“A média de revisor trabalhar naquele tribunal é
de 70 dias, principalmente com a complexidade desse caso. Como alguém
faz um voto de revisão num caso tão complexo em seis dias?”, questiona o
ex-ministro Eugênio Aragão. “Ninguém está dizendo que a justiça não
deva ser rápida. Ela pode ser rápida, mas garantindo a isonomia para
todos. Para que essa pressa toda?”; leia reportagem de Eduardo Maretti,
na RBA
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Audima
O ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão e o advogado criminalista Luiz Fernando Pacheco estranham a celeridade com que a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) dá andamento ao julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e questionam também outros aspectos do caso. A corte sediada em Porto Alegre marcou o julgamento para 24 de janeiro.
“A Lava Jato está inaugurando a justiça a Jato, uma justiça seletiva. O tribunal desrespeita a ordem de distribuição dos processos e passa esse processo na frente. Isso mostra que a corte se assume como um tribunal de exceção, na medida em que exatamente trata esse como um caso excepcional. Estão julgando pelo nome do réu. Isso demonstra suspeição do tribunal”, diz Pacheco, que foi advogado do ex-presidente do PT José Genoino na Ação Penal 470, o “mensalão”.
“A média de revisor trabalhar naquele tribunal é de 70 dias, principalmente com a complexidade desse caso. Como alguém faz um voto de revisão num caso tão complexo em seis dias?”, questiona Aragão. “Ninguém está dizendo que a justiça não deva ser rápida. Ela pode ser rápida, mas garantindo a isonomia para todos. Para que essa pressa toda?”
“Nós desejaríamos que todos os casos fossem julgados com rapidez, mas não é isso o que acontece normalmente”, afirma Pacheco.
O ex-ministro da Justiça de Dilma Rousseff estranha também o dia definido pelo TRF-4 para o julgamento. “É de estranhar, porque 24 de janeiro de 2018 é exatamente um ano depois de dona Marisa ter o AVC. Diante de tantas arbitrariedades que aconteceram no processo, isso para mim não é um mero acaso”, avalia Aragão. “Escolheram exatamente esse dia para desgastá-lo. É um dia em que Lula não deveria ir à Justiça, mas estar de luto. Faz parte da técnica de desgaste. É um desgaste psicológico.”
Em nota, o advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, afirmou que a decisão de julgar o ex-presidente em 24 de janeiro viola a isonomia de tratamento, “que é uma garantia fundamental de qualquer cidadão”. Zanin aponta uma estranha “tramitação recorde” do caso no TRF-4. A celeridade incomum prejudica tanto Lula, porque caracteriza um julgamento político, como é contrária a interesses de outros réus que estão na fila e cujos julgamentos são deixados para depois.
Em julho, Lula foi condenado pelo juiz Sergio Moro a nove anos e seis meses de prisão na operação Lava Jato, por ter sido supostamente beneficiado pela empreiteira OAS com o apartamento tríplex no Guarujá (litoral sul de São Paulo). O relator do processo no TRF-4 é o desembargador federal João Pedro Gebran Neto, que levou 42 dias desde a condenação por Moro ao início da tramitação do processo na segunda instância.
Revisor da ação, o desembargador federal Leandro Paulsen finalizou seu voto em apenas seis dias úteis. O voto de Victor Laus ainda não foi dado. Os votos são sigilosos e só serão conhecidos no dia do julgamento. “Em 25 anos de advocacia nunca vi isso acontecer”, diz Pacheco.
Outro dado “estranho”, aponta Aragão, é que, no dia 24, nem o STF nem o Superior Tribunal de Justiça (STJ) funcionam, já que estarão em recesso. Se provocados, a decisão dos tribunais superiores será decisiva para a possível candidatura de Lula ser ou não juridicamente válida.
Gilmar Mendes e o Supremo
Aragão não dá como certa a expectativa de que Lula será preso, caso o julgamento do TRF-4 confirme a decisão de Moro. Ele lembra que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), tem se manifestado no sentido de que a prisão após condenação em segunda instância é uma possibilidade, mas não é obrigatória.
Em despacho de agosto de 2017, Gilmar Mendes afirmou sua disposição de mudar o voto de julgamento de outubro de 2016, quando, por 6 votos a 5, o Supremo decidiu favoravelmente à prisão após condenação em segunda instância. Na ocasião, Mendes votou pela prisão nesses casos, mas em despacho posterior mudou de posição e tem reafirmado que seguirá esse novo entendimento, que é do ministro Dias Toffoli.
Se o tema voltar à pauta do STF, a mudança de voto de Mendes inverterá a decisão anterior e a prisão após decisão de segunda instância ficará impedida.
Porém, Luiz Fernando Pacheco observa que a questão é quando isso vai ser discutido no Supremo. “A ministra Carmen Lúcia não sinalizou que vai colocar em pauta. É uma questão de bastante importância, mas a comunidade jurídica, principalmente os acusados em processo criminal, estão à mercê da boa vontade da presidente do Supremo de pautar a matéria.”
O ministro Marco Aurélio é relator de um dos habeas corpus (HC) que discute a matéria. Ele inclusive já liberou o processo, que está na mesa de Cármen Lúcia. A ministra é favorável à prisão após a segunda instância.
“Pode ser que (Lula) seja preso, mas não acho que vai. Tem que ser motivado o porquê de se prender alguém nessa circunstância. As únicas motivações são as impostas pelo artigo 312 (do Código de Processo Penal), ou seja, a necessidade da prevenção”, diz Eugenio Aragão
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