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4.21.2009
Não basta eliminar a tristeza. É preciso ensinar as pessoas deprimidas a ter prazer
Médico do Hospital das Clínicas (SP) diz que não basta eliminar a tristeza. É preciso ensinar as pessoas deprimidas a ter prazer
Por Suzane Frutuoso
O psiquiatra Hermano Tavares nunca se deu por satisfeito com a crescente tendência de pacientes tratados apenas com medicamentos. Ele acredita no poder que os remédios têm de equilibrar as funções cerebrais, mas considera que nenhum deles é capaz de tornar alguém feliz. "Bemestar não é tratar a tristeza e ponto. É promover a felicidade", diz o especialista do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. Para elaborar essa tese, Tavares se apropriou da Psicologia Positiva, fundada nos Estados Unidos há dez anos. O movimento mostrou que todas as terapias se desenvolviam pautadas na doença e lançou a proposta de estudar o que faz as pessoas ficarem bem. O médico quer disseminar no Brasil a Psiquiatria Positiva. E tem grandes chances de obter sucesso nessa empreitada. A nova visão ganha cada vez mais eco num mundo no qual a depressão atinge 121 milhões de pessoas, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
ISTOÉ - O sr. diz que eliminar o sofrimento não é suficiente, é necessário ensinar o paciente a encontrar prazer e bem-estar. Qual sua proposta?
Hermano Tavares - Desejo que a psiquiatria siga a proposta recente - e bárbara - da Psicologia Positiva. O movimento recebeu esse nome do pesquisador Martin Seligman. Ex-presidente da Associação Americana de Psicologia, ele começou a pesquisar nos anos 90 um método diferente do conhecido até então. Seligman mostrou que a psicologia se desenvolveu pautada na doença do paciente, apenas os momentos ruins eram estudados e trabalhados. E ninguém lembrou que era necessário destacar as horas boas, fazê-las presentes na vida das pessoas. Os esforços foram direcionados para apenas um dos lados da moeda, mas medicina não é só combate à doença. É também promoção da saúde e do bemestar. Há um longo caminho a percorrer até a felicidade e a um conceito mais amplo de saúde. Se existe a Psicologia Positiva, por que não criar a Psiquiatria Positiva? Há evidências de que isso é possível e desejável.
ISTOÉ - Quais são as evidências?
Tavares - A dificuldade que as pessoas têm de entender que o contrário de tristeza não é felicidade. São sentimentos independentes. Inclusive, biologicamente falando, estão localizados em estruturas cerebrais diferenciadas. Às vezes, pela mesma razão, mas por motivos diferentes, você fica triste e alegre. Por exemplo, seu namorado ganhou uma bolsa para passar dois anos na Alemanha. Esse era o sonho da vida dele, você acompanhou todo o processo, fica feliz, orgulhosa - e triste, porque são dois anos separados. O mesmo evento suscitou dois sentimentos diferentes.
ISTOÉ - Diante dessa conclusão, o que deve mudar no tratamento psiquiátrico?
Tavares - Para começar, é necessário entender que bem-estar não é tratar a tristeza e ponto. É tratar a tristeza e promover a felicidade. Tratamentos psiquiátricos centrados em remédios são focados na redução das emoções negativas. Isso deve ser revisto. Temos tratamentos com antidepressivos (que são antidepressão), com ansiolíticos (que são antiansiedade) e com antipsicóticos (que são antipsicose). Mas combater a psicose não garante a racionalidade. O tratamento ideal é antidepressivo e pró-felicidade, ansiolítico e pró-serenidade e antipsicose e pró-racionalidade.
ISTOÉ - Os remédios podem ser abandonados por pacientes de saúde mental?
Tavares - A questão não é abandonar os remédios que existem. Jamais. Se não cuidarmos dessa parte, entregaremos tratamentos pela metade. Mas tratar os sintomas de depressão de um paciente não é tratar apenas os afetos negativos.
ISTOÉ - O tratamento convencional da psiquiatria também não inclui encaminhar o paciente para a psicoterapia?
Tavares - Se o especialista encaminha o paciente para a psicoterapia já faz mais do que só tratar a depressão. Seria ótimo se fosse sempre assim, mas não é a regra. A psiquiatria está reduzida a dar o remédio. Graças aos convênios médicos e à pressa que as pessoas têm de resolver os problemas. Ninguém quer ter tempo para refletir sobre a vida e as mudanças que devem ser feitas. O médico fala: "Está deprimido? Toma aqui esse remédio e em quatro semanas você estará melhor da depressão". Ele ficará menos deprimido, mas não terá mais bem-estar.
ISTOÉ - O que é ser feliz?
Tavares - Temos que diferenciar alegria de felicidade. Alegria é um estado passageiro, felicidade é mais duradoura. É quando a pessoa é dominada a maior parte do tempo por afetos positivos e não negativos. E, no senso maior, o conceito de felicidade se aproxima do de bem-estar. Seria a noção mais ampliada do "ser feliz".
ISTOÉ - Como alcançar esse bem-estar?
Tavares - Estou desenvolvendo um estudo com imagens que pode ajudar a entender o que é fundamental nessa busca. Na pesquisa, uso fotografias que causam diferentes emoções, como tristeza, nojo, raiva e felicidade. Quando examinei as imagens que causavam felicidade, eram, em geral, conteúdos que apelavam aos desejos. Uma comida gostosa, homens e mulheres bonitos. Objetos de consumo também. É a primeira observação: coisas que apelam para o desejo e que poderiam satisfazer essa vontade causam felicidade.
ISTOÉ - O que mais pode nos trazer felicidade?
Tavares - Outros resultados desse trabalho mostraram que imagens de paisagens, lugares bonitos, a comunhão com a natureza e sentimentos espiritualizados também trazem felicidade. O amor é importante. Fotos de pessoas abraçadas, com bichos de estimação, de crianças brincando geraram a sensação de bem-estar. É a prova de que somos seres sociais e que devemos compartilhar momentos. Algo simples, que todos podem fazer.
ISTOÉ - O sucesso não aparece como um fator de felicidade?
Tavares - Sim. Havia fotos de pessoas gozando do sucesso: uma imagem do Ronaldo marcando um gol na final da Copa de 2002, um atleta cruzando a linha de chegada, um alpinista no alto da montanha nevada. A idéia de vencer, alcançar um objetivo também é importante na formação do conceito de felicidade.
ISTOÉ - O que provam essas reações?
Tavares - Que não adianta ir atrás de um medicamento que simule essas experiências. É melhor que você as tenha, que consiga encaixar essas experiências dentro da sua realidade. Se não tem recursos para fazer uma viagem, escalar uma montanha , busque desafios no cotidiano.
ISTOÉ - Como foi feita essa pesquisa?
Tavares - Com voluntários que eram alunos das faculdades de medicina, psicologia e engenharia da Universidade de São Paulo. Foram 156 alunos, 91 homens e 65 mulheres. É um banco de dados imenso que está sendo analisado. O curioso é que a pesquisa ficou conhecida como o estudo do chocolate. Para convencer as pessoas a participarem, tentamos a gratificação, R$ 20. Ninguém apareceu. Mudei para uma caixa de bombons e tive um retorno enorme. É a prova de que as pessoas querem o que lhes traga bem-estar.
ISTOÉ - Mas como convencer o paciente de que, vivendo coisas simples, ele encontrará a felicidade?
Tavares - Não tenho dificuldade para convencer ninguém. Quando pergunto se desejam ser felizes, eles dizem: "O que tenho que fazer?" É aí que entra a segunda metade da laranja e que deveria ser regra. A orientação e o apoio médico. O paciente chega cheio de sintomas? Claro que precisa de medicação. O remédio trouxe serenidade? É hora da segunda parte, a psicoterapia. A partir daí a pessoa revê seu estilo de vida para chegar ao bem-estar. E é o encaminhamento que os psiquiatras não fazem e a que as pessoas dizem não poder se submeter por falta de tempo.
ISTOÉ - Depois de encaminhar para a psicoterapia, o sr. trabalha com seus pacientes a busca pela qualidade de vida. Como funciona?
Tavares - Trabalho com pessoas compulsivas, que têm problemas com jogos, compras, sexo, comida. Drogas e álcool também, mas numa escala menor. Veio daí a idéia de que a Psicologia Positiva pode ajudar dentro da psiquiatria. A experiência que tenho com os jogadores compulsivos mostra que, ao apoiar o paciente, medicá-lo corretamente e indicar falsas concepções sobre possibilidades de ganho no jogo, ele reduz as apostas. Mas não há promoção do bem-estar com o fim do jogo. É necessário fazer com que ele encontre fontes de prazer fora dele.
ISTOÉ - E como ele encontra essas fontes de prazer?
Tavares - No Instituto de Psiquiatria, o paciente passa por um grupo de acolhimento, no qual aponta suas dificuldades, e pela psicoterapia voltada exclusivamente para problemas relacionados ao jogo, para suprimir o apostar recorrente. Conseguimos que 60% deles parem de jogar. Os outros 30% reduzem drasticamente. A partir daí, o problema é reestruturar a vida. Para isso, criamos há dois anos o tratamento pós-terapêutico. São sessões em grupo, uma vez por semana, nas quais falam sobre suas melhoras e o que ainda querem resgatar. Depois, passamos dicas de lazer de graça ou quase de graça em São Paulo. Temos uma lista de parques, teatros, shows. Isso ajuda a melhorar a vida das pessoas.
ISTOÉ - O resultado é positivo?
Tavares - Excelente. Não só essas pessoas se saem melhor do que aquelas que pararam na terapia como têm menos recaídas e mostram maior satisfação com a vida.
ISTOÉ - Uma pessoa em tratamento pós-terapêutico pode largar o remédio?
Tavares - Depende do diagnóstico, do histórico familiar e da evolução da doença. As chances de prescindir da medicação crescem se o paciente aumenta a própria qualidade de vida. Quem tem uma depressão a cada dez anos não precisa manter o remédio. Se foi um episódio isolado, também não. Se há familiares deprimidos, melhor manter a medicação. Ninguém é condenado ao status de depressivo. Deve-se dizer ao paciente que ele está deprimido, que será tratado e, depois, a necessidade de continuar a medicação será verificada. Mas devemos antecipar que suprimir o remédio no futuro depende em parte do esforço dele em reformular a própria vida.
ISTOÉ - O sr. acha que o uso de medicamentos como antidepressivos se tornou indiscriminado?
Tavares - Na verdade, o que há é um melhor diagnóstico. Muita gente sofria e não sabia que tinha tratamento. Talvez exista algum abuso no uso desses remédios, mas acredito que seja menor do que o alardeado. Alguns dizem que apenas psiquiatras deveriam prescrever essas drogas, mas isso não é realista.
ISTOÉ - O sr. vai contra a idéia pregada pela maior parte dos psiquiatras.
Tavares - Eu sei. Mas os dados mostram que 25% da população têm ou terão um quadro depressivo ao longo da vida. Não haverá psiquiatras suficientes no mundo. As outras especialidades médicas devem ser iniciadas minimamente na arte de diagnosticar e tratar uma depressão.
ISTOÉ - O sr. não é contra tirar das mãos dos psiquiatras a decisão de diagnosticar e tratar doenças mentais?
Tavares - De jeito nenhum. Médicos não psiquiatras prescreverão remédios, em determinadas situações, quando não for necessário. Mas ainda é um preço menor diante das pessoas que ficarão sem tratamento se a prescrição for restrita ao especialista. Apesar de entender o discurso de que é preciso cuidado na administração de antidepressivos, tenho receio de que seja uma tentativa de reserva de mercado de alguns profissionais.
ISTOÉ - Mas médicos de outras especialidades precisam de um conhecimento sobre saúde mental que não recebem na faculdade.
Tavares - Sim, sem dúvida alguma. Mas eu, como psiquiatra, preciso entender as variações de humor na mulher durante o ciclo hormonal. Seria legal ir à Sociedade Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia fazer um curso sobre essas questões. E igualmente interessante que os ginecologistas aprendessem conosco, psiquiatras, sobre as doenças do humor mais comuns. Se toda paciente que tiver alterações de humor próximo ao período menstrual chegar ao psiquiatra, não daremos conta da demanda.
ISTOÉ - O sr. diz que não existem psiquiatras suficientes para a demanda de problemas mentais no mundo. A que leva isso?
Tavares - Um estudo conduzido pela USP na Grande São Paulo mostrou que 48% da população teve um diagnóstico psiquiátrico ao longo da vida. É o habitual em qualquer grande centro urbano. Inclui tabagismo, alcoolismo, depressão e ansiedade. Depois, vem compulsão por jogo, transtornos alimentares, esquizofrenia, entre outros. Todas essas pessoas vão merecer tratamento psiquiátrico. E não daremos conta.
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