Formulário Terapêutico Nacional 2008: Rename 2006 [Link Livre para o Documento Original]
Série B. Textos Básicos de Saúde
MINISTÉRIO DA SAÚDE
Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos
Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos
Brasília / DF – 2008
3 ANTIINFLAMATÓRIOS E MEDICAMENTOS UTILIZADOS NO TRATAMENTO DA GOTA
Lenita Wannmacher
3.1 ANTIINFLAMATÓRIOS NÃO-ESTERÓIDES
Os antiinflamatórios não-esteróides (AINE) possuem propriedades analgésica, antitérmica, antiinflamatória e antitrombótica. Sua ação antiinflamatória decorre da inibição de síntese de prostaglandinas, efetuada mediante inativação das cicloxigenases constitutiva (COX-1) e induzível (COX-2). São medicamentos para tratamentos sintomáticos, não interferindo com a história natural das doenças inflamatórias. Só estão indicados em processos inflamatórios clinicamente relevantes (artrite reumatóide, artrite juvenil, espondilite anquilosante e outras), em que dor, edema e disfunção decorrentes trazem desconforto ao paciente. Também se indicam, assim como analgésicos não-opióides, em doença degenerativa articular ou osteoartrose. Seu uso é muito difundido em todo o mundo, estando marcado por dois desvirtuamentos principais. O primeiro consiste no uso em situações em que há dor predominante, sem sinais clínicos de inflamação, na crença de que o efeito analgésico dos AINE seja superior ao de simples analgésicos. No entanto, em doses únicas, AINE têm a mesma eficácia analgésica que paracetamol. Este é menos eficaz do que AINE em reduzir a dor da osteoartrose avançada, mas tem similar eficácia em dor musculoesquelética. O segundo erro é o emprego em situações em que a reação inflamatória não deve ser inibida – pois se constitui em proteção orgânica – como traumas pós-cirúrgicos e infecções. Não parece racional antagonizar a inflamação, componente indispensável à reparação tecidual no primeiro caso e à defesa do organismo, no segundo.
Todos os AINE têm eficácia antiinflamatória similar. Nos últimos dez anos, eles proliferaram, sem evidência de que sobrepujem a eficácia do ácido acetilsalicílico, quer em estudos experimentais, quer em ensaios clínicos randomizados. Entretanto, as respostas individuais variam em eficácia e incidência de efeitos adversos. Em pacientes não-responsivos a um dado antiinflamatório, é preferível substituí-lo por outro de subgrupo diferente, em vez de novo representante da mesma classe química. Sendo a eficácia similar, a escolha deve basear-se em outros critérios: toxicidade relativa, conveniência para o paciente, custo e experiência de emprego. Agentes com menor toxicidade relativa são preferíveis. A conveniência se refere ao número de administrações diárias, o qual depende da meia-vida das substâncias, influenciando a adesão do paciente e o custo total de tratamento. O custo diário com doses médias é bastante variável, devendo ser analisado antes da prescrição. De modo geral, os agentes mais novos são mais caros. A maior experiência com um dado agente é fator de escolha, já que efeitos raros, mas graves, podem ser detectados somente após amplo uso dos fármacos. Ainda hoje se preferem os fracos inibidores de COX-189.
Apesar das vantagens potenciais da inibição seletiva da cicloxigenase-2, os ensaios clínicos não evidenciaram diferenças de eficácia em comparações entre celecoxibe, ibuprofeno e diclofenaco90 e entre rofecoxibe e naproxeno91. Revisão sistemática92 de nove ensaios clínicos observou similar eficácia entre celecoxibe e AINE não-seletivos, o que se repetiu em outra revisão sistemática Cochrane93 de cinco ensaios clínicos que compararam celecoxibe a naproxeno, diclofenaco, ibuprofeno e placebo. Nesses estudos, houve redução estatisticamente significante de complicações gastrintestinais em curto prazo (seis meses), não permanecendo a vantagem em seguimentos mais longos (12 meses)94. Mais recentemente comprovaram-se efeitos adversos cardiovasculares de monta que determinaram a retirada de rofecoxibe do mercado mundial95.
Ainda o custo desses medicamentos é maior que os dos agentes não-seletivos e dos analgésicos não-opióides. Segundo avaliação de custo/benefício, inibidores seletivos de COX-2 só teriam justificada indicação em pacientes com mais de 75 anos (mais propensos às reações digestivas), sem co-morbidade cardiovascular, e nos que têm antecedentes de úlcera ou hemorragia digestiva induzida por AINE96.
Os AINE têm efeito teto (platô) pelo que maiores doses não aumentam eficácia, mas sim a toxicidade. Inexistem comparações entre formulações tópicas e orais de um mesmo fármaco, bem como entre AINE tópicos e paracetamol. Em revisão sistemática, AINE tópicos reduziram dor comparativamente a placebo em tratamento por duas semanas, mas não houve diferença significativa em uso por quatro semanas ou mais97. O real benefício da administração tópica permanece incerto98.
Em gravidez, os AINE não são recomendados. Se forem muito necessários, ácido acetilsalicílico é provavelmente o mais seguro, pois não se associa a efeitos teratogênicos em humanos. Todavia, deve ser suspenso antes do tempo previsto para o parto a fim de evitar complicações como trabalho de parto prolongado, aumento de hemorragia pós-parto e fechamento intra-uterino do ducto arterioso. Ibuprofeno também é considerado seguro nos primeiros dois trimestres da gravidez. Em crianças, o uso de ácido acetilsalicílico também é restrito. Ibuprofeno e naproxeno, com baixa incidência de efeitos adversos, são recomendados em crianças99. Idosos são predispostos a sangramento gastrintestinal. Em pacientes renais, hepáticos e cardíacos, seu uso deve ser cauteloso. Quando um paciente idoso ou com alguma outra condição de risco precisa receber cronicamente um AINE, este deve ser associado ao uso de medicamentos antissecretores gástricos (inibidores da bomba de prótons e misoprostol),100 embora alguns autores considerem não haver evidências contemporâneas suficientes para justificar os primeiros, e que, referentemente ao misoprostol, os riscos devem se cotejados com o benefício98.
Ácido acetilsalicílico é o protótipo dos antiinflamatórios não-esteróides e não-seletivos, por ser o mais antigo, menos oneroso e mais bem estudado, contra o qual se fazem as comparações nas investigações clínicas. Apresenta eficácias analgésica e antitérmica (ver item 2.1 – Analgésicos e antipiréticos), antiinflamatória e antiplaquetária (ver item 13.3 – Medicamentos usados em cardiopatia isquêmica). Necessitam-se doses mais altas (3 a 4 g) para obter efeito antiinflamatório equivalente ao dos outros AINE no tratamento de doenças inflamatórias articulares ativas. Porém apresenta menor conveniência ao paciente (administrações a cada seis horas) e mais efeitos adversos do que outros AINE não-seletivos, e seu uso crônico pode causar quadro de salicilismo quando a salicilemia está entre 200 e 450 microgramas/mL de plasma. Manifesta-se por zumbidos, confusão e surdez que podem ser controlados por redução de dosagem. Ocorre mais freqüentemente em crianças e idosos. Em revisão sistemática Cochrane, ácido acetilsalicílico comparado a placebo mostrou NNT de 4,4 (IC 95% 4-4,9), 4 (IC 95% 3,2-5,4) e 2,4 (IC 95% 1,9-3,2) para 50% de alívio em dor pós-operatória com doses de 600/650 mg, 1.000 mg e 1.200 mg, respectivamente. Mesmo em dose única de 600/650 mg produziu significativamente mais tontura e irritação gástrica do que placebo, com NND de 28 e 38, respectivamente. Portanto, há nítida correlação dose-resposta. O alívio da dor obtido com ácido acetilsalicílico é muito similar, miligrama por miligrama, ao de paracetamol.
Ibuprofeno é derivado do ácido propiônico com propriedades analgésica e antitérmica (ver item 2.1 – Analgésicos e antipiréticos), além da antiinflamatória, embora mais fraca101. Foi selecionado dentre diferentes AINEs por ter menor perfil de efeitos indesejáveis. Metanálise57 de 11 estudos de casos e controles e de um estudo de coorte mostrou que ibuprofeno (1.200 mg/dia) foi significativamente menos tóxico que outros AINE. Necessitam-se doses diárias mais altas (1,6 a 2,4 g) para obter efeito antiinflamatório em doenças como artrite reumatóide e gota104.
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