Hoje encerra-se oficialmente um ciclo político no país: o da intolerância. Multidões ainda sairão às ruas como renas amestradas. Baterão panelas atrás do impeachment e cabeças atrás de ideias. E não terão nem uma, nem outra.
Gradativamente a grande besta será recolhida de volta à jaula pela ação combinada de lideranças políticas efetivas de ambos os lados, grupos econômicos e grupos de mídia.
Em parte, devido à conclusão de que o petismo foi definitivamente derrotado. Se acabou ou não, o futuro dirá. Mas, neste momento, jogar mais lenha na fogueira seria passar o bastão para os piromaníacos e não se ter mais o controle da turba. O atentado contra o Instituto Lula é a prova definitiva da marcha da insensatez.
Em parte, devido ao fato de que o PSDB se derrotou, morreu enforcado nas tripas do PT.
Nesta data magna de 16 de agosto de 2015, o bipartidarismo que, desde a Constituição de 1988, dominou a vida pública do país, definitivamente se esgotou.
O PT tornou-se uma militância sem partido, atrás de uma nova utopia. O PSDB, o estuário de uma turba vociferante e anacrônica, deixando órfã a classe média esclarecida que um dia nele acreditou.
A dificuldade com a nova utopia
O que virá daqui para frente é uma incógnita.
Haverá enorme dificuldade em se criar uma nova utopia, em superar os paradoxos e as hipocrisias reveladas pela Lava Jato - pelo que ela mostrou, pelo que vazou e pelo que até agora escondeu.
A primeira hipocrisia é da suposta diferenciação entre os políticos.
São iguais, embora com agendas distintas.
FHC e Lula construíram uma imagem em cima de um projeto de país amparados, de lado a lado, por forças sociais ou econômicas expressivas. Essa imagem, os relacionamentos construídos no exercício do poder, no entanto, passaram a ser tratados como ativos individuais. FHC tornou-se o queridinho dos mercados; Lula, o campeão do Terceiro Mundo. Ambos transformaram essa influência em negócios lucrativos legais, tornando-se milionários.
Não se está aqui condenando-os ou pressupondo qualquer ilegalidade. Portaram-se como ex-presidentes dos EUA, ex-primeiros ministros do Reino Unido e da França. Está-se apenas mostrando o jogo político em um país de economia de mercado, o paradoxo do representante dos pobres e desassistidos comportando-se como um empreendedor capitalista; e as publicações que mais enaltecem o mercado condenando-os, como se fossem defensoras do que elas chamam de pobrismo.
Perto do feito político de tirar 50 milhões de brasileiros da linha da miséria, é picuinha.
Mas qual o pedaço de Lula que mais encantou presidentes norte-americanos, de George Bush Jr. a Barack Obama? O mito do sujeito que saiu da extrema pobreza e venceu, a mítica do herói norte-americano, em contraposição à elite decadente europeia.
Lula é a encarnação do sonho norte-americano, como um Abraham Lincoln, não a utopia bolivariana, como José Mujica. Por motivos opostos, Bush Jr não escondia a antipatia por FHC, visto como o intelectual pedante que nunca teve que lutar pela sobrevivência pessoal ou política.
O balanço do estrago
No final da tarde, quando a passeata terminar e a besta, as panelas e o ódio forem recolhidos, começará o duro reencontro do país consigo mesmo.
Jornais e TVs deixarão de recriar o clima de fim de mundo. Ontem, aliás, após ajudar a desmontar setores com centenas de milhares de empregos, o Jornal Nacional resolveu recriar a esperança, em cima do micro-exemplo de uma micro-empreendedora que criou um negócio com um funcionário e agora já tem três.
É o milagre da hipocrisia de massa.
Com o ódio refluindo, a Lava Jato ainda terá tempo de provar se é um poder autônomo ou um poder autorizado pela mídia. A prova do pudim será José Serra.
A esquerda terá que se reinventar. Os que ainda alimentam a utopia de que a economia de mercado não é irreversível se abrigarão em partidos menores. O PT - e Lula - terão o enorme desafio de se reinventar, mais facilmente Lula, mais dificilmente o PT.
Em 2018 é mais provável ter-se um Lulismo - na forma de frente ampla - substituindo o PT, cuja expressão final é a cara insípida, inodora e sem emoção de seu presidente Rui Falcão. Os movimentos sociais, que amam e continuarão amando Lula, encontrarão abrigo nessa frente ampla, social-democrata. Os que ainda acreditam na utopia socialista, irão para partidos menores.
No outro extremo, o ódio da direita será a última herança de Aécio Neves. Aécio é tão tolo e despreparado que ainda não entendeu que o que acreditava ser a tomada da Bastilha era apenas a última passeata da Ilha Fiscal. Terminará recluso em algum castelo encantado de Linchenstein, cercado por um convescote de sábios, dentre os quais de destacarão Ronaldo Caiado, Aloyzio Nunes, Carlos Sampaio, e no qual as ideias serão proibidas de entrar (coloquei Nunes de sacanagem: ele, como um pitbull esperto, está tão louco para pular do barco que até conseguiu conter a fala raivosa).
Daqui até 2018 Dilma Rousseff terá tempo para governar.
Obviamente, esse romance foi escrito em cima dos personagens atuais. Há muita água e lama a rolar até 2018. Tentar adivinhar é um desafio que nenhuma ficção ousará enfrentar.
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