A saída de José Eduardo Cardozo do Ministério da Justiça
deveria servir a um debate construtivo, se isso existisse no Brasil,
sobre a Polícia Federal de que o Brasil precisa. Tal debate passaria
pelos limites da independência do órgão, questão que está na raiz dos
conflitos entre o ministro e seu partido, e outras atribuições de uma
Polícia Federal necessária, que deve combater a corrupção mas também
servir às diretrizes do governo no combate a crimes como tráfico de
drogas, de armas, de bens da biodiversidade etc.
Hoje, divulgada a saída do ministro, a entidade que congrega os delegados federais emitiu nota em que se dizem “extremamente preocupados”, temendo que a troca de titular na Justiça ameace a independência da PF nas investigações. A nota é um reconhecimento tácito de que sob Cardozo houve independência total, ou quase, porque no final ela diz que o próximo objetivo da PF é obter a completa autonomia financeira em relação ao Ministério da Justiça. “Autonomia financeira é poder mandar 40 policiais para uma operação sem precisar pedir autorização do Ministério”, termina a nota.
Nem a absoluta independência operacional nem a autonomia financeira da PF estão na Constituição. Com o tempo, e especialmente com a complacência dos governos petistas, que se esforçaram para explicitar seu “republicanismo”, deixando-a operar livremente, a PF foi se tornando um corpo autônomo dentro do Estado brasileiro. E antes que alguém me acuse de defender sua submissão ao governo ou alívio no combate à corrupção, vamos esclarecer as coisas.
Nos termos da Constituição, a PF pode ser convocada pelo Ministério Público ou pela Justiça para agir como Polícia Judiciária. E nesta condição deve atuar com independência e sintonia com estes poderes, e não com o Executivo. Ou seja, se o procurador ou o juiz mandar prender, o ministro da Justiça não pode dar contra-ordem. Como Polícia Judiciária, ela deve cumprir ordens dos outros poderes (MP e Judiciário) e não ter uma política própria de ação (o que tem gerado conflitos com os procuradores).
Entretanto, a Polícia Federal, à luz da Constituição, é também um braço do Poder Executivo para dar conta de outras tarefas. Alguém já viu a PF colocar 40 policiais numa operação para subir o Morro do Alemão numa ação contra o tráfico de drogas? Não. E no entanto, combater o narcotráfico é atribuição dela. Garantir a segurança de eventos internacionais também, mas como o órgão tornou-se conflitivo com o Executivo, as Forças Armadas é que desempenharam a tarefa na Copa, com a PF em papel secundário. O que o governo temeu qualquer um temeria. Que uma PF que não esconde seu oposicionismo fizesse corpo mole ou de alguma forma contribuísse para algum fiasco na área de segurança durante a Copa.
Algo está errado quando o organismo policial federal torna-se um opositor do governo a que deveria prestar serviços. Ou quando o governo perde a confiança no organismo de que teria que se valer para servir à sociedade. Afinal, quem financia a PF é a sociedade, com seus impostos. Imagine o FBI fazendo oposição aos ocupantes da Casa Branca! Imagine se o governo americano perde a confiança no FBI!
O que os policiais estão temendo, com a troca de ministro, é que lhes seja exigida a necessária subordinação hierárquica. Não para que deixem de combater a corrupção, mesmo quando envolva figuras do governo ou de partidos governistas. Mas para que seu diretor-geral tenha comando sobre a tropa e preste contas ao ministro. Cardozo, muitas vezes, não foi previamente informado de operações desencadeadas pela PF. Isso seria inadmissível em qualquer país, mas o atual ministro sempre se desculpou reafirmando seu respeito à independência da corporação. E assim, chegamos à situação atual, em que a PF faz o que quer, como quer, quando quer. Agora, não quer nem prestar contas de seus gastos, reivindicando total autonomia financeira, o que nenhum órgão do Estado possui, nem mesmo as estatais não-dependentes do orçamento da União.
Convenhamos. A PF é um organismo importante e necessário ao Brasil. Acumulou inteligência e competência. Serviu à ditadura, mas adaptou-se bem à democracia, nos primeiros tempos. Mas o Brasil precisa dela não apenas para combater a corrupção – a corrupção seletiva, de certos grupos, pessoas e partidos. Raramente surge, nos tempos correntes, notícia sobre uma importante operação da PF no combate a outros crimes, embora eles não faltem no Brasil. Máfias e gangues de diferentes matrizes estão soltas por aí.
O novo ministro, seja quem for, enfrentará os mesmos desafios. E já chegará sob a desconfiança de que foi escolhido para enquadrar a PF. O momento não contribui, mas em algum momento precisamos discutir e decidir sobre qual é mesmo a Polícia Federal que queremos.
Hoje, divulgada a saída do ministro, a entidade que congrega os delegados federais emitiu nota em que se dizem “extremamente preocupados”, temendo que a troca de titular na Justiça ameace a independência da PF nas investigações. A nota é um reconhecimento tácito de que sob Cardozo houve independência total, ou quase, porque no final ela diz que o próximo objetivo da PF é obter a completa autonomia financeira em relação ao Ministério da Justiça. “Autonomia financeira é poder mandar 40 policiais para uma operação sem precisar pedir autorização do Ministério”, termina a nota.
Nem a absoluta independência operacional nem a autonomia financeira da PF estão na Constituição. Com o tempo, e especialmente com a complacência dos governos petistas, que se esforçaram para explicitar seu “republicanismo”, deixando-a operar livremente, a PF foi se tornando um corpo autônomo dentro do Estado brasileiro. E antes que alguém me acuse de defender sua submissão ao governo ou alívio no combate à corrupção, vamos esclarecer as coisas.
Nos termos da Constituição, a PF pode ser convocada pelo Ministério Público ou pela Justiça para agir como Polícia Judiciária. E nesta condição deve atuar com independência e sintonia com estes poderes, e não com o Executivo. Ou seja, se o procurador ou o juiz mandar prender, o ministro da Justiça não pode dar contra-ordem. Como Polícia Judiciária, ela deve cumprir ordens dos outros poderes (MP e Judiciário) e não ter uma política própria de ação (o que tem gerado conflitos com os procuradores).
Entretanto, a Polícia Federal, à luz da Constituição, é também um braço do Poder Executivo para dar conta de outras tarefas. Alguém já viu a PF colocar 40 policiais numa operação para subir o Morro do Alemão numa ação contra o tráfico de drogas? Não. E no entanto, combater o narcotráfico é atribuição dela. Garantir a segurança de eventos internacionais também, mas como o órgão tornou-se conflitivo com o Executivo, as Forças Armadas é que desempenharam a tarefa na Copa, com a PF em papel secundário. O que o governo temeu qualquer um temeria. Que uma PF que não esconde seu oposicionismo fizesse corpo mole ou de alguma forma contribuísse para algum fiasco na área de segurança durante a Copa.
Algo está errado quando o organismo policial federal torna-se um opositor do governo a que deveria prestar serviços. Ou quando o governo perde a confiança no organismo de que teria que se valer para servir à sociedade. Afinal, quem financia a PF é a sociedade, com seus impostos. Imagine o FBI fazendo oposição aos ocupantes da Casa Branca! Imagine se o governo americano perde a confiança no FBI!
O que os policiais estão temendo, com a troca de ministro, é que lhes seja exigida a necessária subordinação hierárquica. Não para que deixem de combater a corrupção, mesmo quando envolva figuras do governo ou de partidos governistas. Mas para que seu diretor-geral tenha comando sobre a tropa e preste contas ao ministro. Cardozo, muitas vezes, não foi previamente informado de operações desencadeadas pela PF. Isso seria inadmissível em qualquer país, mas o atual ministro sempre se desculpou reafirmando seu respeito à independência da corporação. E assim, chegamos à situação atual, em que a PF faz o que quer, como quer, quando quer. Agora, não quer nem prestar contas de seus gastos, reivindicando total autonomia financeira, o que nenhum órgão do Estado possui, nem mesmo as estatais não-dependentes do orçamento da União.
Convenhamos. A PF é um organismo importante e necessário ao Brasil. Acumulou inteligência e competência. Serviu à ditadura, mas adaptou-se bem à democracia, nos primeiros tempos. Mas o Brasil precisa dela não apenas para combater a corrupção – a corrupção seletiva, de certos grupos, pessoas e partidos. Raramente surge, nos tempos correntes, notícia sobre uma importante operação da PF no combate a outros crimes, embora eles não faltem no Brasil. Máfias e gangues de diferentes matrizes estão soltas por aí.
O novo ministro, seja quem for, enfrentará os mesmos desafios. E já chegará sob a desconfiança de que foi escolhido para enquadrar a PF. O momento não contribui, mas em algum momento precisamos discutir e decidir sobre qual é mesmo a Polícia Federal que queremos.
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