Não é de hoje que nossos políticos descobriram que toda medida capaz de agradar os interesses da mídia é uma ótima maneira de receber um bom tratamento em reportagens e entrevistas.
Em véspera de uma campanha eleitoral, esse costume salta à vista.
Jornais e TVs protegem personalidades com as quais têm uma identidade política e ideológica.
Seria muito natural, não fosse a obsessão de nossos jornais e
revistas em denunciar a “troca de favores” entre políticos como uma
espécie de crime permanente de nossa vida pública.
Mas o toma lá dá cá também envolve questões que interessam à mídia como negócio.
É isso que move a discussão atual sobre direito de resposta, analisada com maestria por Jânio de Freitas em sua coluna na Folha.
Em debate no Congresso, a regulamentação do direito de resposta
concentra, hoje, os últimos direitos da sociedade diante da imprensa.
Depois que o Supremo deu um brinde aos donos de jornal, eliminando a
Lei de Imprensa sem nada colocar no lugar, quem se considera prejudicado
por uma reportagem deve ir à luta na Justiça Comum.
Eu acho um pouco estranho.
Com direito legítimo a usufruir de garantias especiais – pois sua
atividade envolve a liberdade de expressão e não se confunde com plantio
de batatas ou venda de biscoitos –, não se compreende por que jornais e
jornalistas não querem incluir personagens frequentes de sua atividade –
as vítimas de erros de informação -- neste universo diferenciado.
Levando este raciocínio às últimas consequências, uma pessoa
poderia concluir que se acredita que a liberdade de imprensa existe para
servir aos jornais e jornalistas – e não a toda sociedade.
Em sua última versão, que alterou a essência de um projeto
original, do senador Roberto Requião, o resultado é acentuar a
banalização dos erros da mídia, garantindo aos jornalistas o conforto de
responder a um processo nos ritmos longos, quase infinitos, do sistema
judiciário.
É errado.
Toda pessoa que já foi vítima de um erro da imprensa sabe que o
direito de resposta é o único instrumento para uma pessoa esclarecer uma
ofensa a sua honra e a sua imagem.
Você pode até entrar na Justiça, condenar o jornal e, se tiver sorte e bons advogados, receber um bom dinheiro.
Mas este processo levará anos para ser concluído – tempo suficiente
para que a mentira finque raízes na memória das pessoas e todos já
tenham se esquecido do episódio quando a sentença for assinada.
Jânio repara que o novo projeto repete uma velha exigência, de
garantir que o direito de resposta tenha o mesmo espaço e a mesma
localização da noticia anterior. É a melhor garantia que só haverá
reparação para notinhas, observa, com sagacidade.
A questão central no jornalismo não é espaço, mas tempo. A
atividade funciona na velocidade, que define a disputa por sua
mercadoria mais importante – o furo.
Se a notícia é sempre para ontem, a correção deve ser para hoje – no mínimo.
Não é difícil. Minha experiência em redações ensina que basta uma
consulta honesta e isenta às partes envolvidas que 99% das histórias
podem ser esclarecidas em 24 horas.
Da mesma maneira que um editor publica uma reportagem –
questionando os dados dos repórteres, conferindo versões e assim por
diante –, é possível fazer a engenharia reversa da notícia e apurar se
houve um erro, quando foi cometido, e garantir que o distinto público
seja informado.
Um outro aspecto é interno à profissão. Jogar uma resposta para as
calendas é a melhor forma de colocar a sujeira embaixo do tapete.
E isso estimula o sentimento de impunidade, primeiro passo para
alimentar a arrogância – e novas injustiças -- de toda corporação que
não precisa prestar contas de seus atos.
Numa experiência como jurado do Prêmio Esso, assisti à vitória de
uma reportagem que, menos de uma semana depois de ter sido publicada, já
fora desmentida em vários aspectos. Nem a foto principal correspondia
ao que estava escrito na legenda.
Ninguém sabia disso, entre os jurados, mas a informação acabou
chegando a nós durante os debates, antes da premiação ser resolvida.
Candidata ao prêmio nacional, após muito debate interno a
reportagem foi rebaixada. Ganhou um prêmio regional. Ou seja: bem ou
mal, foi vitoriosa numa disputa daquele que era considerado o mais
importante prêmio da imprensa brasileira. Chato, né?
A maioria de nossos jornais, tão ciosos na defesa de uma legislação
cada vez rigorosa em assuntos de interesse público – inclusive com
empresas privadas que prestam serviço público --, não assume a mesma
postura quando se trata de seu próprio negócio.
Classificam como ameaça à liberdade qualquer debate para criar
regras que garantam o direito de defesa às vítimas de seus erros, o que é
um absurdo.
É como se eles tivessem direito a sobreviver numa torre de marfim, num mundo inatingível, acima da sociedade.
É democrático?
Não acho.
É difícil dizer isso, mas eu acho que, basicamente, trata-se de uma questão econômica.
O negócio da comunicação depende da credibilidade de cada veículo e
a publicação de respostas e correções, com a frequência necessária,
pode comprometer a imagem que eles cultivam a seu próprio respeito.
Os veículos não querem perder leitores nem mercado. É compreensível e natural.
Só não precisam impedir a liberdade de expressão dos outros.
A impunidade gera feitiços muito maiores do que os grandes feiticeiros poderiam imaginar.
Por isso o país precisa de um direito de resposta simples, rápido e
eficaz. Todos vão ficar mais civilizados com isso, inclusive os jornais
e os jornalistas.
Moreira Leite
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