"No futuro, quando estivermos soterrados sob as
ruínas do que um dia foi um país e uma democracia, da crônica que
emergirá desses escombros, haverá o relato deste domingo, quando uma
instituição cultural sucumbiu à ignorância e ao obscurantismo", diz o
jornalista Vitor Necchi
Na coletiva com a imprensa que o Santander Cultural
organizou para apresentar a exposição Queermuseu – Cartografias da
diferença na Arte Brasileira, o representante do banco fez questão de
ressaltar que a instituição estava atenta ao debate contemporâneo em
torno da diversidade.Conforme a minha anotação, ele disse que o Santander realizou quase cem fusões, emprega 45 mil funcionários, tem milhões de clientes e que, portanto, diversidade faz parte do dia a dia a instituição.
Um dos participantes do encontro questionou se esperavam alguma manifestação contrária por conta do teor da mostra. Na resposta, o executivo deu mais elementos para garantir a posição firme do banco em apoiar o projeto.
Tudo bobagem, tudo papo furado, tudo arremedo de lucidez de gestor que defende a diversidade sem convicção nenhuma e sem conhecer o tema, calcado apenas em uma estratégia de marketing oportunista, cretina, torpe e que não resiste a um bafejo moralista, raivoso e preconceituoso.
Bastou a manifestação contrária à exposição por parte de imbecis do MBL e por conta de outros imbecis alinhados ao imbecil do Bolsonaro para o banco encerrar de maneira covarde a mostra. Covarde!
Havia motivos legítimos para alguém tecer críticas à Queermuseu, assim como a qualquer outra exposição. Nenhum projeto curatorial é isento de debate.
No entanto, alegar que a mostra fazia apologia à pedofilia e à zoofilia, ou dizer que a mostra atentava contra a religiosidade, é algo cretino, ignorante e ridículo como tudo que sai das mentes obtusas dos integrantes do MBL e dos defensores do Bolsonaro.
Mais grave, no entanto, é a decisão do Santander Cultural de encerrar a exposição e ainda pedir desculpa. Covardes! Hipócritas! Cagões!
No futuro, este triste, grave e preocupante episódio será lembrando como um marco da vitória do obscurantismo e da ignorância.
Uma vitória do ódio. E o nome do Santander estará vinculado à vergonha e à covardia que constituiu o encerramento de Queermuseu em resposta ao grite de um bando de ignorantes descerebrados.
Em uma manifestação de rua, havia uma faixa que dizia “meu cu é laico”. Em um muro aqui perto de casa, alguém pixou “meu útero é laico”.
É isso mesmo.
Cu, útero, pau, buceta – tudo é laico.
O Estado é laico!
Religião alguma deve pautar políticas públicas ou expressão artística. E afirmar que as obras da exposição faziam apologia de zoofilia ou de pedofilia é atestado de indigência intelectual e de mau-caratismo.
Vergonha deste tempo que vivemos.
Vergonha do Santander Cultural.
Vergonha desta cidade bagaceira e deste estado bovino que produzem excrescências como o encerramento de uma exposição de arte considerada degenerada.
O precedente aberto é gravíssimo. A covardia do ato do Santander Cultural vai alimentar a sanha dos moralistas e dos preconceituosos. O horror está nas ruas.
Não se esqueçam: o mal sempre está à espreita, latente, pronto para vir à tona.
No futuro, quando estivermos soterrados sob as ruínas do que um dia foi um país e uma democracia, da crônica que emergirá desses escombros, haverá o relato deste domingo, quando uma instituição cultural sucumbiu à ignorância e ao obscurantismo.
*Vitor Necchi é jornalista.
Um comentário:
Postar um comentário