Colégio particular do Rio vetou obra após pais reclamarem de doutrinação comunista.
“Papel do professor é mostrar caminhos aos alunos, sem fazer julgamentos. Não cabe aos pais determinar o que deve ser lido. Fatos e história são incontestáveis”, afirma Luiz PuntelLuiz Puntel (Guaxupé, 1949) escreveu seis livros para a Série Vagalume, célebre coleção da literatura brasileira voltada para o público infantojuvenil. Um deles é Meninos Sem Pátria, inspirado na história do jornalista José Maria Rabelo, que, perseguido pela ditadura militar, foi obrigado a se exilar do país com esposa e sete filhos por 16 anos. A obra está em sua 23ª edição e é uma das mais populares da série, com quase 1 milhão de exemplares vendidos – a maioria deles para uso didático em escolas. Nesta semana, um grupo de pais se revoltou com a indicação do livro para alunos do sexto ano do colégio carioca Santo Agostinho, no Leblon, por suposta “doutrinação comunista”. Depois da queixa, a direção decidiu suspender a leitura. Nesta sexta-feira, outro grupo de pais e estudantes protestou em frente ao colégio e fez um abaixo-assinado contra a censura.
Mais de três décadas após o lançamento, Puntel rechaça a
hipótese conspiratória
atribuída a sua obra,
explicando que a trama
não faz juízo de valor sobre posicionamentos ideológicos
ao constatar que o Brasil
experimentou a ditadura
militar. “É um fato histórico”,
afirma o autor, que hoje
dá aulas de português,
redação e oratória em
Ribeirão Preto, interior de
São Paulo.
hipótese conspiratória
atribuída a sua obra,
explicando que a trama
não faz juízo de valor sobre posicionamentos ideológicos
ao constatar que o Brasil
experimentou a ditadura
militar. “É um fato histórico”,
afirma o autor, que hoje
dá aulas de português,
redação e oratória em
Ribeirão Preto, interior de
São Paulo.
Pergunta. Como recebe a
notícia de que seu livro
acabou vetado em um
colégio do Rio de Janeiro?
notícia de que seu livro
acabou vetado em um
colégio do Rio de Janeiro?
Resposta. Eu fiquei surpreso.
Meu livro é sobre a ditadura,
um fato histórico. Jamais
imaginei que, em 2018, seria censurado.
Meninos Sem Pátria rendeu mais de 20
edições, sempre com boa aceitação do
público e, principalmente, das escolas,
que o recomendam para leitura didática.
Não faz sentido acusá-lo de doutrinação
ou proselitismo ideológico.
Meu livro é sobre a ditadura,
um fato histórico. Jamais
imaginei que, em 2018, seria censurado.
Meninos Sem Pátria rendeu mais de 20
edições, sempre com boa aceitação do
público e, principalmente, das escolas,
que o recomendam para leitura didática.
Não faz sentido acusá-lo de doutrinação
ou proselitismo ideológico.
P. A que atribui essa acusação dos pais?
R. O livro é uma obra de ficção baseada
na história do José Maria Rabelo, fundador
do jornal O Binômio. Ele passou por Chile
e Bolívia antes de se exilar na França.
No livro, não falo apenas sobre
na história do José Maria Rabelo, fundador
do jornal O Binômio. Ele passou por Chile
e Bolívia antes de se exilar na França.
No livro, não falo apenas sobre
Conto
também
o lado romântico, mostrando um pouco
como era a dinâmica cultural de Paris dos anos 60. Uma das minhas referências para escrevê-lo foi o livro Memórias das Mulheres do Exílio, que foi lançado no começo da década de 80 e descrevia a vida das famílias que tiveram de sair do país na clandestinidade. Infelizmente, vivemos um tempo de radicalização, notícias falsas e disseminação de mentiras na internet. Isso faz com que as pessoas enxerguem viés político em tudo.
P. Ficou decepcionado com a atitude do colégio, que voltou atrás depois de recomendar o livro?
R. Lamento que um colégio como o Santo Agostinho, reconhecido pelo senso crítico, tenha cedido à pressão de meia dúzia de pais. Eu entendo a posição da diretoria, que deve ter temido um boicote ou ameaça de tirar os alunos da escola, mas isso não é educativo nem democrático. Sem contar que o veto ao livro só piorou as coisas, aumentou a repercussão do caso. Faz lembrar o episódio do Queermuseu, quando três ou quatro imbecis fizeram uma gritaria e o Santander arrepiou, suspendendo a exposição.
P. Movimentos como o “Escola sem Partido” têm incentivado os pais a monitorarem o conteúdo ministrado por professores aos filhos. Acredita que esse patrulhamento pode contribuir para novos casos de censura nas escolas?
R. Eu também sou contra a doutrinação. Acho que o papel do professor é dar informação e mostrar caminhos aos alunos, sem fazer julgamentos. Mas não cabe aos pais determinar o que deve ser lido, muito menos o que não deve. Fatos e história são incontestáveis. Que se leia e se discuta em sala de aula. Já perdi uma aluna, filha de juiz, por contestá-la depois que ela escreveu uma redação dizendo que tinha que armar todo mundo. Tem gente que não aceita que o professor fale sobre transexualidade, já vão logo chamando de comunista. Mas diversidade de gênero cai no vestibular. Como vamos ignorar isso? Essas reações são reflexos de posições radicais, como a que aponta o armamento como solução dos problemas de segurança. Se o Adélio tivesse conseguido comprar uma arma, o Bolsonaro poderia estar morto. O professor, sempre com bom senso, não pode fugir do debate desses temas.
P. A página do Facebook que repercutiu o protesto dos pais contra o seu livro declara apoio a Jair Bolsonaro, que prega que a ditadura deveria ter matado mais gente. Recentemente, Dias Toffoli chamou o golpe militar no Brasil de “movimento de 64”. Declarações como essas ajudam a relativizar o caráter antidemocrático do regime?
R. No Brasil, gostam de dizer que a ditadura não foi tão forte quanto na Argentina ou no Chile. De fato, a repressão nesses países foi pior. Mas isso não significa que não houve ditadura por aqui. Embora o Toffoli chame de “movimento”, houve golpe, perseguição a opositores, prisões arbitrárias, restrição dos direitos civis e fechamento do Congresso. Todas as características de uma ditadura. Nos comentários da página que divulgou a censura no colégio, tinha gente pedindo para queimar exemplares do livro. Isso já aconteceu no Brasil, quando queimaram Capitães de Areia, do Jorge Amado, durante o governo de Getúlio Vargas. É um retrocesso. Eu me orgulho de ter escrito Meninos Sem Pátria, que continua passando de geração em geração. O livro está aí para mostrar que a ditadura realmente existiu.
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