10.17.2010

Antipsicóticos atípicos: farmacologia e uso clínico

                                                                                                                 Por Irismar R Oliveira
Introdução
O aspecto comum aos antipsicóticos considerados atípicos é a capacidade de promover a ação antipsicótica em doses que não produzam, de modo significativo, sintomas extrapiramidais. No mercado brasileiro, dispõe-se da clozapina, da risperidona, da olanzapina e da quetiapina. De acordo com tais critérios,1,* dispõe-se ainda das benzamidas substituídas (sulpirida e amisulprida) e da tioridazina.
Outras características que estreitam a definição de atipicidade incluem: ausência de hiperprolactinemia; maior eficácia nos sintomas positivos, negativos e de desorganização; e ausência de discinesia tardia ou distonia após administração crônica. Esse segundo grupo de propriedades parece caracterizar apenas a clozapina.2 Neste texto serão discutidas a clozapina, a risperidona, a olanzapina e a quetiapina.
Clozapina
Antipsicótico atípico de referência, a clozapina foi testada clinicamente na década de 60, na Europa. Infelizmente, observou-se que produzia granulocitopenia ou agranulocitose em taxa muito mais elevada (1% a 2%) do que aquela observada nos antipsicóticos-padrão. Isso levou à sua retirada do mercado.3
A importância da clozapina voltou a ser devidamente apreciada a partir de 1988, quando se demonstrou, em um ensaio duplo-cego com duração de seis semanas em pacientes hospitalizados resistentes, sua maior eficácia em 30% ou mais dos pacientes esquizofrênicos que não respondiam a pelo menos 3 tentativas com outros antipsicóticos.4 A clozapina mostrou-se útil no alívio dos sintomas positivos e dos negativos. Esse estudo demonstrou ainda que a clozapina era bem tolerada nos pacientes que não toleravam outros antipsicóticos. Com base nesses dados, voltou a ser comercializada. Entretanto, sua principal indicação passou a ser, e continua sendo, o tratamento à esquizofrenia refratária a outros antipsicóticos
O início do tratamento com a clozapina deve ser feito na ausência de outras drogas psicotrópicas, a fim de minimizar efeitos colaterais como hipotensão, sedação e efeitos anticolinérgicos, bem como evitar a interferência nos benefícios da clozapina, que dependem do seu fraco bloqueio do receptor D2.5 Se houver necessidade, entretanto, pode-se administrar um antipsicótico de alta potência, em baixas doses, até que o tratamento com clozapina esteja estabelecido, em geral, dentro de duas ou três semanas.
A dose inicial recomendada da clozapina é de 12,5-25 mg/dia. Aumenta-se lentamente até que doses de 300-450 mg/dia sejam alcançadas, geralmente em 2-3 semanas, em duas tomadas (meia-vida de 12h a 16h).4 Entretanto, pode-se necessitar de até 900 mg/dia. Na Europa, excetuando-se a Inglaterra, a prática clínica tem sido usar doses de 200-300 mg/dia ou mesmo menores,7 enquanto nos países de língua inglesa doses de 400-600 mg/dia são comuns.7 Os pacientes idosos costumam responder a doses mais baixas, de até 300 mg/dia.
A resposta à clozapina nos pacientes resistentes aos antipsicóticos clássicos pode não ser evidente até depois de 6 meses ou mesmo por períodos mais longos. Aproximadamente 30% desses pacientes respondem em 6 semanas e outros 30% respondem mais lentamente, em até dois anos.
De 50% a 80% dos casos de neutropenia ou agranulocitose ocorrem nas primeiras 18 semanas de tratamento com a clozapina.  Por esse motivo, os hemogramas devem ser semanais nesse período, passando depois a ser mensais.
Quando o número total de leucócitos cai para 3.000/mm3 ou o de neutrófilos para 1.500/mm3, a clozapina deve ser interrompida. Nesse caso, leucogramas com contagem diferencial devem ser feitos durante semanas. A clozapina pode ser reintroduzida nos pacientes que a interromperam em presença de neutropenia. No entanto, fica indicada monitorização mais intensiva e diferencial.2,6
A incidência praticamente nula de sintomas extrapiramidais é a principal vantagem da clozapina em comparação com os antipsicóticos típicos. O fato de produzir muito menos acatisia contribui significativamente para a adesão. Outra grande vantagem é a ausência de discinesia tardia. Ao contrário, essa pode ser tratada com clozapina, observando-se remissão em aproximadamente 30% dos casos e redução da gravidade em outros 30%. Infelizmente, os sintomas recorrem quando a clozapina é interrompida.
A clozapina pode diminuir o limiar de convulsões, que podem estar presentes em 1-2% dos pacientes com doses abaixo de 300 mg/dia, mas podem alcançar até 6% em doses que ultrapassem 600 mg/dia. O tratamento das convulsões envolve a redução da dose (a interrupção do tratamento raramente é necessária) e tratamento farmacológico com anticonvulsivantes. Nesse caso, a carbamazepina deve ser evitada, por provocar supressão da medula óssea.
Dentre os efeitos colaterais cardiovasculares, a clozapina pode provocar taquicardia, hipotensão ortostática e distúrbios de condução. Beta-bloqueadores podem ser úteis na redução da taquicardia. A hipotensão, quando ocorre, é mais freqüentemente observada nas duas primeiras semanas de tratamento.
A hipersalivação, observada em cerca de 30% dos pacientes, costuma responder à redução da dose ou ao tratamento com anticolinérgicos. A clonidina, agonista alfa2-adrenérgico, pode também ser útil.
Outro efeito adverso comum com o uso da clozapina é o ganho de peso, que pode alcançar, em média, 6 kg ou 9% do peso corpóreo em 16 semanas. A magnitude do ganho de peso correlaciona-se positivamente com a resposta clínica.
Não há relatos sobre elevação dos níveis séricos de prolactina com a clozapina. Entretanto, como todo antipsicótico, esse fármaco pode causar síndrome neuroléptica maligna, embora com menos freqüência. É interessante notar que a clozapina tem sido utilizada com sucesso nos pacientes que desenvolveram essa síndrome com antipsicóticos típicos.
Em conclusão, a clozapina permanece como o antipsicótico atípico de referência, porém de uso limitado aos casos refratários de esquizofrenia, aos pacientes com sintomas extrapiramidais de difícil controle e àqueles portadores de discinesia tardia.
Risperidona
A risperidona é um derivado benzisoxazólico, com forte efeito bloqueador de receptores D2 e 5-HT2. Liga-se a receptores a1, a2, e H1, sendo ainda potente antagonista LSD. É, no entanto, praticamente destituída de efeitos anticolinérgicos. A risperidona é eficaz nos sintomas positivos e nos negativos da esquizofrenia.
O grupo do presente trabalho demonstrou, por meio de metanálise, que a risperidona pode ser tão ou mais eficaz e possuir menos efeitos extrapiramidais do que o haloperidol (10-20 mg/dia), desde que administrada nas doses entre 4-6 mg/dia. Outros dados, igualmente de metanálise, demonstraram que a risperidona é superior ao haloperidol quanto à eficácia sobre os sintomas negativos. A eficácia da risperidona envolve grande espectro de manifestações da esquizofrenia, como, por exemplo, sintomas positivos e negativos, pensamentos desorganizados, hostilidade e sintomas afetivos.
A risperidona produz menos efeitos extrapiramidais do que o haloperidol, quando administrada em doses inferiores a 8 mg/dia. Há indícios de que essa vantagem seja perdida em doses superiores.** Alguns outros efeitos colaterais comuns à risperidona são insônia, agitação, sedação, tontura, rinite, hipotensão, ganho de peso e distúrbios menstruais. Galactorréia pode estar presente. Há relatos de síndrome neuroléptica maligna.
Geralmente, a dose inicial da risperidona é de 1 mg duas vezes ao dia, aumentando-se até 3 mg duas vezes ao dia nos próximos dias. Embora a dose ótima encontre-se entre 4 e 6 mg/dia, pode-se necessitar de doses maiores para controlar os sintomas positivos em alguns pacientes.
Olanzapina
A olanzapina, uma tienobenzodiazepina, é um novo antipsicótico que possui afinidade pelos sítios de ligação D1-D4, serotoninérgicos (5-HT2,3,6), muscarínicos (subtipos 1-5), adrenérgicos (alfa1) e histaminérgicos (H1). Nos ensaios clínicos, sugeriu-se que a olanzapina diminui os sintomas positivos e os negativos da esquizofrenia, e possui baixa incidência de efeitos extrapiramidais.
Os resultados da metanálise realizada por este grupo,sugeriram que, nas doses diárias de 7,5 mg a 20 mg, a olanzapina parece tão ou mais efetiva como antipsicótico que o haloperidol nas seis primeiras semanas de tratamento. Em doses menores que 7,5 mg/dia, o haloperidol tendeu a ser superior. Observou-se ainda maior segurança da olanzapina frente ao haloperidol, uma vez que houve significativamente menos interrupção prematura do tratamento devido a efeitos adversos com a primeira. Além disso, os pacientes tratados com olanzapina precisaram de muito menos medicações anticolinérgicas, sugerindo então que esse medicamento produziu significativamente menos sintomas extrapiramidais.
De modo geral, os dados provenientes dos 4 ensaios clínicos com olanzapina mostram perfil de efeitos adversos de leves a moderados, sendo os mais comuns sedação e ganho de peso. Observaram-se ainda efeitos anticolinérgicos e tontura leves. Os efeitos sobre disfunção sexual foram irrelevantes.
Em conclusão: 
o insucesso terapêutico esteve presente em 48% dos pacientes tratados com olanzapina, em comparação com 64% daqueles tratados com haloperidol; houve mais interrupções prematuras do tratamento por falta de eficácia entre os paciente tratados com haloperidol do que naqueles tratados com olanzapina;  a interrupção prematura do tratamento, devido a efeitos adversos, foi mais freqüente nos pacientes tratados com haloperidol do que naqueles tratados com olanzapina; o uso de anticolinérgicos foi necessário em apenas 15% dos pacientes tratados com olanzapina, em comparação com 49% daqueles tratados com haloperidol.
Desse modo, nas 6 primeiras semanas de tratamento, em doses de 7,5-20 mg/dia, a olanzapina parece ser mais efetiva e produzir menos sintomas extrapiramidais do que o haloperidol nas doses de 5-20 mg/dia.17
Quetiapina
A quetiapina é um novo antipsicótico, estruturalmente relacionado com a clozapina, porém sem necessidade de monitorização sangüínea. Trata-se de um derivado dibenzotiazepina, com ampla faixa de afinidades pelos diferentes subtipos de receptores no sistema nervoso central.
Possui baixa a moderada afinidade pelos receptores 5-HT1A, 5-HT2, D1 e D2. O antagonismo desses receptores, com afinidade predominante por 5-HT2 em comparação com D2, é uma das características-chave para sua atipicidade.
Sete ensaios clínicos randomizados duplo-cegos indicam que a droga é tão eficaz na esquizofrenia quanto os antipsicóticos de referência, possuindo baixa incidência de sintomas extrapiramidais e outros efeitos colaterais.
Os efeitos adversos mais freqüentemente relatados são cefaléia (19%), sonolência (19%) e tontura (10%). A incidência de sintomas extrapiramidais é inferior a 10%.
A quetiapina mostrou ser tão eficaz quanto a clorpromazina no que diz respeito aos sintomas positivos e negativos, porém com menos efeitos colaterais, inclusive sintomas extrapiramidais. Não foi demonstrada a presença de hiperprolactinemia em 101 pacientes tratados, em comparação com 100 controles em uso de clorpromazina. As doses mais eficazes encontram-se entre 300 mg/dia e 450 mg/dia, embora a faixa habitual vá de 150 mg/dia a 750 mg/dia. As doses devem ser aumentadas gradualmente durante vários dias.
Conclusão
Em ampla e recente revisão da literatura, Brown  conclui que a risperidona ou a olanzapina são as drogas recomendadas como primeira escolha na esquizofrenia, em decorrência dos ensaios clínicos e da experiência clínica acumulada. A quetiapina deve ser considerada em presença de resposta parcial ou se houver sintomas extrapiramidais. A clozapina permanece como opção para os pacientes refratários ao tratamento. Os antipsicóticos atípicos podem contribuir para a melhor qualidade de vida. Entretanto, os antipsicóticos convencionais permanecem como primeira escolha quando se consideram estritamente questões relativas ao custo do tratamento. Esse último aspecto ainda prevalece em nosso meio.

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