10.01.2017

O PT joga água no moinho dos golpistas




Vítima de um golpe, o PT virou protetor de um de seus maiores algozes: o senador Aécio Neves. Não é o STF que adotou uma "medida esdrúxula", mas é a direção do PT que está sendo esdrúxula pelo festival de erros que vem cometendo. Uma direção que adota posições não só contra a vontade da maioria da sua militância, da sua base social e do seu eleitorado, mas também contra o entendimento correto da Constituição.
A nota da direção do PT que condena o afastamento de Aécio é um equívoco completo, político, moral e jurídico. Em primeiro lugar, o Artigo 53 da Constituição estabelece que a inviolabilidade civil e penal dos mandados só se refere a "quaisquer de suas opiniões, palavras e votos" e não a crimes comuns, como é o caso das acusações que pesam sobre o senador tucano.
O Supremo não decretou a perda do mandato de Aécio, mas a sua suspensão. Quem determina a perda do mandato é, conforme o caso, a Câmara dos Deputados ou o Senado. É passível de perda de mandato o deputado ou senador que violar as vedações estabelecidas no Artigo 54; aquele que incorrer na quebra de decoro parlamentar (Art. 55 -II; aquele que deixar de comparecer à terça parte das sessões plenárias e aquele que sofrer condenação transitada em julgado. Em caso de prisão, em flagrante crime inafiançável, de um deputado ou senador, os autos serão remetidos à respectiva Casa, conforme define o Artigo 32, parágrafo 2, que se pronunciará pela maioria de seus membros sobre o caso.
Nestes termos, o STF não feriu nada daquilo que a Constituição estabelece acerca da inviolabilidade do mandato. Ele decidiu sobre uma figura que não existe na Constituição. Em sendo o STF um tribunal constitucional e dada a gravidade dos delitos de Aécio Neves, o Tribunal tem a prerrogativa de decidir sobre uma lacuna constitucional para salvaguardar o interesse público e impedir a desmoralização ainda maior do Senado, que já é uma instituição profundamente desmoralizada.
Veja-se, por exemplo, que a figura do casamento homoafetivo também estava incursa numa lacuna legal e constitucional. O STF, como tribunal constitucional, decidiu pelo entendimento de que se trata de um direito legal. Essas prerrogativas dos tribunais constitucionais são iguais em praticamente todos os regimes republicanos presidencialistas. A Suprema Corte dos Estados Unidos tem esse tipo de prerrogativa e já constitucionalizou vários temas que não estavam na Constituição. Note-se ainda que Eduardo Cunha também foi afastado de seu mandato por uma decisão do STF. Ao que consta, não houve, naquela ocasião, nenhum protesto da direção do PT. Qual a razão de haver agora com Aécio?
Outra afirmação equivocada da nota da direção do PT consiste na afirmação de que o Senado Federal é um poder soberano. Não é. Na república democrática presidencialista, a soberania pertence ao povo. Este sistema de governo se define por uma reação de equilíbrio, pesos e contra-pesos na relação entre os três poderes. A Constituição deve definir os mecanismos de ataque e de defesa de um poder em relação outro. Nenhum poder tem autonomia absoluta na sua relação com os outros poderes.
A Constituição dos Estados Unidos, que é a matriz das constituições republicanas presidencialistas, permite que deputados e senadores possam ser presos por crime de traição, crime comum e perturbação da ordem pública. A nota do PT daria uma grande contribuição à democracia se defendesse o fim do instituto esdrúxulo do Foro privilegiado e se defendesse a não proteção de deputados senadores que cometem crimes comuns, passando estes a poder serem presos se cometessem tais crimes.
A nota do PT vai contra o espírito da Constituição e contra o sentimento geral da soberania popular, da sociedade brasileira, dos eleitores e militantes do partido. A nota afirma que os seus signatários tem todos os motivos para defender a democracia e a Constituição. Então, que defendam o afastamento de Aécio Neves do Senado. Ter Temer como presidente da República e Aécio Neves como senador constitui um violento ataque à democracia e à Constituição.
Por Aldo Fornazieri 
Cientista político

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