3.03.2011

Botox: O veneno que cura

Muito além do uso na medicina estética, a toxina botulínica alivia a dor e o sofrimento dos pacientes neurológicos

Em 1817, o sanitarista e poeta Justinus Kerner descreveu os sinais e sintomas do envenenamento da salsicha. À época, não conseguiu identificar o agente biológico da doença, mas orientou que a fervura poderia evitar a doença, oferecendo uma das primeiras lições sanitárias da história da medicina. Somente oito anos depois, o belga Émile van Ermengem, investigando 20 mortes ocorridas após um jantar, em um velório onde serviram presunto defumado, associou o envenamento a uma bactéria, o Clostridium botulinum – homenageando a salsicha, que em latim é chamada botulus. Em 1928, a toxina botulínica foi purificada e conheceu-se a sua estrutura, mas só em 1949 o seu mecanismo de ação foi descrito como capaz de fazer um bloqueio neuromuscular.
Na mão dos militares americanos, a toxina tornou-se a mais promissora arma biológica da Guerra Fria. Teve seu uso na Guerra da Coreia, mas sem muito sucesso. Apesar de ser o veneno mais potente sob controle do ser humano – quer dizer, podemos fabricá-lo, purificá-lo, transportá-lo e utilizá-lo quando e onde quisermos, felizmente a natureza o fez de maneira extremamente frágil e instável. Depois de diluí-lo, qualquer agitação do líquido pode separar as duas partes da molécula de que é composta a toxina e fazer com que ela perca toda a sua potência, por isso seu uso militar passou a ser secundário.
Depois de perceber que sua utilização como arma estava ameaçada, os militares a presentearam a um oftalmologista, o doutor Alan Scott, que fez o primeiro uso médico da toxina ao tratar estrabismo e blefaroespasmo (uma contração involuntária da pálpebra que impede a pessoa de abrir os olhos e enxergar).
Em pouco tempo, a demanda tornou-se impossível de ser atendida pelo trabalho de um só homem, e o dr. Scott acabou vendendo a fórmula da toxina à Allergan. O laboratório a aprovou como Botox em 1989, e transformou uma compra de patente de 10 milhões de dólares em um negócio de 1 bilhão de dólares ao ano.
Depois que o Botox foi aprovado para blefaroespasmo e contratura facial, outras inúmeras indicações foram associadas, tornando-a a droga com mais indicações médicas em bula. Também foi o procedimento não cirúrgico mais utilizado na medicina na década passada, e provavelmente nesta também.
Desde sua introdução na medicina estética, a toxina botulínica virou sensação, mas não se pode esquecer sua indicação neurológica. O dr. Cristiano Milani, especialista em bloqueio neuromuscular com a toxina, explica que o benefício para o paciente com espasticidade, o enrijecimento do músculo, que aparece depois de um acidente vascular ou lesão medular, por exemplo, é tão grande que o consultório médico acaba virando tenda de milagres. “O alívio da dor da contratura é extremamente gratificante”, diz.
A toxina botulínica impede que a acetilcolina seja liberada pelo nervo. Esse neurotransmissor tem a função de avisar o músculo para se contrair, e o que acontece é que o músculo relaxa. Aí vem o trabalho da reabilitação, para que o membro congelado possa recuperar a força de outros músculos e a mobilidade articular. Sua ação inicia-se após três dias da aplicação e dura em média quatro meses.
Aqui a toxina está liberada para tratar a espasticidade, distonias que são contrações involuntárias seguidas de relaxamento do músculo, torcicolo espasmódico e blefaroespasmo, e espasmo hemifacial. Existe também a indicação de uso da toxina desde 2008 para a sudorese excessiva nas mãos, pés e axilas.
O uso deve seguir várias orientações e só pode ser feito por médico especializado. Por exemplo, não se deve aplicar a toxina, seja qual for a indicação, em intervalos de tempo menores que três meses e é preciso respeitar uma dose máxima por sessão de aplicação que varia de acordo com a origem da toxina.
O uso estético da toxina deriva de seu emprego médico neurológico e oftalmológico, e mesmo agora, fazendo a alegria das madames e cavalheiros adeptos do rosto sem rugas, a toxina botulínica continua aliviando a dor e o sofrimento de pacientes neurológicos.
Rogerio Tuma 

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