KNNEDY ALENCAR
BRASÍLIA
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O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, acertou ao se reunir com advogados das empresas acusadas na Operação Lava Jato. É uma atitude correta e que deve ser feita com transparência.
Nesse sentido, é um exagero o pedido de demissão de Cardozo feito numa rede social pelo ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa. Numa democracia, Barbosa tem o direito de emitir a sua opinião, mesmo que ela seja exagerada.
Barbosa comentou reportagens que mostraram que Cardozo recebeu advogados das empresas acusadas na Operação Lava Jato. Exemplo: representantes da Odebrecht.
É tarefa de um ministro da Justiça receber advogados, ainda mais de uma grande empresa citada na operação Lava Jato. Cardozo chefia a Polícia Federal, órgão do Ministério da Justiça e que faz parte da força-tarefa da Operação Lava Jato.
Até hoje, Cardozo tem recebido mais críticas do PT e de colegas do governo por dar liberdade à Polícia Federal do que por uma eventual intromissão na investigação.
O ministro tem agido corretamente ao não tentar controlar a Polícia Federal. Receber advogados de uma empreiteira não é crime. Um ministro da Justiça tem de estar informado sobre o que acontece na sua área. O fundamental é dar transparência a esses encontros. Deixar claro na agenda oficial que recebeu tais pessoas, para evitar suspeitas e teorias da conspiração.
É legítimo o governo se preocupar com os efeitos econômicos da Lava Jato. Na semana passada, funcionários de uma obra interrompida pela Petrobras fecharam a ponte Rio-Niterói. Uma grande empreiteira demitiu boa parte de seu pessoal de escritório. As empresas devem responder por seus erros, com as multas e a responsabilidade penal devidas.
Mas a simples destruição das companhias não interessa ao país. É preciso ter uma visão equilibrada dos fatos e de suas consequências. Desmantelar um setor da economia vai resultar em desemprego desnecessário.
*
Qualquer intervenção indevida tentada pelo governo se tornaria pública rapidamente. Não duraria o segredo de um eventual acordão por baixo dos panos. O escândalo é grave demais para ser tratado na sombra.
O correto é o governo tratar com transparência a sua preocupação com os efeitos econômicos da Lava Jato e com a sobrevivência das empresas. Um acordo teria de envolver o Executivo, a Justiça, o Ministério Público e o TCU (Tribunal de Contas).
Sobre a versão de que Cardozo teria dito que depois do Carnaval poderia haver uma guinada na Lava Jato, isso se deve à expectativa em relação à manifestação do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
A presidente Dilma Rousseff tem a esperança de que Janot, ao eventualmente acusar uma fornada de políticos, divida os desgastes da Lava Jato. Janot também fará o primeiro grande filtro do trabalho do juiz Sergio Moro.
Ao longo da Lava Jato, houve vazamentos e divulgação oficial de alguns depoimentos. Temos uma visão parcial dos fatos. Com Janot, saberemos quais políticos com foro privilegiado poderão responder a inquérito ou processo no Supremo Tribunal Federal. Nos bastidores, há rumores de que nomes de peso da oposição também estariam na lista de Janot. O escândalo não feriria apenas partidos governistas. Será preciso aguardar o fim da Carnaval para matar a curiosidade.
Advogado denúncia Lava Jato: "estamos no processo eleitoral do terror"
Advogado Elias Mattar Assad, um dos maiores criminalistas do Paraná, critica, em entrevista, a condução da Operação Lava Jato; "Uma confissão não espontânea é comparável à tortura. Se a confissão tem que ser espontânea, a delação também"; segundo ele, "ninguém pode ser réu e testemunha num mesmo processo", pois o acusado não tem credibilidade
Por redação, com Brasil 24/7
Ele não defende nenhum réu da Operação Lava Jato, mas foi o único a condenar publicamente, há alguns anos, o acordo de delação premiada que leva alguém suspeito sob o olhar do Estado, segundo ele sem credibilidade, a envolver outras pessoas no mesmo caso. Para o advogado criminalista Elias Mattar Assad, “ninguém pode ser réu e testemunha ao mesmo tempo”.
Ele admitiu, em entrevista ao 247, a prática de se mostrar uma lista com nomes de pessoas para que sejam delatadas por réus que firmaram acordo de delação premiada. “Essa listagem que passam com os nomes é imoral e tira a naturalidade da própria delação, porque não é mais uma delação espontânea. Uma confissão não espontânea é comparada à tortura. É um negócio, uma espécie de leilão, você leiloa sua palavra”.
Especificamente sobre a Lava Jato, ele afirmou acreditar na “boa intenção” do juiz Sergio Moro e disse considerar a investigação “um marco histórico no direito brasileiro”. “Não vou tirar os méritos [da investigação] de maneira alguma, mas poderíamos atingir resultados idênticos sem determinados excessos”, avaliou. Ele acredita que já vínhamos nesse caminho desde a Ação Penal 470, o chamado ‘mensalão’, “mas hoje, na prática, estamos partindo para uma era de ‘verdade absoluta'”.
“O perigo disso é que nós estamos inaugurando uma nova fase no processo penal brasileiro onde o Ministério Público acusa formalmente, o juiz acusa e agora o réu se autoacusa e acusa terceiros. Conclusão: estamos inaugurando uma era do processo penal onde só tem acusação. Inclusive do réu. Estamos no processo penal do terror”. O criminalista questiona, por exemplo, “em nome de que princípio que aquela pessoa deixou de ser ‘bandido’, ‘criminoso’, e passou a ser um auxiliar do Ministério Público?”
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Em 2012, o senhor declarou que a democracia estaria sob suspeita e que a delação premiada teria tomado caminhos de injustiça sonora e gritante. Como o senhor tem visto os acordos de delação premiada no âmbito da Operação Lava Jato atualmente?
Eu fui presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas. E a minha impressão é a seguinte: ninguém pode ser réu e testemunha ao mesmo tempo, na minha opinião. Estamos emprestando fé pública à palavra do réu como se ela fosse verdade absoluta. Eu tenho algumas restrições sobre isso. O Supremo Tribunal Federal da Alemanha, no tempo do Reich alemão, Segunda Guerra Mundial para a frente, também dizia isso. Ninguém pode ser réu e testemunha simultaneamente num mesmo processo. Qual a conclusão? Se o Estado aponta o canhão dele para um cidadão, então já está colocando aquela pessoa sob “suspeição”. Nesse momento, a credibilidade é colocada em dúvida pelo próprio Estado.
Daí para frente fica uma situação assim: essa pessoa vem ao processo e diz o seguinte: ‘olha, eu realmente pratiquei este crime, está aqui a prova contra mim, o depósito bancário etc. Agora tem um detalhe: tem uma outra pessoa que participou também’. E assim ele [o réu] aponta o dedo para nós. Caímos em desgraça imediatamente. Se essa pessoa estivesse realmente bem intencionada, faria então uma delação prévia, ou seja, ela teria ido à Justiça antes de todo mundo. Essa pessoa, sim, daria credibilidade. Como a ex-gerente da Petrobras Venina Velosa da Fonseca. Ela tem como dizer que alertou. Essa seria uma hipótese.
O que acontecia exatamente com seu cliente?
É um mundo novo, subterrâneo, desconhecido. É um corpo errante em busca de almas. Existe um princípio judiciário que prevê que uma pessoa acusada procura envolver o maior número possível de pessoas porque ela pensa que está dividindo a culpa com essas pessoas. É psicológico. Mas isso não acontece. Essas pessoas que ela envolve vão responder tanto quanto ela, a culpa não se divide.
Existe mesmo a chamada “delação premiada à la carte”, quando se oferece uma lista de possíveis pessoas envolvidas ao delator?
Essa listagem que passam com os nomes é imoral e tira a naturalidade da própria delação, porque não é mais uma delação espontânea. Uma confissão não espontânea é comparada à tortura. Se a confissão tem que ser espontânea, penso eu que a delação também, se não tira a naturalidade. E essa fonte não é mais confiável. É um negócio, uma espécie de leilão, você leiloa sua palavra. Isso tudo tem que ser enfrentado pela imprensa, pela ciência jurídica, porque do jeito que está hoje está desequilibrado.
O senhor disse também em 2012, sobre um caso de um cliente, que teria escrito ao ministro da Justiça para denunciar os processos. O que havia na carta?
Na época eu defendi um funcionário público que trabalhava no porto de Paranaguá, ele era fiscal da Receita. Recebeu uma acusação de que tinha problemas com exportações, golpe de seguros, e acabou envolvido no problema. Só que ele negava autoria, dizia que havia um equívoco. Ele estava preso, na época, em maio de 2005, e o ministro da Justiça era o Marcio Thomaz Bastos.
Eu fui visitá-lo na prisão e ele me contou que dois agentes federais o visitaram na cela, queriam que ele fizesse delação. ‘Mas eu não tenho a quem delatar, não participei de nada’, ele dizia. Depois descobri que eram delegados da PF. Então eu protocolei uma carta ao ministro da Justiça dizendo algo na linha “se não tiver alternativa, mande uma lista, uma história com os nomes que eu devo delatar”. Foi um alerta para dizer: se a pessoa quiser confessar, é um direito dela, ter uma pena maior, só que tem que ser espontâneo”.
Qual sua opinião especificamente sobre a Operação Lava Jato?
Eu acredito que nós estamos inaugurando uma nova fase no processo penal brasileiro em que o MP acusa formalmente, o juiz acusa e agora o réu se auto-acusa e acusa terceiros. Conclusão: estamos inaugurando uma era do processo penal onde só tem acusação. Inclusive do réu. A defesa, a autodefesa que o réu tinha direito, a defesa técnica, é fruto de países juridicamente cultos, é tido como uma conquista, a amplitude. E onde está ela aí? Na minha opinião, estamos no processo penal do terror. A mera acusação já expõe uma pessoa, mas alguém com dedo em riste aponta e tudo desmorona, no segundo seguinte. A minha preocupação é onde fica o princípio da Constituição da presunção de inocência e da amplitude de defesa. É um instrumento de terror político e social.
Já tinha isso na Ação Penal 470, já estávamos nesse caminho, mas hoje, na prática, estamos partindo para uma era de “verdade absoluta”. Em nome do que também que deixam de aplicar a lei penal em relação a ele (ao réu)? Em nome de que princípio que aquela pessoa deixou de ser “bandido”, “criminoso”, e passou a ser um auxiliar do Ministério Público?
Claro que é bom investigar, apurar o que está acontecendo. Eu prezo a serenidade da investigação, o juiz tem que ser imparcial e conduzir serenamente o processo criminal. Uma pessoa só pode ser culpada depois de condenada, e hoje o que acontece é que ela já é culpada. Considero a Lava Jato um marco histórico no direito brasileiro, não vou tirar os méritos de maneira alguma, mas poderíamos atingir resultados idênticos sem determinados excessos.
Ele admitiu, em entrevista ao 247, a prática de se mostrar uma lista com nomes de pessoas para que sejam delatadas por réus que firmaram acordo de delação premiada. “Essa listagem que passam com os nomes é imoral e tira a naturalidade da própria delação, porque não é mais uma delação espontânea. Uma confissão não espontânea é comparada à tortura. É um negócio, uma espécie de leilão, você leiloa sua palavra”.
Especificamente sobre a Lava Jato, ele afirmou acreditar na “boa intenção” do juiz Sergio Moro e disse considerar a investigação “um marco histórico no direito brasileiro”. “Não vou tirar os méritos [da investigação] de maneira alguma, mas poderíamos atingir resultados idênticos sem determinados excessos”, avaliou. Ele acredita que já vínhamos nesse caminho desde a Ação Penal 470, o chamado ‘mensalão’, “mas hoje, na prática, estamos partindo para uma era de ‘verdade absoluta'”.
“O perigo disso é que nós estamos inaugurando uma nova fase no processo penal brasileiro onde o Ministério Público acusa formalmente, o juiz acusa e agora o réu se autoacusa e acusa terceiros. Conclusão: estamos inaugurando uma era do processo penal onde só tem acusação. Inclusive do réu. Estamos no processo penal do terror”. O criminalista questiona, por exemplo, “em nome de que princípio que aquela pessoa deixou de ser ‘bandido’, ‘criminoso’, e passou a ser um auxiliar do Ministério Público?”
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Em 2012, o senhor declarou que a democracia estaria sob suspeita e que a delação premiada teria tomado caminhos de injustiça sonora e gritante. Como o senhor tem visto os acordos de delação premiada no âmbito da Operação Lava Jato atualmente?
Eu fui presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas. E a minha impressão é a seguinte: ninguém pode ser réu e testemunha ao mesmo tempo, na minha opinião. Estamos emprestando fé pública à palavra do réu como se ela fosse verdade absoluta. Eu tenho algumas restrições sobre isso. O Supremo Tribunal Federal da Alemanha, no tempo do Reich alemão, Segunda Guerra Mundial para a frente, também dizia isso. Ninguém pode ser réu e testemunha simultaneamente num mesmo processo. Qual a conclusão? Se o Estado aponta o canhão dele para um cidadão, então já está colocando aquela pessoa sob “suspeição”. Nesse momento, a credibilidade é colocada em dúvida pelo próprio Estado.
Daí para frente fica uma situação assim: essa pessoa vem ao processo e diz o seguinte: ‘olha, eu realmente pratiquei este crime, está aqui a prova contra mim, o depósito bancário etc. Agora tem um detalhe: tem uma outra pessoa que participou também’. E assim ele [o réu] aponta o dedo para nós. Caímos em desgraça imediatamente. Se essa pessoa estivesse realmente bem intencionada, faria então uma delação prévia, ou seja, ela teria ido à Justiça antes de todo mundo. Essa pessoa, sim, daria credibilidade. Como a ex-gerente da Petrobras Venina Velosa da Fonseca. Ela tem como dizer que alertou. Essa seria uma hipótese.
O que acontecia exatamente com seu cliente?
É um mundo novo, subterrâneo, desconhecido. É um corpo errante em busca de almas. Existe um princípio judiciário que prevê que uma pessoa acusada procura envolver o maior número possível de pessoas porque ela pensa que está dividindo a culpa com essas pessoas. É psicológico. Mas isso não acontece. Essas pessoas que ela envolve vão responder tanto quanto ela, a culpa não se divide.
Existe mesmo a chamada “delação premiada à la carte”, quando se oferece uma lista de possíveis pessoas envolvidas ao delator?
Essa listagem que passam com os nomes é imoral e tira a naturalidade da própria delação, porque não é mais uma delação espontânea. Uma confissão não espontânea é comparada à tortura. Se a confissão tem que ser espontânea, penso eu que a delação também, se não tira a naturalidade. E essa fonte não é mais confiável. É um negócio, uma espécie de leilão, você leiloa sua palavra. Isso tudo tem que ser enfrentado pela imprensa, pela ciência jurídica, porque do jeito que está hoje está desequilibrado.
O senhor disse também em 2012, sobre um caso de um cliente, que teria escrito ao ministro da Justiça para denunciar os processos. O que havia na carta?
Na época eu defendi um funcionário público que trabalhava no porto de Paranaguá, ele era fiscal da Receita. Recebeu uma acusação de que tinha problemas com exportações, golpe de seguros, e acabou envolvido no problema. Só que ele negava autoria, dizia que havia um equívoco. Ele estava preso, na época, em maio de 2005, e o ministro da Justiça era o Marcio Thomaz Bastos.
Eu fui visitá-lo na prisão e ele me contou que dois agentes federais o visitaram na cela, queriam que ele fizesse delação. ‘Mas eu não tenho a quem delatar, não participei de nada’, ele dizia. Depois descobri que eram delegados da PF. Então eu protocolei uma carta ao ministro da Justiça dizendo algo na linha “se não tiver alternativa, mande uma lista, uma história com os nomes que eu devo delatar”. Foi um alerta para dizer: se a pessoa quiser confessar, é um direito dela, ter uma pena maior, só que tem que ser espontâneo”.
Qual sua opinião especificamente sobre a Operação Lava Jato?
Eu acredito que nós estamos inaugurando uma nova fase no processo penal brasileiro em que o MP acusa formalmente, o juiz acusa e agora o réu se auto-acusa e acusa terceiros. Conclusão: estamos inaugurando uma era do processo penal onde só tem acusação. Inclusive do réu. A defesa, a autodefesa que o réu tinha direito, a defesa técnica, é fruto de países juridicamente cultos, é tido como uma conquista, a amplitude. E onde está ela aí? Na minha opinião, estamos no processo penal do terror. A mera acusação já expõe uma pessoa, mas alguém com dedo em riste aponta e tudo desmorona, no segundo seguinte. A minha preocupação é onde fica o princípio da Constituição da presunção de inocência e da amplitude de defesa. É um instrumento de terror político e social.
Já tinha isso na Ação Penal 470, já estávamos nesse caminho, mas hoje, na prática, estamos partindo para uma era de “verdade absoluta”. Em nome do que também que deixam de aplicar a lei penal em relação a ele (ao réu)? Em nome de que princípio que aquela pessoa deixou de ser “bandido”, “criminoso”, e passou a ser um auxiliar do Ministério Público?
Claro que é bom investigar, apurar o que está acontecendo. Eu prezo a serenidade da investigação, o juiz tem que ser imparcial e conduzir serenamente o processo criminal. Uma pessoa só pode ser culpada depois de condenada, e hoje o que acontece é que ela já é culpada. Considero a Lava Jato um marco histórico no direito brasileiro, não vou tirar os méritos de maneira alguma, mas poderíamos atingir resultados idênticos sem determinados excessos.
Confira o artigo original no Portal Metrópole: http://www.portalmetropole.com/2015/02/advogado-denuncia-lava-jato-estamos-no.html#ixzz3S3V5Ual9
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