A favela não é um zoológico
Ninguém pode transformar favelas em zoológicos aos quais se vai para ver “como são os pobres”
Muitos europeus que chegam ao Rio sentem uma espécie de
atração fatal pela miséria. Uma vez um amigo espanhol me disse: “Tenho
uma curiosidade especial em saber como são os pobres das favelas”. Para a
da Rocinha, ocupada pelo exército, com a comunidade ainda atemorizada e transtornada com os tiroteios, a empresa Favela Tour
levou ontem, dia 25, segunda-feira, 20 turistas franceses. Um morador,
ainda traumatizado com a violência que está vivendo, comentou ao blog O Antagonista
que aqueles turistas lhe causaram uma sensação estranha: “Parece que
somos seres de uma espécie diferente. Nem com o clima em que estamos
vivendo os turistas param de visitar a favela”.
Talvez seja essa morbidez inconsciente de considerar as favelas
como um zoológico no qual se visitam bichos humanos diferentes o que
acabe perpetuando o mito dessas mais de mil comunidades, que são um
terço da “cidade maravilhosa”, e que constituem uma reserva turística e
de votos para os políticos na hora das eleições. Passam governos pelo Rio,
de todos os matizes políticos, e as favelas se perpetuam em sua
segregação, em sua pobreza e em seu cenário de violência. Só
experiências generosas, pessoais ou de grupos, conseguem aplacar a dor
de seus moradores condenados ao destino de diferentes.
Só quem nasceu e sofreu ali, viveiro de talentos e criatividade artística, é capaz de entender a complexidade e a riqueza daquelas comunidades condenadas ao mesmo tempo ao estigma da diferença. Um dos filhos ilustres das favelas, o carnavalesco Joãosinho Trinta, cunhou uma frase, já célebre, que define o paradoxo que a idiossincrasia da favela representa: “O povo gosta de luxo, quem gosta de pobreza é intelectual”. Dizia ser capaz de “transformar lixo em luxo”. Convertia restos de isopor em esculturas que pareciam de marfim.
Como já destacou o brilhante antropólogo Roberto DaMatta, os carnavais nascidos nas favelas são o resgate de séculos de escravidão e vida dura dos excluídos. Na metamorfose dos carnavais, cada um se disfarça por um dia no que sonharia ser e não consegue. Quebra tabus. Assim, Joãosinho explicava: “Peça a um jovem de favela que desfile de escravo no carnaval. Ele quer é ser rei. Escravo já é. Ele gosta é de luxo, não de miséria”. E sentenciava: “Ninguém tem o direito de dizer não ao absurdo”.
E ninguém tem o direito de transformar favelas em zoológicos aos quais se vai para ver “como são os pobres”, como sonhava meu amigo espanhol. A melhor forma de ajudar essas comunidades que acumulam anos de abandono e exploração é lutar para que deixem de ser guetos para o deleite dos turistas e possam se tornar bairros como os demais da cidade, aos quais ninguém precise visitar para saber que não trabalhadores como nós e que não têm chifres nem rabos. A verdadeira miséria não é a das favelas, mas a nossa, a incapacidade de entender que o que nos diferencia uns dos outros não é a pobreza ou a riqueza, mas a capacidade ou a incapacidade de empatia com tudo que é diferente. Todo o resto é morbidez burguesa.
Só quem nasceu e sofreu ali, viveiro de talentos e criatividade artística, é capaz de entender a complexidade e a riqueza daquelas comunidades condenadas ao mesmo tempo ao estigma da diferença. Um dos filhos ilustres das favelas, o carnavalesco Joãosinho Trinta, cunhou uma frase, já célebre, que define o paradoxo que a idiossincrasia da favela representa: “O povo gosta de luxo, quem gosta de pobreza é intelectual”. Dizia ser capaz de “transformar lixo em luxo”. Convertia restos de isopor em esculturas que pareciam de marfim.
Como já destacou o brilhante antropólogo Roberto DaMatta, os carnavais nascidos nas favelas são o resgate de séculos de escravidão e vida dura dos excluídos. Na metamorfose dos carnavais, cada um se disfarça por um dia no que sonharia ser e não consegue. Quebra tabus. Assim, Joãosinho explicava: “Peça a um jovem de favela que desfile de escravo no carnaval. Ele quer é ser rei. Escravo já é. Ele gosta é de luxo, não de miséria”. E sentenciava: “Ninguém tem o direito de dizer não ao absurdo”.
E ninguém tem o direito de transformar favelas em zoológicos aos quais se vai para ver “como são os pobres”, como sonhava meu amigo espanhol. A melhor forma de ajudar essas comunidades que acumulam anos de abandono e exploração é lutar para que deixem de ser guetos para o deleite dos turistas e possam se tornar bairros como os demais da cidade, aos quais ninguém precise visitar para saber que não trabalhadores como nós e que não têm chifres nem rabos. A verdadeira miséria não é a das favelas, mas a nossa, a incapacidade de entender que o que nos diferencia uns dos outros não é a pobreza ou a riqueza, mas a capacidade ou a incapacidade de empatia com tudo que é diferente. Todo o resto é morbidez burguesa.
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