3.02.2011

A próxima pandemia


Infectologista alerta para o risco de doenças causadas por vírus novos e misteriosos

ENTREVISTA
Stefan Cunha Ujvari (infectologista)

Por que um livro sobre pandemias? A Humanidade está em
perigo?
STEFAN CUNHA UJVARI: Estamos vivendo um momento interessante da
História, alterando cada vez mais o meio ambiente, desmatando, criando mais animais para alimentação. Além disso, temos um aumento populacional e um tráfego global muito grande,
muita gente cruzando fronteiras. Essas condições favorecem o surgimento de novos vírus.
● De que forma?
UJVARI: A gripe suína, por exemplo, foi uma combinação de quatro vírus
diferentes. O novo vírus foi formado pela combinação de um vírus do
homem, um vírus do porco americano, um outro do porco europeu e
um de ave. Quanto mais vírus forem transmitidos de um para o outro,
mais misturas podem ocorrer.
● Hoje, quem é o principal candidato a causar uma pandemia mundial grave?
UJVARI: O H5N1 (da gripe aviária).
Ele é o grande temor. É um vírus frequente nas aves migratórias,
eclode nas criações de aves com periodicidade e, todos os anos, há
registros de casos de homens que entram em contato com aves e ficam
doentes. A maior cobertura da mídia foi em 2003, mas isso continua até
hoje. Todo ano tem alguns casos. Mas é um vírus que se transmite
entre aves e, eventualmente, de aves para humanos. O grande risco é ele
sofrer uma mutação que o torne transmissível de pessoa a pessoa ou
se misturar geneticamente a algum outro vírus que passe de homem a
homem. Ele seria o candidato número um para causar uma pandemia com letalidade considerável.
● Qual seria essa letalidade?
UJVARI: Hoje, quando se instala no homem, essa gripe causa um estrago
pulmonar muito grande. Sua etalidade é de 50%. Mas, se tiver a
capacidade de passar entre homens, tende a ter sua mortalidade reduzida.
Mas não sabemos, uma vez que será um vírus novo.
● No caso da gripe suína, de 2009, houve muitas críticas à OMS. Muitos
disseram que a organização se precipitou ao declarar uma pandemia.
Qual a sua opinião?
UJVARI: Sempre se espera um influenza novo, que pode causar uma
grande letalidade. Então, temos que tomar cuidado diante de qualquer vírus
novo. As medidas não foram exageradas.
A gripe suína não causou uma mortalidade tão grande, mas provocou
uma letalidade que, até hoje, não conseguimos entender muito bem, em
pessoas jovens e saudáveis.
● As superbactérias são cada vez mais comuns em hospitais e o número
de lançamentos de novos antibióticos é cada vez menor. Por quê?
UJVARI: O que vemos hoje é um lançamento maciço de drogas para
doenças crônicas, como colesterol alto, hipertensão, diabetes, assim
por diante. Alguns trabalhos nos
EUA mostram que o número de novos antibióticos lançados no mercado
vem diminuindo. Isso ocorre porque eles não geram o lucro esperado.
Na comunidade não há tantas bactérias resistentes assim, seriam remédios usados apenas em
hospitais. Ou seja, o retorno financeiro
seria baixo.
● E qual o risco que corremos com as superbactérias? Pode haver uma
epidemia de bactérias resistentes?
UJVARI: Na comunidade em geral, não; mas em hospitais sim. Há várias
bactérias se tornando resistentes e temos um número cada vez mais restrito de opções de antibióticos.
Para algumas delas, só há um remédio, e a tendência é ir piorando.
Estamos na iminência do surgimento de bactérias para as quais não há
nenhum antibiótico no mercado.
● O vírus chickungunya tem sintomas
similares aos da dengue e é transmitido pelo Aedes. Qual o risco de sua chegada ao Brasil?
UJVARI: A dengue tem uma letalidade
mais alta, mas o chicungunya incapacita por mais tempo, causa dor nas
juntas. Mas os sintomas são bem parecidos.
A confusão de diagnóstico seria ruim para identificar a chegada
do vírus, o início da epidemia. Além disso, passaríamos a ter dois problemas
a cada início de ano.
● Os vírus mais ameaçadores são
aqueles que provocam febres hemorrágicas com altíssima letalidade,
como ebola, marburg e lassa.
Existe algum risco de termos uma epidemia dessas?
UJVARI: Com o turismo cada vez mais intenso, principalmente para a África, a
chance de pessoas se infectarem existe. E pode haver demora no diagnóstico
e outras pessoas contaminadas até perceberem que se trata de um
vírus novo. Há pouco tempo, em Johanesburgo,
foi detectado um vírus novo, que provoca a destruição dos vasos
sanguíneos e hemorragia. Três pessoas foram contaminadas. Mas só teve essa
aparição. Vírus novos desse tipo podem surgir, mas pandemia não. Logo
que o paciente é isolado, você contém facilmente a progressão.
● Uma nova Aids é possível?
UJVARI: Há vírus parentes do HIV que o homem começa a descobrir
nos macacos. O HTLV3 e o HTLV4 foram descobertos recentemente.
Como o vírus da Aids nasceu desta maneira, é possível. Mas dificilmente
seria uma epidemia parecida. ■
O GLOBO C I Ê N C I A

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