5.16.2017

A faca, o queijo e a inapetência democrática


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Se Temer fosse apenas um presidente acidental, um vice empossado por força de um impeachment legal e inevitável,  uma elite política responsável não perderia a oportunidade que se abre agora para resolver a situação com seu afastamento do cargo.  Uma elite responsável trataria também de atender ao clamor dos mais de 90% da população que, segundo diferentes pesquisas, rejeitam Temer e querem escolher logo um novo presidente em eleição direta.  No julgamento que o TSE agora vai retomar, da ação que pede a cassação da chapa Dilma-Temer,  não faltam elementos para a cassação já pedida pelo ministro relator, Herman Benjamim, e pelo procurador-geral eleitoral,  Nicolau Dino.  Com Temer cassado, a elite responsável faria o Congresso aprovar uma emenda pela qual a eleição do sucessor não seria indireta (como prevê a constituição para o caso) e sim num pleito direto. Isso, se houvesse aqui uma elite política que merecesse este nome, e não o ajuntamento de políticos e de interesses que perpetrou o golpe e colocou Temer no cargo com a clara incumbência de colocar em prática uma agenda oposta à que foi aprovada pelas urnas em 2014, e de promover o desmonte das conquistas e avanços sociais originários da Carta de 1988.  Neste sentido, Temer não é um presidente acidental, mas providencial.
E por isso mesmo, para espanto de observadores externos, a elite política não fará do julgamento a oportunidade imperdível de restaurar a normalidade democrática.  Elementos não faltam ao processo para uma condenação.  O que falta a nossos dirigentes é o apetite democrático, a disposição para enfrentar o solavanco que haveria com a cassação de Temer, seguido porém da única solução verdadeira e sustentável para a crise, a eleição direta de um presidente que, seja quem for, imbuído de legitimidade, porá fim às incertezas e poderá, talvez, pacificar o país.  A sociedade civil é que poderia forçar a elite a abreviar a tragédia, com um movimento vigoroso combinando o Fora Temer e o Diretas já. A resistência tem se ampliado mas está longe ainda da força necessária para a imposição de uma ruptura do golpe consigo mesmo.
Temer, nos últimos dias, falou mais de uma vez em pacificação. Reconheceu que não conseguiu promovê-la, embora tenha dito, ao romper com Dilma, que alguém teria que pacificar o pais. Alguém, um dia, haverá mesmo de fazer isso, mas com certeza não será alguém sem voto e guindado por um golpe.
O que lhes sobra, às elites que já discutem uma solução para preservar o mandato de Temer, é o vezo autoritário, o apreço pelas soluções sem povo e o conforto de ter na presidência um presidente servil, que se gaba até mesmo da própria impopularidade, que não tem limites no seu descompromisso com o social e com o interesse nacional.  Para quê tirá-lo, se ele ainda pode ser tão útil?
Para mostrar-se útil, Temer corre com as reformas previdenciária e trabalhista, distribuindo favores bilionários e atropelando os ritos legislativos com seu trator que esmaga a minoria. Quanto mais útil ele se mostrar nas próximas semanas, maiores as chances de ser poupado pelo TSE.  Poupado até mesmo de ser julgado no curto prazo, pois quando o julgamento for retomado, haverá no tribunal dois novos ministros por ele nomeados, dispostos a pedir vistas para que tudo pare novamente. E enquanto isso, segue o golpe no sentido mais largo. Para além de Temer, a coligação mídia-Lava Jato-Judiciário manterá firme o foco na destruição de tudo que ameace a nova ordem conservadora.
 

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