A cobertura das maifestações pelos veículos do grupo reafirma a opção
da emissora pela chamada governabilidade. Para a Globo, manter um
governo petista em frangalhos pode ser um bom negócio
Antonio Cruz / Agência Brasil
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e João Roberto Marinho, em abril: ele não tem os mesmos interesses da emissora
Por Gustavo Gindre*
Muita gente
estranhou o recente comportamento da Globo, depois de uma conversa de
dirigentes da empresa com senadores petistas. O grupo passou a moderar
sua cobertura do governo Dilma e, em editorial do jornal impresso O Globo,
chegou a pedir que as forças políticas atuem em prol da
governabilidade. Da surpresa surgiram diversas explicações
estapafúrdias. De um lado, petistas achando que a Globo teria se rendido
à força dos governos do PT. De outro lado, nas passeatas deste domingo
16, houve quem dissesse que a Globo era comunista.
Na verdade, não
deveria haver surpresa alguma. A Globo faz o que sempre fez. Atua a
favor de seus próprios interesses, quase como se fosse um partido
político. Traça uma estratégia, analisa a conjuntura e faz alianças de
curto, médio e longo prazo. E a cobertura da emissora dos protestos
deste final de semana não nega este raciocínio.
No segundo mandato de Dilma, quando percebeu que a Operação Lava Jato
teria potencial para derrubar o governo, a Globo chegou a flertar com a
hipótese de impeachment. Com isso, seus noticiários recrudesceram a
cobertura e a ordem, aos seus obedientes jornalistas, era criticar o
governo de todos os modos possíveis. Mas a Globo se assustou, tanto com o
crescimento de Eduardo Cunha quanto com o festival de posições reacionárias ensandecidas que foi às ruas contra o governo.
No caso de Cunha,
preocupa tanto sua ligação com o pentecostalismo (do qual a Globo nunca
foi muito próxima) quanto o fato de ele parecer ter agenda própria,
descolada do establishment da política nacional – além de fazer política
com o fígado.
A última experiência
da Globo em apoiar alguém com um perfil semelhante (Collor) acabou não
sendo boa para os interesses dos Marinho. Collor se virou contra a
emissora, que o criara como “caçador de marajás”, tentou articular a
construção de um império próprio nas comunicações e acabou apeado do
poder com ajuda fundamental da própria Globo. Outra iniciativa deste
tipo só será tentada se não houver alternativas, o que não é o caso.
Foi, então, que a
Globo concluiu que manter um governo petista em frangalhos pode ser um
bom negócio. Frágil, lutando para sobreviver, o governo Dilma pode
aceitar uma agenda imposta de fora para dentro, que acentue a virada
liberal iniciada com a chegada de Levy ao governo. Ficariam na conta do
governo Dilma as políticas impopulares dessa virada liberal, o que de
resto teria a vantagem de liquidar as chances de um novo governo petista
em 2018.
Plano B
Ao mesmo tempo
que aposta na governabilidade, a Globo sabe que mais denúncias da Lava
Jato podem acabar inviabilizando de vez o governo Dilma. Aí é necessário
construir um plano B. A alternativa seria um governo Temer,
absolutamente submisso aos interesses do grande capital, defendidos pela
Globo. Mas, para que Temer possa governar com tranquilidade, é preciso
neutralizar Eduardo Cunha. Para isso, foi escalado o presidente do
Senado, Renan Calheiros. A Globo conta, também, que a Operação Lava Jato
acabe, enfim, alcançando também o presidente da Câmara.
Contribui ainda para
a análise da Globo a percepção de que os tucanos não conseguiram
galvanizar a crise do governo Dilma e acabaram a reboque da
extrema-direita, que tomou as ruas. Definitivamente, o PSDB foi uma
decepção para os interesses defendidos pela Globo.
O que impressiona mesmo é que o restante dos grandes grupos de mídia (exceto a Record) não consiga ter uma agenda própria e, nos momentos críticos, abaixe a cabeça e siga o rumo definido pelos Marinho. No fundo, eles reconhecem seu caráter ancilar e o predomínio avassalador da Globo.
História
Para entender o
comportamento da Globo, é preciso analisar um pouco de nossa história
recente. Até a década de 70, a imprensa brasileira era criada a partir
de interesses da vida partidária. Havia o jornal getulista, o periódico
lacerdista, etc. Mas o surgimento da TV Globo muda esse cenário.
Já no início
dos anos 70, setores dentro da ditadura começaram a se preocupar com o
crescimento da Globo e com o fato de que ela viesse a construir uma
agenda própria, não necessariamente dependente dos militares. Esses
setores acabaram derrotados por aliados da Globo, como o então Ministro
da Justiça, Armando Falcão, e a Globo teve carta branca para crescer,
com todo o apoio, inclusive financeiro, do Estado brasileiro.
A Globo ainda chegou
a retribuir o apoio da ditadura no caso Proconsult e na cobertura das
Diretas Já, mas pagou caro, sendo hostilizada nas ruas. Desde então, o
grupo percebeu a utilidade de ter uma agenda própria. Foi assim, por
exemplo, que a Globo apoiou a Nova República e recebeu em troca o
Ministério das Comunicações, dado ao homem de confiança, Antônio Carlos
Magalhães (o único ministro civil escolhido por Tancredo que ficou até o
final do governo Sarney, demonstrando a força dos Marinho).
Mas, veio, então, a
opção Collor, que se revelou um desastre. Collor usou laranjas para
comprar a TV Manchete, construir a OM (hoje uma pálida sombra chamada
CNT) e a TV Jovem Pan, e ajudou Edir Macedo a montar a Record.
Obviamente a Globo percebeu a movimentação de Collor e PC Farias e
entrou de vez na canoa da oposição, definindo o jogo a favor do
impeachment.
Sob a direção dos
filhos de Roberto Marinho, mais pragmáticos que o pai, a Globo percebeu a
vantagem de não tentar movimentos bruscos, aceitar alguns fatos da
política e procurar tirar vantagem deles. Foi assim que “aceitou” a
vitória de Lula em 2002, mas tratou de garantir que seus interesses não
seriam afetados. A ida de Luiz Inácio ao Jornal Nacional, logo após a vitória, sinalizou que o novo mandatário havia entendido o recado.
Em 2006, no auge do
"mensalão", a Globo novamente demonstrou como atua na política. Bateu
bastante no governo. Não ao ponto de criar uma crise institucional ou de
inviabilizar a reeleição de Lula. Mas, o suficiente para que o
presidente nomeasse um ex-empregado da Globo como Ministro das
Comunicações (Hélio Costa), acatando todas as demandas da empresa e
garantindo um decreto presidencial para a transição à TV digital que
liquidou qualquer expectativa democratizante. A Globo trocou
inteligentemente a reeleição de Lula pela manutenção de seu absoluto
predomínio na TV aberta (ainda a galinha dos ovos de ouro).
E assim chegamos às
eleições de 2014. Em 2012 (R$ 2,9 bilhões), 2013 (R$ 2,6 bilhões) e 2014
(R$ 2,3 bilhões), mesmo com a crise econômica, a Globo teve
sucessivamente o maior lucro líquido de uma empresa de capital fechado
no Brasil. Ficou para trás o período do início dos anos 2000, onde a
empresa dos Marinho quase quebrou. A Globo hoje é uma potência econômica
sem paralelo nas comunicações brasileiras. Nunca houve um grupo de
mídia com tanto poder político e econômico.
Seu único desafio é o cenário de convergência, que atrai ainda mais grupos estrangeiros e aumenta a influência da internet.
Mas, na política,
não há com que se preocupar, especialmente com um governo fraco. Foi por
isso que, ao contrário do que pensavam alguns petistas, a Globo não
usou o Jornal Nacional da véspera do domingo do
segundo turno para tentar uma bala de prata contra Dilma. Por que a
Globo se arriscaria a tanto? O que ela teria a perder com Dilma no
poder? A resposta vem sendo dada agora, com a atual crise: nada!
O que vivemos hoje é a
consequência da opção dos sucessivos governos do PT em compor com os
interesses dos grandes grupos de mídia e não alterar a estrutura do
sistema midiático brasileiro; em não enfrentar a agenda da regulação das comunicações; em aceitar tacitamente a mentira de que um novo marco regulatório seria uma forma de censura.
Agora, acuado pelas
crises econômica e política, não há muita esperança de que este governo
venha a adotar qualquer iniciativa para quebrar a nefasta influência que
a Globo exerce sobre a política nacional. Ao contrário, o governo é
cada vez mais refém dos interesses dos Marinho e busca apenas a sua
sobrevivência até 2018.
Aos militantes em
prol da democratização da comunicação, cabe a tarefa de manter viva essa
luta e seguir acreditando que um dia acertaremos e será cumprida essa tarefa imprescindível para a efetiva construção de nossa democracia. Apesar da Globo.
* Gustavo Gindre é jornalista e integrante do Intervozes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário