tem cheiro de "não
passarão", "fora Temer", "nenhum direito a menos", "Lula livre",
palavras de ordem pretensamente combativas, que escondiam a incapacidade
de ir para as ruas, e se que traduziram em dolorosas derrotas. O
enfrentamento precisa ser feito, sem dúvida. Mas é preciso reorganizar e
renovar, preparar força para as eleições municipais de 2020.
As esquerdas e os
progressistas têm uma presença débil nas prefeituras e nas câmaras
municipais. Ou se reorganizam e se preparam ou colherão novas derrotas.
As eleições municipais serão o momento de testar uma maior unidade
progressista, pois uma frente eleitoral progressista e de esquerda ou
surgirá das bases ou não surgirá, pois as direções partidárias se
orientam pela lógica particularista de seus interesses.
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