11.18.2017

Aos 73 anos, Zezé Motta também está atenta ao preconceito contra índios, ciganos e homossexuais

Zezé Motta Divulgação
Rio - Ícone da cultura brasileira, Zezé Motta recebe nesta segunda-feira, dia da Consciência Negra, data dedicada à reflexão sobre o cidadão negro na sociedade, o prêmio Raça Negra, na Sala São Paulo. “Esse prêmio é reconhecimento. Me dá fôlego”, garante. “Fiquei orgulhosa com a homenagem, mas recebê-la não massageia meu ego. Me deixa feliz porque é o trabalho de uma vida. É uma luta muito dura combater o racismo no Brasil. E também é uma contradição num país tão miscigenado”, observa Zezé, com energia e entusiasmo, aos 73 anos.
A atriz faz questão de salientar o des contentamento com o atual momento. “Ando tão indignada com o que está acontecendo em nossa sociedade. Dói ver que em pleno 2017 ainda existe racismo. O Brasil nunca esteve tão ruim desde que eu nasci. Nós que ainda apostamos em uma realidade mais justa não podemos desistir de ver menos desigualdade. É nisso qu acredito. Tem horas que ficamos desanimados, mas não temos tempo pra isso. É preciso persistência na luta contra o preconceito e intolerância. Mesmo que a gente ande dez casas e volte vinte”, conclui.
VOZ NA VIDA E NA ARTE
Com 51 anos de carreira, Zezé está no ar como Mãe do Quilombo, em ‘O Outro
Lado do Paraíso’. Uma mulher guerreira, maior autoridade do quilombo no Jalapão, que luta pelo melhor para seu povo e estimula Raquel (Erika Januza) a seguir com os estudos para ajudar sua comunidade. “Quando eu fui conselheira dos direitos humanos, visitei muitos quilombos. Importante saber que temos no mínimo três mil deles no Brasil. Esse núcleo vai falar deles, de como muitos vivem à margem. Vamos falar de racismo, preconceito, intolerância religiosa. Sou uma operária do meu ofício e poder dar voz a essas questões é maravilhoso”.

Outros temas humanitários também têm a atenção da intérprete. “Sou uma das fundadoras do movimento negro contra a discriminação racial. Mas não me preocupo só com o racismo que vivemos. Existe o preconceito com os povos ciganos, o desprezo que se tem com o indígena, a homofobia, tudo é discriminação e merece ser combatido”, diz. E ela propõe uma refl exão: “Não vemos reconhecimento da importância dos negros e dos indígenas na construção e na cultura do país. Para os negros, isso é uma coisa que a Lei Áurea não resolveu. A maioria dos peões são negros, nordestinos. Eles constroem prédios em que não poderão entrar pela porta da frente, por exemplo”.
Zezé Motta Divulgação
REPRESENTATIVIDADE
Atriz e cantora, eternizada no inesquecível filme ‘Xica da Silva’ (1976), que a consagrou internacionalmente, Zezé se define “uma persistente”. Bem-humorada, reconhece que muito disso aprendeu com a mãe, hoje com 93 anos. “Somos mulheres fortes. Devo tudo que sou à minha mãe”, afi rma ela, que criou seis filhos “do coração”.
Militante, a artista admite saber da sua responsabilidade na luta por espaço
na dramaturgia brasileira. “Já tivemos algumas conquistas. Quando vemos Taís Araújo, Lázaro Ramos e outros ótimos atores em papéis diversos, é um avanço. Mas ainda vemos presença maciça de atores negros só quando o tema é escravidão. Os brasileiros negros querem se ver retratados em todos os departamentos. Na minha família, por
exemplo, tem empregadas domésticas, enfermeiros, babás, mas tem também contadores, médicos. E eles não se percebem tão representados”.

ESPERANÇA
Zezé também comenta o momento político. “Acredito que a única coisa que pode mudar o que está aí é irmos para as ruas e cobrar o que nos foi tirado. Não podemos nos conformar com a situação da saúde, da cultura, com a desigualdade e a corrupção”, diz. E decreta: “A corrupção é um câncer para o país”. A atriz aproveita para “jogar um desejo no universo”: “Um dia, o mundo vai ter menos racismo, violência e preconceito. Vivemos um momento de desprezo pela vida humana, mas acredito na mudança e que as pessoas vão conviver com respeito à diversidade”.

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