"Dentro dos desmanches das conquistas civilizatórias do Brasil
desde a Constituição de 1988, sobressai a "diplomacia de patadas"
promovida por José Serra, demolindo esta reputação duramente erguida e
conquistada desde as complicadas questões do Prata durante o Império",
diz Flávio Aguiar sobre o que chama de "diplomacia das patadas e
pataquadas" de José Serra, o chanceler interino que tentou quebrar as
regras do Mercosul, mas teve sua proposta rechaçada pelo Uruguai;
segundo Aguiar; Serra "agride os governos sul-americanos, despreza a
África, corteja ostensivamente o que os Estados Unidos têm de pior,
promove a subserviência como valor em relação aos grandes e a
prepotência em relação aos pequenos, e assim vai promovendo o Brasil a
ator de segunda"
247 – Em
artigo publicado na Rede Brasil Atual, o colunista Flávio Aguiar
demonstra como o chanceler interino José Serra, que tentou implodir as
regras do Mercosul, mas teve sua proposta rechaçada pelo Uruguai (leia aqui), vem quebrando a tradição diplomática brasileira. Leia abaixo:
A diplomacia das patadas. Ou seriam pataquadas?
Por Flávio Aguiar, na Rede Brasil Atual
Sigamos algumas acepções
do Aurélio para o termo "diplomacia": "ciência ou arte das negociações";
"circunspecção e gravidade nas maneiras"; "delicadeza, finura";"astúcia
ou consumada habilidade com que se trata qualquer negócio".
Convenhamos, é tudo o que falta ao senador e ministro provisório das
Relações Exteriores, José Serra, que desde que se tornou o interventor
no Itamaraty, está implantando a sua "diplomacia das patadas".
A diplomacia brasileira
tem uma vasta tradição na arte de negociar. É respeitada no mundo
inteiro, por sua formação profissional e sua capacidade de estar
presente em todas as instâncias e circunstâncias. Na sua história, tem
nomes respeitáveis, desde mesmo antes de existir como tal, como no caso
de Alexandre de Gusmão, o artífice do Tratado de Madri e da teoria do uti possidetis que, na prática, quase triplicou a área ocupada pelo futuro Brasil.
Depois, em meio à
instabilidade do cargo (a sucessão de ministros era vertiginosa durante o
Império e os começos da República Velha) sucederam-se alguns nomes de
grande porte: os Rio Branco, Visconde e Barão, pai e filho, sendo que o
segundo ocupou o cargo durante oito anos, consolidando o
profissionalismo como marca da nossa diplomacia.
Além deles, Lauro Müller,
Otávio Mangabeira, Osvaldo Aranha, João Neves da Fontoura, José Carlos
de Macedo Soares, San Thiago Dantas, uma curiosa trinca ditatorial,
Gibson Barbosa, Azeredo da Silveira e Ramiro Saraiva Guerreiro – que
foram responsáveis pela mudança da política brasileira em relação à
África pós-colonial –, Celso Amorim. Posso até estar cometendo alguma
injustiça, esquecendo algum nome (Vicente Rao…).
Mas enfim, a lista é
longa e a tradição, respeitável. E respeitada no mundo inteiro.
Despossuído de Forças Armadas relevantes em escala mundial (apesar da
participação na Segunda Guerra), o Brasil sempre teve na diplomacia seu
exército de atuação no exterior.
Com poucas exceções. Uma
delas ocorre hoje: dentro dos desmanches das conquistas civilizatórias
do Brasil desde a Constituição de 1988, sobressai a "diplomacia de
patadas" promovida por José Serra, demolindo esta reputação duramente
erguida e conquistada desde as complicadas questões do Prata durante o
Império.
Atacando a torto e a
direita, sobretudo em nome da direita e de seu afã de atuar para uma
hipotética torcida local e provinciana, o ministro provisório vem
promovendo um show internacional completamente desagradável e despido
dos valores da diplomacia, cujo nome sugere, como diz o Aurélio,
circunspecção e comedimento.
Agride os governos
sul-americanos, despreza a África, corteja ostensivamente o que os
Estados Unidos têm de pior, promove a subserviência como valor em
relação aos grandes e a prepotência em relação aos pequenos, e assim vai
promovendo o Brasil a ator de segunda – talvez terceira – categoria no
cenário internacional, achando que está abafando a banca.
Original? Nem tanto. Tem
predecessores. Raul Fernandes, ministro no governo Dutra, que torrou as
reservas brasileiras em importações supérfluas, condicionou a política
externa brasileira aos ditames do lado norte-americano da Guerra Fria
então nascente, não reconheceu a URSS nem a China, em nome de obter
favores dos Estados Unidos que nunca se materializaram, já que foram
absorvidos pela prioridade do Plano Marshall.
Vasco Leitão da Cunha,
ministro de Mazzilli e de Castelo Branco, encarregado de desmontar a
Política Externa Independente de Jânio Quadros, João Goulart e San Tiago
Dantas, também em nome de favores norte-americanos que só se
materializaram no campo do auxílio à repressão.
Os esperados
investimentos internacionais, com a política subserviente de acolher os
tribunais e os juros estrangeiros como parâmetros da nossa dívida
externa, transformaram o "milagre brasileiro" no pesadelo posterior, que
pagamos até que o governo Lula liquidasse a dívida com o FMI.
Hoje, com o golpe em
curso, vivemos riscos semelhantes. Pelo afã do desmonte das políticas
públicas promovido pelo governo golpista, dá para medir o avanço
civilizatório que conseguimos desde 1988 e a brutal regressão que se
quer implantar aos idos anteriores a 1930.
Com a luta de foice no
escuro promovida entre os promotores do golpe: Temer e seus PMDBs
aloprados, PSDBs açodados, judiciários e PFs interessados em se promover
como salvadores da pátria, ideólogos do Instituto Millennium, a mídia
corporativa decadente, engolfada em perda de prestígio nacional e
internacional, verbas públicas e renda. No bastidor, setores das Foças
Armadas interessados em retomar a "liberdade perdida" desde 88...
Em meio a esta hecatombe,
"brilha" a estrela do senador Serra, candidato ao Oscar de pior
ministro de Relações Exteriores da história do Brasil. O ministro das
patadas, que vão se transformando em pataquadas.
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