Na entrevista coletiva, Temer relata que Calero o procurou durante o jantar para senadores no Alvorada, e informado do que se passava, dizendo “não queria entrar nesta historia”. E que no encontro seguinte deu-lhe a sugestão:
– Se você não quer entrar nesta historia, há uma solução legal. A lei (em verdade um decreto) diz que se há conflito entre órgãos, pode-se ouvir a AGU, que fará a avaliação do conflito.
Pela narrativa de Temer, Calero estaria querendo apenas tirar o corpo fora da confusão. Mas na entrevista à Folha de S. Paulo, Calero em nenhum momento diz que tentou “ficar fora da história”. Deixou bem claro que se recusou a interferir na decisão técnica do Iphan nacional, que havia cassado a licença da obra concedida pelo núcleo do órgão na Bahia. “Quando a decisão foi encartada, começou uma pressão inacreditável. Entendi que tinha contrariado de maneira muito contundente um interesse máximo de um dos homens fortes do governo e que ninguém iria me apoiar. Vi que minha presença não teria viabilidade. Jamais compactuaria com aquele compadrio. Não.” Uma coisa, de fato, é não querer tomar decisão alguma para se preservar e ao mesmo tempo não trombar. Outra é recusar-se a atender a um pedido indevido, incorrento em improbidade.
No depoimento à Polícia Federal, da mesma forma, Calero deixa claro que disse à presidente do Iphan, Katia Bogéa. para tomar a decisão técnica fosse qual fosse: “ QUE o depoente, em face destas considerações, disse-lhe que a decisão haveria de ser estritamente técnica; QUE o depoente disse-lhe ainda que não iria incorrer em ilícitos penais ou administrativos que pudessem ser ventilados futuramente”.
Vale à pena reler estre trecho, onde ele se refere à participação do ministro Eliseu Padilha no caso. Na entrevista exibida pelo Fantástico, ao negar-se a responder se gravara Padilha, Calero sugere que sim. No depoimento ele conta o seguinte:
!QUE no dia 16 de novembro, o IPHAN, após manifestação favorável da Procuradoria do órgão, deu parecer definitivo determinando que o empreendimento deveria se enquadrar aos preceitos normativos aplicáveis ao caso e, por consequência, reduzir a quantidade de andares; QUE após esta decisão de mérito, o depoente passou a receber ainda mais pressões, vindas de diversos integrantes do Governo; QUE ainda no dia 16 do corrente mês, o depoente despachou com o Ministro-Chefe da Casa Civil ELISEU PADILHA, ocasião em que o depoente expôs ao Ministro a decisão contrária aos interesses de GEDDEL; QUE, por duas vezes, o depoente disse ao Ministro que o mesmo poderia ficar à vontade quanto a eventual demissão do depoente por conta dos fatos relacionados a este processo; QUE ELISEU PADILHA pediu ao declarante que tentasse ganhar tempo quanto a resolução desta questão; QUE nesta conversa com ELISEU PADILHA, o depoente teve a impressão de que ELISEU PADILHA queria lhe preservar e mantê-lo no cargo de Ministro da Cultura; QUE ainda no dia 16 de novembro, o depoente compareceu a um jantar oferecido pelo Presidente aos Senadores no Palácio da Alvorada; QUE logo na entrada, o depoente encontrou-se com GEDDEL, ocasião em que desconversou rapidamente a respeito dos fatos que lhe interessavam; QUE logo em seguida o depoente encontrou com NARA DE DEUS, Chefe de Gabinete do Presidente MICHEL TEMER; QUE o depoente narrou a NARA todos os fatos, bem como a sua preocupação; QUE NARA ficou estupefata com os fatos narrados e concordou com o depoente quando o mesmo afirmou que deixaria o Governo para não ser envolvido nestes acontecimentos; QUE ainda neste jantar o depoente conversou com o Ministro da Educação MENDONÇA FILHO, que sugeriu ao depoente que reportasse todos os fatos ao Presidente MICHEL TEMER; QUE, então, o depoente procurou, ainda no jantar, o Presidente MICHEL TEMER; QUE após contar-lhe toda a história, o Presidente disse ao depoente para que ficasse tranquilo, pois, caso GEDDEL lhe procurasse, ele diria que não havia sido possível atender a seu interesse, por razões técnicas; QUE no dia seguinte, 17, ELISEU PADILHA ligou para o depoente indagando a respeito de como GEDDEL poderia recorrer da decisão do IPHAN; QUE em resposta, o depoente explicou a ELISEU PADILHA como funcionam, genericamente, os recursos de atos administrativos; QUE logo depois, o depoente recebeu uma ligação de CARLOS HENRIQUE SOBRAL, Chefe de Gabinete de ELISEU PADILHA, indagando a respeito dos prazos recursais; QUE na quinta-feira, 17, o depoente foi convocado pelo Presidente MICHEL TEMER a comparecer no Palácio do Planalto; QUE nesta reunião o Presidente disse ao depoente que a decisão do IPHAN havia criado “dificuldades operacionais” em seu gabinete, posto que o Ministro GEDDEL encontrava-se bastante irritado; QUE então o Presidente disse ao depoente para que construísse uma saída para que o processo fosse encaminhado à AGU, porque a Ministra GRACE MENDONÇA teria uma solução; QUE no final da conversa o Presidente disse ao depoente “que a política tinha dessas coisas, esse tipo de pressão “. A gravação com Padilha vai aparecer e mostrará que, tanto quanto Temer, ele também pressionou um subordinado a atender o interesse pessoal de Geddel modificando a decisão técnica do Iphan.
Aqui entra o papel ainda pouco claro da ministra-chefe da AGU, Grace Mendonça. Na entrevista exibida pelo Fantástico, Calero diz não ter certeza de que a ministra estivesse disposta a construir uma saída a favor de Geddel, mas diz possuir “alguns indícios” disso. Estes indícios também aparecem no depoimento que ele prestou à PF. Ele relata que o primeiro a lhe sugerir a busca de uma saída pela AGU foi Padilha, mas que não acolheu o conselho. Depois, em 7 de novembro, encontra-se no Planalto com Geddel e o Secretários de Assuntos Jurídicos, Gustavo Rocha, que pergunta se ele fora procurado pela AGU, e diante da negativa, tenta pelo celular fazer contato com alguém no órgão, não conseguindo. Para que Calero tivesse sido procurado pela AGU, alguém certamente já havia acionado o órgão, tratado do assunto e combinado a saída que seria dada.
Em seguida, o procurador do Iphan, Heliomar Alencar, e um procurador do Minc, foram chamados à AGU para prestar esclarecimentos sobre o caso e entenderam ali estavam esperando pela chegada do processo. Se foram chamados, é porque a AGU já fora acionada. Se havia a expectativa da chegada do proesso, é porque alguém já conversara com a ministra Grace, e ela já começara a tomar providências para atender o Planalto. Esta seria a "chicana" a que se referiu Calero na entrevista a Renata Lo Prete, para o Fantástico. Chicana são manobras jurídicas, arremedo de soluções para alcançar objetivos.
Temer, depois de ter dito, durante jantar no Alvorada, que Calero devia apenas explicar a Geddel que não pudera atendê-lo por razões técnicas, muda de posição. Deve ter se defrontado com a ira de Geddel. Convoca então Calero ao Planalto no dia 17, fala das “dificuldades operacionais” criadas pela decisão do Iphan nacional e sugere que leve o assunto à AGU. No dia seguinte, Calero diz ter recebido ligação de Gustavo Rocha, reiterando o interesse de Temer de que o assunto fosse levado à AGU. E depois, volta a telefonar ao então ministro da Cultura repetindo a orientação. Disse Calero à PF: “QUE este último episódio foi determinante para a saída do depoente do Governo, pois demonstrava a insistência do Presidente em fazer com que o depoente interferisse indevidamente no andamento do processo;”
A insistência de tanta gente em que o problema fosse parar na AGU sugere que já estava combinada a produção de uma “saída legal”. Pelo visto, da AGU viria a solução que poderia salvar o cargo e o apartamento de Geddel. Mas para que assim fosse, era preciso que Calero optasse por lavar as mãos e passasse a batata para a AGU. Logo, há muito o esclarecer também sobre a participação da ministra Grace Mendonça no caso.
A versão de Temer não pára em pé, quando cotejada com as duas entrevistas de Calero e com seu depoimento à Polícia Federal.
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