5.19.2013

Liberdade de expressão para os outros


Não é de hoje que nossos políticos descobriram que toda medida capaz de agradar os interesses da mídia é uma ótima maneira de receber um bom tratamento em reportagens e entrevistas.


Em véspera de uma campanha eleitoral, esse costume salta à vista. 
Jornais e TVs protegem personalidades com as quais têm uma identidade política e ideológica.
 
Seria muito natural, não fosse a obsessão de nossos jornais e revistas em denunciar a “troca de favores” entre políticos como uma espécie de crime permanente de nossa vida pública.
 
Mas o toma lá dá cá também envolve questões que interessam à mídia como negócio. 
 
É isso que move a discussão atual sobre direito de resposta, analisada com maestria por Jânio de Freitas em sua coluna na Folha.
 
Em debate no Congresso, a regulamentação do direito de resposta concentra, hoje, os últimos direitos da sociedade diante da imprensa.  Depois que o Supremo deu um brinde aos donos de jornal,  eliminando a Lei de Imprensa sem nada colocar no lugar, quem se considera prejudicado por uma reportagem deve ir à luta na Justiça Comum.
 
Eu acho um pouco estranho.
 
Com direito legítimo a usufruir de garantias especiais  – pois sua atividade envolve a liberdade de expressão e não se confunde com plantio de batatas ou venda de biscoitos –, não se compreende por que jornais e jornalistas não querem incluir personagens frequentes de sua atividade – as vítimas de  erros de informação --  neste universo diferenciado.
 
Levando este raciocínio às últimas consequências, uma pessoa poderia concluir que se acredita que a liberdade de imprensa existe para servir aos jornais e jornalistas – e não a toda sociedade.
 
Em sua última versão, que alterou a essência de um projeto original, do senador Roberto Requião, o resultado é acentuar a banalização dos erros da mídia, garantindo aos jornalistas o conforto de responder a um processo nos ritmos longos, quase infinitos, do sistema judiciário.
 
É errado.
 
Toda pessoa que já foi vítima de um erro da imprensa sabe que o direito de resposta é o único instrumento para uma pessoa esclarecer uma ofensa a sua honra e a sua imagem.
 
Você pode até entrar na Justiça, condenar o jornal e, se tiver sorte e bons advogados, receber um bom dinheiro. 
 
Mas este processo levará anos para ser concluído – tempo suficiente para que a mentira finque raízes na memória  das pessoas e todos já tenham se esquecido do episódio quando a sentença for assinada. 
 
Jânio repara que o novo projeto repete uma velha exigência, de garantir que o direito de resposta tenha o mesmo espaço e a mesma localização da noticia anterior. É a melhor garantia que só haverá reparação para notinhas, observa, com sagacidade.
 
A questão central no jornalismo não é espaço, mas tempo.  A atividade funciona na velocidade, que define a disputa por sua mercadoria mais importante – o furo. 
 
Se a notícia é sempre para ontem, a correção deve ser para hoje – no mínimo.
 
Não é difícil. Minha experiência em redações ensina que basta uma consulta honesta e isenta às partes envolvidas que 99% das histórias podem ser esclarecidas em 24 horas. 
 
Da mesma maneira que um editor publica uma reportagem – questionando os dados dos repórteres, conferindo versões e assim por diante –, é possível fazer a engenharia reversa da notícia e apurar se houve um erro, quando foi cometido, e garantir que o distinto público seja informado. 
 
Um outro aspecto é interno à  profissão. Jogar uma resposta para as calendas é a melhor forma de colocar a sujeira embaixo do tapete. 
 
E isso estimula o sentimento de impunidade,  primeiro passo para alimentar a arrogância – e novas injustiças -- de toda corporação que não precisa prestar contas de seus atos.
 
Numa experiência como jurado do Prêmio Esso, assisti à vitória de uma reportagem que, menos de uma semana depois de ter sido publicada, já fora desmentida em vários aspectos. Nem a foto principal  correspondia ao que estava escrito na legenda.
 
Ninguém sabia disso, entre os jurados, mas a informação acabou chegando a nós durante os debates, antes da premiação ser resolvida.
 
Candidata ao prêmio nacional, após muito debate interno a reportagem foi rebaixada. Ganhou um prêmio regional. Ou seja: bem ou mal, foi vitoriosa numa disputa daquele que era considerado o mais importante prêmio da imprensa brasileira. Chato, né?
 
A maioria de nossos jornais, tão ciosos na defesa de uma legislação cada vez rigorosa em assuntos de interesse público – inclusive com empresas privadas que prestam serviço público --,  não assume a mesma postura quando se trata de seu próprio negócio.
 
Classificam como ameaça à liberdade qualquer debate para criar regras que garantam o direito de defesa às vítimas de seus erros, o que é um absurdo. 
 
É como se eles tivessem direito a sobreviver numa torre de marfim, num mundo inatingível, acima da sociedade. 
 
É democrático? 
 
Não acho. 
 
É difícil dizer isso, mas eu acho que, basicamente, trata-se de uma questão econômica. 
 
O negócio da comunicação depende da credibilidade de cada veículo e a publicação de respostas e correções, com a frequência necessária, pode comprometer a imagem que eles cultivam a seu próprio respeito. 
 
Os veículos não querem perder leitores nem mercado. É compreensível e natural. 
 
Só não precisam impedir a liberdade de expressão dos outros.
 
A impunidade gera feitiços muito maiores do que os grandes feiticeiros poderiam imaginar. 
 
Por isso o país precisa de um direito de resposta simples, rápido e eficaz. Todos vão ficar mais civilizados com isso, inclusive os jornais e os jornalistas.
Moreira Leite

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