10.21.2010

Pesquisas plagiadas na China

Fraudes generalizadas ameaçam ascensão econômica chinesa
Falsificação em pesquisa científica prejudica escalada econômica do país.
Pressão sobre pesquisadores produziu avalanche de teses plagiadas.
Fang Shimin, escritor também conhecido pelo codinome Fang Zhouzi, dirige o site New Threads, que expôs mais de 900 pesquisas falsas em Pequim 
Fang Shimin, escritor também conhecido pelo
codinome Fang Zhouzi, dirige o site New Threads,
que expôs mais de 900 pesquisas falsas em
Pequim (Foto: Du Bin / The New York Times)
O talento de Zhang Wuben como vendedor é inquestionável. Através de programas de televisão, DVDs e um livro best-seller, ele convenceu milhões de pessoas de que berinjela crua e feijão verde em grande quantidade podem curar lúpus, diabetes, depressão ou câncer.
Na China, os pacientes com doenças graves pagam US$ 450 por uma consulta de 10 minutos e recebem uma receita. Mas com Zhang isto não é possível, pois ele é um dos profissionais mais populares da tradicional medicina chinesa e sua agenda está lotada até 2012.
No entanto, quando o preço do feijão verde disparou nesta primavera, os jornalistas chineses começaram a ir mais fundo. Eles descobriram que, ao contrário do que dizia, Zhang, 47, não pertence a uma família de médicos (o pai era tecelão). Ele tampouco se formou pela Universidade de Medicina de Pequim (sua única educação formal foi o curso por correspondência feito depois que ele perdeu o emprego em uma indústria têxtil).
A revelação das credenciais falsas de Zhang provocou discussões sobre as práticas desonestas que permeiam a sociedade chinesa, criticadas por estudiosos e por seus próprios cidadãos.
Tais práticas incluem trapaças de alunos nos vestibulares, intelectuais que promovem pesquisas falsas ou plagiadas e indústrias de laticínios que vendem leite envenenado para crianças.
As últimas revelações são ainda mais chocantes. Após um acidente de avião, que matou 42 pessoas no nordeste da China em agosto, foi descoberto que 100 pilotos da companhia áerea haviam falsificado seus históricos de vôo. Em seguida, houve o escândalo de Tang Jun, o milionário ex-chefe da Microsoft na China e uma espécie de herói nacional, que falsamente afirmou possuir doutorado do Instituto de Tecnologia da Califórnia.
Os países estão imunes a fraudes de alta repercussão. O doping nos esportes e a corrupção em Wall Street são os escândalos do momento nos Estados Unidos. Mas na China, a falsificação em uma área em particular - a educação e investigação científica – já se alastrou a ponto de prejudicar a escalada econômica do país.
A China investe recursos significativos na construção de um sistema de ensino de nível internacional e pesquisas pioneiras em ciências e mercados competitivos. Além disso, o país tem alcançado notável sucesso em redes de computadores, energia limpa e tecnologia militar.
Mas a falta de integridade entre os pesquisadores está atrapalhando seu potencial e prejudicando a colaboração entre pesquisadores chineses e seus colegas de outros países.
"Se não mudarmos nossas maneiras, seremos excluídos da comunidade acadêmica global", declara Zhang Ming, professor de relações internacionais na Universidade Renmin, em Pequim. "Precisamos nos concentrar em buscar a verdade, em vez de seguir a agenda de algum burocrata ou satisfazer o desejo de lucro pessoal".
A pressão feita sobre os pesquisadores pelos administradores das universidades públicas para que publiquem artigos em revistas científicas - uma medida de inovação - produziu uma avalanche de pesquisas plagiadas ou fabricadas. Em dezembro, um jornal britânico especializado em formações de cristais anunciou a retirada de mais de 70 trabalhos de autores chineses, cuja originalidade e rigor estavam sendo questionados.
Em um editorial publicado no início deste ano, a revista médica britânica “The Lancet” advertiu que pesquisas falsas ou plagiadas representavam uma ameaça à promessa do presidente Hu Jintao de transformar a China em uma "superpotência em pesquisas" até 2020. "Está claro que o governo chinês deve pegar este episódio como exemplo para revigorar os padrões de ensino de ética em pesquisa e para a realização das pesquisas em si", relatou o editorial.
Destroços do avião que se acidentouna China em agosto: investigação revelou que 100 pilotos da companhia aérea haviam falsificado seus históricos de voo (Foto: Reuters)Software detecta plágios
Em setembro, uma coletânea de periódicos científicos publicados pela Universidade de Zhejiang, em Hangzhou, reacendeu a fogueira ao divulgar os resultados de uma experiência de 20 meses com um software que detecta plágios.
O software, chamado de “CrossCheck”, rejeitou quase um terço de todos os trabalhos, sob suspeita de que os conteúdos tenham sido pirateados a partir de pesquisas anteriormente publicadas. Em alguns casos, mais de 80 por cento do conteúdo foi considerado cópia.
A editora das publicações, Zhang Yuehong, enfatizou que nem todos os artigos plagiados eram originários da China, mas se recusou a revelar mais detalhes."Alguns eram da Coreia do Sul, Índia e Irã", disse ela.
Os artigos especializados em medicina, física, engenharia e ciência da computação, foram os primeiros na China a utilizar o software. “No momento, eles são os únicos que o utilizam”, acrescentou ela.
As descobertas não surpreendem se considerarmos os resultados de um estudo recente do governo, em que um terço dos 6.000 cientistas de seis das maiores instituições do país admitiram que haviam se envolvido com plágio ou com a invenção de dados para pesquisas. Em outro estudo com 32 mil cientistas, feito no verão passado pela Associação Chinesa para Ciência e Tecnologia, mais de 55% disseram que conheciam alguém que já tenha cometido fraude acadêmica.
Fang Shimin, um escritor sensacionalista que se tornou um famoso defensor da integridade acadêmica, diz que o problema começou com o sistema universitário estatal, no qual burocratas nomeados politicamente têm pouca experiência nas áreas que supervisionam. Devido à grande concorrência para bolsas de estudos, auxílio moradia e aperfeiçoamento de carreira, os funcionários baseiam suas decisões no número de artigos publicados.
"Mesmo os artigos falsos contam, pois ninguém realmente os lê", afirma Fang, que é mais conhecido pelo pseudônimo Fang Zhouzi. Seu site “New Threads” já desvelou mais de 900 casos de falsificação, alguns envolvendo reitores de universidades e pesquisadores de renome.
Quando o plágio é exposto, colegas e líderes estudantis geralmente defendem o acusado. Fang explica que isso acontece em parte com o objetivo de preservar as relações e proteger a reputação da instituição. Mas o outro motivo, segundo ele, é mais preocupante: são poucos os acadêmicos idôneos, que podem apontar o dedo para acusar os outros.
O resultado é que muitas vezes os plagiadores não são punidos, o que acaba incentivando esta prática, afirma Zeng Guoping, diretor do Instituto de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade de Tsinghua, em Pequim, que ajudou na pesquisa feita com 6.000 acadêmicos.
Ele cita o caso de Chen Jin, um cientista da computação que já foi célebre por ter inventado um microprocessador sofisticado, mas que na verdade utilizou um chip fabricado pela Motorola, riscou o nome da empresa e alegou ser invenção sua. A revelação da fraude, em 2006, causou constrangimento na comunidade científica que o apoiava.
Chen perdeu seu cargo na universidade, mas nunca foi processado."Quando as pessoas vêem que os acusados continuam dirigindo seus carros vistosos, o mau exemplo está dado", declara Zeng.
5 mil revistas acadêmicas
O governo chinês prometeu resolver o problema. Editoriais de jornais estatais têm condenado frequentemente o plágio. No mês passado, Liu Dongdong, membro do Politburo que supervisiona as publicações, prometeu fechar algumas das cerca de 5.000 revistas acadêmicas, cujo motivo único para existir, segundo dizem os estudiosos, é proporcionar uma saída para professores e doutorandos que queiram inflar suas credenciais de publicação.
Os jornalistas Fang Shimin e Fang Xuanchang já ouviram promessas e ameaças antes. Em 2004 e 2006, o Ministério da Educação anunciou campanhas contra fraudes, mas os dois grupos responsáveis pela solução do problema ainda não aplicaram nenhuma punição.
Nos últimos anos, os dois jornalistas investigaram Xiao Chuanguo, urologista inventor de um procedimento cirúrgico que visa restaurar a função da bexiga em crianças com espinha bífida, uma deformação congênita da coluna vertebral, que pode levar à incontinência e, insuficiência renal e até à morte.
m uma série de reportagens e postagens em blog, os jornalistas revelaram discrepâncias no site de Xiao, incluindo alegações de que ele havia publicado 26 artigos em revistas de língua inglesa (eles encontraram apenas quatro) e que havia recebido um prêmio pelo conjunto de sua obra da Associação Americana de Urologia (o prêmio foi dado para um ensaio que ele escreveu).Mas ainda mais preocupante, segundo eles, foram as afirmações de que a cirurgia apresentava uma taxa de sucesso de 85 por cento. Dos mais de 100 pacientes
entrevistados, nenhum relatou ter sido curado de incontinência, e 40 por cento disseram que sua saúde havia piorado após o procedimento, que incluia a mudança de itinerário de um nervo da perna para a bexiga.
Independente do que tenha ocorrido, Xiao ficou furioso. Ele entrou com uma série de processos por difamação contra Fang Shimin e anunciou que iria se vingar.
Recentemente, os dois jornalistas foram brutalmente atacados nas ruas de Pequim - Fang Xuanchang por bandidos com uma barra de ferro e Fang Shimin por dois homens armados de spray de pimenta e um martelo.
Quando a polícia prendeu Xiao, em 21 de setembro, ele confessou a contratação de homens para realizar o ataque. A razão, disse ele, foi a vingança contra as revelações que impediram sua nomeação para a prestigiada Academia Chinesa de Ciências.
Apesar da confissão, a Universidade de Ciência e Tecnologia de Huazhong, onde Xiao atua, não pareceu disposta a tomar qualquer ação contra ele. Em um comunicado, os administradores disseram que ficaram chocados com a notícia de sua prisão, mas que iriam aguardar o desfecho dos processos judiciais antes de romper os laços com ele.
Andrew Jacobs
Do New York Times
Tradução: Claudia Lindenmeyer

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