4.29.2018

O ódio a Lula é reflexo do ódio secular ao pobre


por Jessé Souza — 
A fração protofascista da classe média comemora a prisão do ex-presidente ao arrepio de qualquer justificação racional e refletida
Valter Campanato/Agência Brasil
O ódio a Lula é reflexo do ódio secular ao pobre
Rodam, rodam, rodam e não vão a lugar nenhum
Lula foi preso com  “provas” construídas pela manipulação diária da mídia para que não se precisasse de provas jurídicas. Um alimentava o outro, Lava Jato e mídia, na distorção sistemática da realidade vivida, produzindo um simulacro do mundo, enquanto o saque real da corrupção organizada pela intermediação financeira agora se realiza impunemente.
Uma elite econômica subordinada aos interesses internacionais, que jamais aceitou o jogo democrático e suas consequências, usou seus intelectuais, sua mídia, seus juízes e seus generais para estigmatizar os interesses das classes populares. Como sempre, optou por criminalizar seus líderes.
Rosa Weber resumiu como ninguém o momento histórico: se definiu como contraria à prisão de segunda instancia desde que não para Lula. É interessante, apesar de triste, como a dominação social injusta em situações limite é obrigada a explicitar a injustiça, perdendo qualquer aparência ou maquiagem de legalidade e justiça. O que importa é mostrar que este País tem dono e que o dinheiro compra tudo: sentenças, isenções fiscais e consciências.
A propriedade e o dinheiro que ela fabrica não é a única nem talvez sequer a distinção social mais importante. Em uma sociedade doente pela herança escravocrata, os privilegiados não querem apenas se sentir superiores aos outros. Eles precisam que sua superioridade seja reconhecida pelos oprimidos como um “direito”, que se impõe como distância social visível em relação a seres percebidos como subumanos.
É a reprodução dessa distância de classe que garantiu e garante a fidelidade de boa parte da classe média à elite. Se os interesses econômicos dessas classes nem sempre coincidem, a vontade de oprimir, de mandar, de tornar invisível a dor e o sofrimento alheio pelo gozo sádico e narcísico da humilhação cotidiana dos que estão abaixo produz a articulação invisível de afetos e sentimentos comuns entre elite e classe média manipulados pela mídia.
A “distinção social” a qualquer custo é o fundamento invisível dos interesses que parecem orquestrados conscientemente.
Como esses sentimentos e afetos inarticulados são mais eficazes que qualquer princípio legal abstrato, a fração protofascista da classe média comemora a prisão de Lula ao arrepio de qualquer justificação racional e refletida.
Esse é o pacto secular de poder no Brasil, “refinado” pela elite e seus intelectuais do personalismo e do patrimonialismo “vira-lata”, a partir de 1930, para tornar invisível a escravidão e sua herança de ódio em relação aos pobres. Esse ódio aos mais fracos, materializada na manutenção da abissal distância social, é o fundamento real da “ordem” dos generais, da “Justiça” da classe média, da “lei” dos juízes e da “democracia” da mídia venal.
Ela garante uma vida com os confortos modernos para 20% da população e uma vida entre a precariedade e a marginalização completa para os restantes 80%. E quanto mais precária a situação do oprimido, mais ele tende a aceitar o mando e a humilhação como fardo natural. Desse modo, a opressão escravocrata foi “modernizada” entre nós.  
Lula está preso e é vítima de ódio irracional por ter desafiado o “senso de lugar” dos pobres e oprimidos do Brasil. Isso exaspera a classe média que comemorou sua prisão. Muitos pobres sabem agora que sua opressão e a miséria não são “naturais”, mas produtos de uma vontade política e social que os desclassificam, marginalizam e os tornam suscetíveis às humilhações diárias da classe média, que naturalizou a distância social que fragiliza o pobre como seu “direito de classe”.
A inclusão dos pobres no mercado com educação de melhor qualidade é, como Lula mostrou, boa para todos. Mas o gosto do mando pode ser, em uma sociedade doente, um afeto irracional mais forte que o fortalecimento do mercado interno. O ódio canalha e covarde da elite e de seus lacaios na sociedade, na mídia, na justiça e nas forças armadas prefere uma sociedade desigual e violenta em relação aos pobres em shopping centers e nas universidades. 
Nosso atraso não está no “sangue corrupto” da raça. Essa falsa ideia dominante apenas retira a autoestima e confiança de todo um povo. Nosso atraso real foi nunca ter aprendido com nossa história de escravidão e golpes militares. É isso que nos faz uma sociedade doente e mórbida. Se todo gozo é narcísico, o objeto do gozo pode ser um narcisismo “refletido”, que pressupõe o outro e suas necessidades e não sua negação. É por nunca ter feito este tipo de aprendizado que somos atrasados moral e politicamente em relação às sociedades mais justas e igualitárias.
O crime de Lula foi ter sonhado construir este sonho. 

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