perfusão miocárdica
A incidência de lesões arteroscleróticas nas artérias coronárias é alta, sendo sua evolução parte de um processo evolutivo dos seres humanos que aumenta com a idade do indivíduo. Os fatores de risco, até agora conhecidos ( tabagismo, dispilidemia, hipertensão, diabetes, história familiar) são associados a um aumento na incidência de doença arterial coronária (DAC), e indubitavelmente, estando presentes podem acelerar este processo que já ocorre naturalmente. Durante períodos de guerras como as da Corea e do Vietnam, patologistas americanos se surpreenderam ao verificar que indivíduos jovens, vitimas de morte violenta em combate, já apresentavam, lesões coronárias consideradas importantes. Nossas ferramentas de investigação hoje são preciosas para avaliação da DAC, incluindo ambos os métodos invasivos e os não invasivos. Entretanto cabe a nós médicos, o emprego racional de toda esta tecnologia à nós disponível. Considerando a alta prevalência de DAC na população geral, principalmente nos indivíduos mais idosos, nos parece pouco produtivo aplicarmos nossas ferramentas de alta tecnologia simplesmente com a intenção de identificar a presença de DAC. Acreditamos que uma utilização racional da tecnologia disponível seja a determinação do impacto que a DAC tem na perfusão do miocárdio, identificando sim isquemia e tambêm estabelecendo o prognóstico de nosso paciente. Para isso devemos testar a reserva de dilatação coronária e determinar qual o grau de limitação que a DAC promove nesta dilatação, com que magnitude e em qual (is) território (s). Na clincica, uma reserva coronária comprometida de forma importante, reflete-se na forma de isquemia miocárdica nos momentos de maior consumo de oxigênio, sendo responsável por episódios de angina estável por exemplo. A cintilografia de perfusão miocárdica é uma das ferramentas mais utilizadas na avaliação da DAC. Esta técnica baseia-se na distribuição do traçador radioativo pelo ventriculo esquerdo (VE) em proporção ao fluxo coronário no repouso e durante estresse. Podemos testar a reserva de dilatação coronária utilizando diversos agentes estressores como o exercício físico, o dipiridamol, a adenosina, uma combinaçao de exercício e dipiridamol ou adenosina e a dobutamina. Neste artigo discorreremos sobre estes diferentes métodos de estresse na obtenção da cintilografia, com uma visão crítica sobre vantagens e desvantagens de cada método.
Mecanismos de ação dos agentes estressores
O exercício físico promove a hiperemia coronária de forma fisiológica através do aumento dos determinantes do consumo de oxigênio, como a freqüência cardíaca, a tensão sistólica da parede do VE e a contratibilidade miocárdica. Territórios coronários com sua reserva comprometida de forma significativa serão identificados na cintilografia. A adenosina promove sua ação dilatatória através da ativação dos receptores A2, que agem no AMPc, reduzindo o influxo de cálcio para o espaço intracelular, desta forma relaxando a musculatura lisa da parede dos vasos e portanto promovendo a vasodilatação. O dipiridamol inibe a ação da enzima adenosina deaminase, responsável pela degradação da adenosina, e também bloqueia a sua recaptação celular, ambas ações que promovem elevações dos níveis da adenosina endógena do paciente e portanto levam à vasodilatação. A dobutamina através de sua ação nos receptores B1 do coração promove um aumento da frequência cardíaca e da contratilidade miocárdica, promovendo desta forma uma vasodilatação por mecanismos semelhantes ao exercício.
Efeitos colaterais dos agentes farmacológicos
Os efeitos colaterais dos agentes farmacológicos utilizados na pesquisa de isquemia miocárdica são bastante freqüêntes . Em torno de 81% dos pacientes submetidos á infusão de adenosina terão algum efeito colateral, sendo os mais frequentes a sensação de calor (em 37%) e a dispnéia (em 35%). Bloqueio atrioventricular com adenosina ocorre em média em 8% dos pacientes. O dipiridamol (a uma dose de 0.56 mg/kg) causa efeitos colaterais em torno de 47% dos indivíduos, sendo calor em 43%, dor no peito (não específica para isquemia) em 20% e cefaléia em 12%. A dobutamina esta relacionada a efeitos colaterais em torno de 75% dos indivíduos, sendo os mais freqüêntes a dor no peito em 31% e algum tipo de arritmias ventricular em 50%, sendo mais comum a extrasistolia freqüênte. Em torno de 4-5% dos pacientes podem apresentar taquicardia ventricular (TV) com a infusão de dobutamina.
Devemos considerar que a meia vida da adenosina é rápida em relação ao dipiridamol ( < 10 segundos versus 45 minutos), sendo que geralmente, mas nem sempre os efeitos colaterais são mais fugazes com adenosina. A injeção endovenosa de aminofilina na dose de 1-1.5 mg/kg, reverte com grande eficácia os efeitos colaterais tanto da adenosina quanto do dipiridamol. Os pacientes submetidos a estudos com dobutamina são em geral os mais frágeis, sendo incapazes de exercitar e contra indicados a exames com adenosina ou dipiridamol, geralmente por DPOC. O exame com dobutamina não é um exame confortável pela alta incidência de efeitos colaterais. Os casos de TV sustentada estável pode ser manejada com metoprolol EV e nos casos de instabilidade hemodinâmica a cardioversão elétrica pode tornar-se necessária.
Escolha do método de estresse individualizado para cada paciente
Sem dúvida um exercício eficaz é a melhor e mais fisiológica forma de realizarmos um exame cintilográfico. As informações provenientes do teste ergométrico, como o tempo de esforço, as alterações do ST, o desenvolvimento de angina (os 3 parametros usados no cálculo do escore de DUKE), além da resposta cronotrópica e pressórica do paciente, são dados preciosos e adicionais, não disponíveis nos testes puramente farmacológicos. Entretanto, infelizmente nem todos os pacientes tem condições físicas para realizar um exercício considerado eficaz. Os vasodilatadores (adenosina/dipiridamol) são boas alternativas para os pacientes completamente incapazes de exercitar, por problemas ortopédicos, circulatórios ou neurológicos. Apesar da alta incidência de efeitos colaterais com estes vasodilatadores, estes são facilmente reversíveis com o uso da aminofilina. Uma limitação importante é a vasodilatação esplâncnica promovida por este agentes, ocasionando um aumento na concentração dos traçadores radioativos no fígado, principalmente após a injeção de 99mTc-Sestamibi. Esta grande quantidade pode interferir na visibilização da parede inferior do VE, algumas vezes causando artefatos nesta região. O exercício físico, ao contrário, promove uma redistribuição do fluxo de sangue para a musculatura periférica, diminuindo o fluxo hepático e por conseguinte a concentração dos traçadores no fígado.
Um protocolo muito interessante, bem indicado para pacientes limitados, mas que tenham alguma capacidade de exercitar em baixa carga, é a combinação de dipiridamol endovenoso com exercício na esteira ergométrica. Este protocolo permite resgatar algumas das informações do teste ergométrico que são perdidas nos testes puramente farmacológicos. Estas informações, em alguns casos podem ser importantes para condução do caso, sendo ainda mais relevantes quando ocorrem alterações acentuadas do segmento ST ou então alterações hemodinâmicas (queda da PA) com baixa carga, indicadores de doença isquêmica grave. Há vários outros benefícios obtidos com o protocolo combinado comparado ao teste farmacológico puro, incluindo um aumento na positividade do ECG, redução dos efeitos colaterais do dipiridamol, redução dos artefatos na parede inferior produzidos pela alta concentração hepática do traçador. Este efeito hepático abre a possibilidade de adquirirmos imagens mais precoces do que adquiridas com dipiridamol isolado (60 minutos) com avaliação da função ventricular em 30 minutos, possibilitando detecção de miocárdio atordoado induzido pelo exame em alguns casos. Em casos raros, pacientes podem apresentar doença coronária importante e balanceada. Se estes pacientes forem submetidos a testes puramente farmacológicos dependeremos praticamente apenas da imagem cintilográfica, com uma chance de termos um resultado falso negativo por distribuição homogenea do traçador, entretanto a adição de exercício, pode potencialmente nos ajudar a identificar alguns destes indivíduos, quando ocorrerem alterações no teste ergométrico indicando alto risco durante baixa carga de esforço.
Efeitos dos agentes estressores no fluxo coronário
Devemos manter em mente que é através do teste da reserva de dilatação das artérias coronárias que a cintilografia miocárdica pode identificar territórios isquêmicos. Para que este objetivo seja alcançado de forma adequada é importante que ocorra uma hiperemia eficaz durante o teste. Se o método de estresse escolhido é o exercício físico, o aumento dos determinantes do consumo de oxigênio devem ser o suficiente para promover um aumento significativo do fluxo coronário, que para o exercício é em geral 2-3 x o valor basal. Devemos lembrar que a ação de fármacos como bloqueadores de cálcio e beta-bloqueadores podem interferir nesta resposta hiperemica, comprometendo a sensibilidade da cintilografia. Nos pacientes incapazes de um exercicio eficaz ou nos quais as medicações citadas não podem ser interrompidas, uma opção muito boa é um teste combinado com exercício e dipiridamol, aonde o dipiridamol será o responsável pela promoção do efeito hiperemico. O uso do dipiridamol aumenta o fluxo miocárdico em media 3 - 4 x o valor basal. Entretanto, há estudos que indicam que alguns pacientes podem não responder adequadamente ao dipiridamol, o que pode ocorrer em 10 -15% dos pacientes submetidos a uma dose de 0.56 mg/kg. Sabemos que o uso da cafeina pode bloquear os receptores da adenosina limitando a ação destas drogas e podendo explicar a existência de alguns indivíduos não responsíveis, mesmo na ausência de obstruções significativas nos vasos coronários epicárdicos . A disfunção endotelial e a doença se microcirculação, certamente pode ser um fator limitante na resposta ao dipiridamol. Há sugestões na literatura de que a utilização de doses mais altas de dipiridamol, por exemplo 0.84 mg/kg, pode promover uma hiperemia maior em um número maior de indivíduos. A adenosina aumenta em média 4-5 x o fluxo basal, sendo seu efeito hiperêmico muito semelhante a papaverina, promovendo uma vasodilatação máxima. Os efeitos da combinação de exercício e baixa carga ao dipiridamol não são completamente conhecidos, mas há fortes sugestões na literatura sugerindo que a adição de exercício pode contribuir no aumento da detecção de isquemia na cintilografia, provavelmente por identificar pacientes não responsáveis.
Conclusão
A cintilografia miocárdica é uma ferramenta disponível de grande valor na avaliação da DAC. Este método tem se demonstrado de grande auxílio no diagnóstico de isquemia e importante na determinação do prognóstico de nossos pacientes. Os métodos de estresse são os mais diversos, com suas boas indicações e algumas limitações conforme descrito em detalhes acima. A escolha do melhor método deve ser individualizada para cada paciente baseado nas suas condições físicas. Idealmente os pacientes devem ser submetidos a testes que envolvam exercício físico de forma isolada, se este for eficaz. Como segunda alternativa em pacientes mais limitados existe uma combinação de exercício com dipiridamol, e finalmente nos pacientes completamente incapazes de exercitar existem ainda boas opções de testes puramente farmacológicos, preferencialmente realizado com vasodilatadores do tipo dipiridamol ou adenosina Dr. João Vicente Vitola |
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10.18.2010
Efeitos dos agentes estressores utilizados na cintilografia miocárdica
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