Batalha por filha nascida nos EUA tem acusação de sequestro e violência
O litígio sobre a garota S., de 6 anos, começou há quase cinco anos, mas uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fez o caso ganhar novas proporções - e chegar às mídias sociais.
O caso envolve a publicitária Flávia Harpaz e o analista de sistemas Maurício Sadicoff, cuja filha nasceu nos Estados Unidos e, por isso, tem dupla nacionalidade.
A troca de acusações entre a mãe e o pai é vigorosa e envolve famílias, voos internacionais, Skype e muitos advogados.
De consenso entre as duas partes, a história tem os seguintes desdobramentos:
Logo após o nascimento da menina, em 2008, nos Estados Unidos, o casal deu início a um divórcio complicado. Durante o processo, Flávia acusou Maurício de ser violento e obteve na Justiça local uma uma medida cautelar de proibição de aproximação contra ele, baseada em suas queixas - em uma espécie de Lei Maria da Penha.
Ele foi obrigado a sair de casa e somente podia visitar a filha em horários marcados, acompanhado por oficiais. Também foi determinado que ele pagasse pensão alimentícia.
Brasil
Na época, Flávia ganhou na corte o direito de vir com S. para Brasil, sem a presença de Maurício, por duas semanas.
Já no Rio de Janeiro, ela decidiu não mais voltar para os Estados Unidos. E aí os problemas se agravaram.
Em 2010, Maurício entrou com uma ação na Justiça brasileira, citando a Convenção de Haia, alegando o sequestro interparental de uma americana (já que S. também é cidadã americana, por ter nascido lá).
Após várias decisões e recursos ao longo dos últimos cinco anos, O STJ deu ganho de causa para o pai e decidiu que S. deve ser levada de volta pra os Estados Unidos, para que um juiz americano determine de quem é a guarda.
E um dos últimos capítulos ocorreu há dois dias, quando foi expedida uma liminar de busca e apreensão da garota, que agora pode ser levada para os Estados Unidos nos próximos dias.
A esse ponto, muitos comparam o caso ao do menino Sean Goldman, que em 2009 retornou aos EUA após uma determinação do STF. Neste caso, a disputa ocorria entre o pai - o americano David Goldman - e a família carioca da mãe, que havia morrido no parto de seu segundo filho, no Rio.
Flávia e o advogado de Maurício aceitaram conversar com a BBC Brasil por telefone. Veja trechos dos depoimentos:
Flávia Harpaz, publicitária
"Eu vivo nesse inferno há mais de quatro anos. Vivo com medo. Pavor de aparecerem de repente e levarem minha filha de mim. Já tive de mudá-la de escola. Apesar de ela ainda ser pequena e de eu não contar a história inteira para ela, ela percebe o que está acontecendo. É difícil.
Para me manter forte eu olho para ela. Olho para a minha filha e pronto. Isso me faz recuperar a força. Me mantenho forte por ela. Vou no banheiro chorar um pouco e volto. Se eu não protegê-la, quem vai?
Quando foi expedida a primeira liminar de busca e apreensão da S., em 2011, foi o momento mais desesperador da minha vida. Depois, na segunda, os oficiais foram na casa da minha mãe, mas por sorte não estávamos lá e depois a decisão foi revertida.
Eu não tenho raiva, tenho pena dele. Porque o esforço que ele vem gastando nisso até hoje, ele podia ter gastado com a filha. Ele perdeu muita coisa. Perdeu o primeiro dentinho dela que caiu, perdeu ela começando a escrever...
O caso todo é muito revoltante. Ninguém entende como chegou a esse ponto. Eu ganhei uma medida de proteção contra ele, porque ele era violento. Depois que eu pedi o divórcio, ele começou a me agredir, primeiro com palavras e depois com torções de braço e outras agressões.
Como querem devolver a S. para uma pessoa assim??
Eu sempre acreditei que eu e o meu ex-marido faríamos um acordo. Tanto que sempre quis que ele fosse parte da vida da S. Mas em todos esses anos, ele nunca veio visitá-la. Eu colocava os dois para falar pelo Skype e ela sempre perguntava 'Papai, quando você vai vir me ver?'. E ele sempre enrolava a S.
Ela sempre manteve contato com os avós paternos dela, inclusive indo dormir na casa deles toda semana até dois anos atrás. Tem fotos no Facebook mostrando eles juntos. Eu confiava muito neles. Mas depois comecei a ficar com medo.
Não falo mal para a S. do pai dela, porque ela merece ter um pai.
Não tenho medo que o caso da minha filha repita o caso Sean. Tenho plena consciência de que são bem diferentes. A mãe dele havia morrido. Eu estou viva. O pai dele era americano. Somos todos brasileiros.
A S. não conhece o pai. Ela só o viu quando tinha meses e, depois, pela tela do computador. Por que levá-la de mim para alguém que ela nem conhece pra valer?"
Ricardo Zamariola, advogado do pai de S., Maurício Levy Sadicoff
É, sim, verdade que quando eles moravam nos Estados Unidos, foi expedida uma restraining order (proibição de aproximação) contra o Maurício, após a Flávia acusá-lo de violência. É uma espécie de lei Maria da Penha, como temos aqui no Brasil. O Tribunal expede a ordem apenas com o depoimento da acusação, pra depois averiguar. Depois o caso foi arquivado (nos EUA) porque ela não deu continuidade ao voltar para o Brasil.
Não é verdade que meu cliente nunca quis visitar a filha. Ele tentou, mas a mãe colocava restrições. (Por Twitter, Maurício disse à BBC Brasil que foi ao Rio em 2013 e em julho de 2014 para tentar visitar a filha, mas sem sucesso).
A menor teve sim contato eventual com os avós paternos.
(Maurício também confirmou, via Twitter, que ele e a filha se falavam por Skype, sendo que a última vez foi em junho de 2013.)
É preciso ficar claro que o retorno de S. para os EUA não significa que a guarda passará para o pai, e sim que a corte de lá decidirá sobre isso.
Flávia precisa confiar no sistema americano. Ela já tinha a guarda provisória da S. em 2010. Tinha direito à pensão alimentícia inclusive.
Agora, estamos aguardando o cumprimento da ordem de retorno, que está vigente indefinidamente
Nenhum comentário:
Postar um comentário