"O Brasil entrou no centro da disputa geopolítica mundial. Tem riquezas naturais, mercado interno, posição estratégica", diz a jornalista Eleonora de Lucena, que foi editora-executiva da Folha; segundo ela, "os Estados Unidos, acostumados a nadar de braçada no continente, começaram a ver o avanço chinês no que consideram seu quintal" e decidiram reagir; ela avalia que esse projeto de recolonização é o real propósito do golpe por trás da chegada de Michel Temer ao poder, mas faz um alerta: "o Senado vai enfrentar o julgamento da história" – O golpe de 2016 faz parte de um projeto de recolonização do Brasil e fará com que o País volta a ser, como no passado, um quintal dos Estados Unidos.
A avaliação é da
jornalista Eleonora de Lucena, que foi editora-executiva da Folha de S.
Paulo, em artigo publicado nesta segunda-feira.
Leia abaixo:
Truculência
Por Eleonora de Lucena
O Brasil entrou no centro
da disputa geopolítica mundial. Tem riquezas naturais, mercado interno,
posição estratégica. Construiu economia diversificada e complexa,
terreno para grandes empresas nacionais e ambiente potencial para
desenvolvimento de tecnologias de ponta.
Os Estados Unidos,
acostumados a nadar de braçada no continente, começaram a ver o avanço
chinês no que consideram seu quintal. Investimentos, comércio, parcerias
com os orientais cresceram de forma exponencial.
Não parece ser
coincidência a intenção norte-americana de voltar a ter bases militares
na América do Sul (na sempre sensível tríplice fronteira e na Patagônia,
que vigia o estreito de Magalhães, curva entre dois mundos). Nem parece
ser ao acaso a escolha dos alvos do momento: a Petrobras, as grandes
empresas e até o programa nuclear.
Nos últimos anos, o país
mostrou zelar por sua autonomia e buscou alianças fora da influência dos
EUA. Com China, Rússia, Índia e África do Sul, o Brasil ergueu os Brics
e um banco de desenvolvimento inovador.
Aqui, reforçou o Mercosul
– alvo imediato de ataque feroz do interino, afoito em mostrar serviço
para o Norte e ressuscitar relações subalternas.
Esse contexto maior
escapa da verborragia conservadora, ansiosa em reduzir a crise atual a
um confronto raso entre supostos corruptos e hipotéticos éticos.
Bastaram poucas semanas para deixar evidente a trama hipócrita e podre
do bando que tenta abocanhar o poder.
O que está em jogo é muito mais do que uma simples troca de governo. É a própria ideia de país.
Falar de luta de classes e
de projeto nacional deixou alguns leitores ouriçados. Mas, apesar da
operação de marketing em curso, os objetivos do atropelo à Constituição
são claros: concentrar riqueza, liberar mercados, desnacionalizar a
economia, desmantelar o Estado.
O discurso dos sem-voto
que se aboletaram no Planalto tenta editar um macarthismo tosco,
elegendo um inimigo interno. Agridem os de vermelho (sempre eles!),
citados como os culpados de todo o mal, numa manobra conhecida dos
movimentos fascistas desde o início do século 20.
Quem se atreve a
discordar do rolo compressor elitista é logo tachado de "maluco" pelos
replicantes da direita raivosa. Dizem que os que apontam as contradições
atuais são saudosos do século 19.
Viúvos do século 19 são
os que querem agora surrupiar direitos e restabelecer condições de
exploração do trabalho daqueles tempos. Com a retórica de uma suposta
modernidade, atacam conquistas sociais e pregam o desmonte da corajosa
Constituição de 1988.
Alegam que a matemática
não permite que o Estado cumpra suas funções perante os cidadãos. Para
eles, a matemática deve servir apenas aos mais ricos e a seus juros
maravilhosos. Num giro chinfrim, mandam às favas o tal controle do
deficit público: gastam tudo para atender corporações, amigos e ganhar
votos.
Com uma cortina de
fumaça, arriscam confundir esquerda com autoritarismo. Projetam, assim,
no adversário, os seus desejos ocultos. Afinal, o programa dos não
eleitos só poderá ser implantado integralmente num regime de força, que
censure e elimine a voz dos mais fracos.
As exibições de
truculência absurda nos estádios da Olimpíada, proibindo manifestações
de "Fora, Temer!" e rasgando os direitos constitucionais de livre
manifestação e opinião, parecem ser uma terrível amostra de tempos
sombrios pela frente.
O Senado vai enfrentar o julgamento da história.
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