Embora o diplomata brasileiro tenha sido declarado "persona non grata" pelo governo do país vizinho, não se trata de uma reprovação de caráter pessoal.
É o resultado esperado diante de sucessivas demonstrações de hostilidade por parte de Brasília, fruto de reorientação produzida no Itamaraty após a queda de Dilma Rousseff. Abandonando a melhor tradição de independência de nossa política externa, que transformou o Brasil no líder inconteste da América Latina, México inclusive, hoje o Brasil tenta atuar como braço auxiliar das pressões norte-americanas contra o governo de Nicolas Maduro, que incluem uma guerra econômica destinada a produzir uma catástrofe política.
Pelo peso indiscutível do país na região, a diplomacia brasileira foi a força decisiva para a suspensão da Venezuela no Mercosul, anunciada com toda pressa em Brasília em 5 de agosto de 2016, quando Michel Temer sequer havia tomado posse da presidência da República em caráter definitivo. Em março de 2017, uma semana depois de assumir o Itamaraty, Aloysio Nunes Ferreira deu uma entrevista na qual definiu o regime venezuelano como "uma ditadura". Os gestos se multiplicam em várias áreas.
O El Universal de ontem noticiou que, convidado pelo governo da Guiana para explorar uma reserva de petróleo e gás numa área de fronteira reclamada pela Venezuela, o governo brasileiro acaba de responder positivamente à oferta -- o que, obviamente, não contribui em nada para um bom relacionamento entre os dois países de maior peso na América do Sul.
Vinte e quatro horas antes da expulsão do embaixador ter sido anunciada, ao passar a presidência rotativa do bloco para o Paraguai, Michel Temer chegou a dizer que a Venezuela será acolhida quando voltar "à democracia". Seria uma declaração sempre discutível, pelo menos, quando se recorda o princípio diplomático que define o respeito a autodeterminação dos povos. Mas é ainda mais chocante quando se recorda não só as condições que o próprio Temer percorreu para instalar-se no Planalto, que não lhe dão a menor autoridade para falar da matéria. Caberia ainda mencionar as três boas vitórias eleitorais que Nicolas Maduro obteve nas urnas entre julho e dezembro de 2017, todas encerradas sem que apontasse qualquer denúncia de fraude ou irregularidade digna de nota.
Enquanto Maduro ganha oxigênio democrático para debater a própria sucessão, marcada para 2018, os aliados e protegidos de Temer -- rejeitado por mais de 90% dos brasileiros -- se encontram em situação inversa. Sonham com o bloqueio da candidatura Lula num tapetão judiciário. Também imaginam a criação de um parlamentarismo de araque que não está autorizada pela Constituição e multiplicam esforços para produzir um candidato viável em laboratório milionários de marketing. Para mostrar que a comparação entre os dois países atingiu um plano surrealista, a mesma Janaína Paschoal que apresentou a desmoralizada denúncia que permitiu ao notório Eduardo Cunha promover o golpe contra Dilma na Câmara acaba de acusar o governo Maduro no Tribunal Penal Internacional.
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