É hora de descomplicar o vinho: dá para dizer tudo em duas palavras
Muitas das descrições palavrosas das notas de degustação não ajudam a compreender os vinhos. Quero simplificá-las
Pode parecer heresia, mas quanto mais específica for a descrição de um vinho, menos informações úteis ela conterá. Veja você mesmo. Basta comparar dois comentários sobre a mesma garrafa: enquanto um crítico fala em framboesas maduras, pimenta-branca e groselha, outro cita cerejas agridoces e especiarias. Quem tem razão?
Se você sente a necessidade urgente de saber exatamente como será um vinho antes de cheirar e beber, esqueça. Experiência dará a você uma ideia geral, mas buscar exatidão é tolice.
Duas garrafas do mesmo vinho podem ter sabores diferentes dependendo de quando, onde e com quem serão abertas.
Além disso, os aromas e sabores de bons vinhos podem mudar com 20 minutos na taça. Talvez dê para prendê-los momentaneamente, como vaga-lumes nas mãos de uma criança. Mas procure-os novamente um minuto depois e - puf! - não estarão mais ali.
Já uma avaliação com base nas características gerais de um vinho é outra história. Uma descrição sucinta dos pontos marcantes, como densidade, textura, aroma e sabor podem ser muito mais úteis em determinar se você vai gostar daquela garrafa do que mil outros detalhes. De fato, ajudaria imensamente os consumidores se os julgamentos se resumissem a duas palavras: suave ou complexo.
Primeiro, vamos definir esses termos, começando com suave. Quando digo suave estou pensando não apenas na maciez do vinho, mas (mais frequentemente) na impressão de suavidade. Essa impressão pode vir de sabores dominantes de fruta e alta concentração de glicerol, um produto de fermentação, pesado, oleoso e ligeiramente doce. O Zinfandel, por exemplo, é normalmente seco, mas eu o caracterizaria como suave pelo frutado intenso. Incluiria também o opulento Pinot Noir da Califórnia, muitos Châteauneufs-du-Pape da doce safra 2007, Côtes du Rhône da safra 2009, Amarones e um número de tintos espanhóis.
Entre os brancos eu poria os Chardonnays californianos da escola tutti-frutti, com seus sabores tropicais e notas amanteigadas, embora o termo não contemple exemplares enxutos, mais estruturados. Viogniers voluptuosos, venham de onde vierem, tipificam a suavidade. Gewürztraminer e Pinot Gris, especialmente em suas untuosas modalidades alsacianas, idem, e também os Torrontés florais da Argentina.
Os vinhos complexos, como dá para imaginar, são os que não passam a impressão de suavidade. Na verdade, podem não ter sabor algum de fruta, com a exceção das cítricas e, possivelmente, maçãs, que são mais ácidas que doces.
Os jerezes Finos, em especial os Manzanillas, são salinos em lugar de doces, por exemplo. Bom Muscadet e Sancerre? Chablis e outros borgonhas? Sugerem algo de fruta, mas estão mais próximos dos sabores herbais e defumados, ao lado de seus gostos de pedras, cascalho, ardósia e cal, tudo que se engloba no conceito genérico de "mineral".
Os sabores minerais andam lado a lado com a acidez vivaz. De fato, muitos dos vinhos que entram na categoria de complexos têm também um frescor trazido pela acidez. Bons exemplos que se encaixam aí são os Rieslings mais secos.
Os tintos podem ser complexos? Claro. No mundo das notas de degustação, os bons vinhos de Syrah do norte do Rhône frequentemente são descritos como tendo aromas e sabores de ervas, azeitonas e gordura de bacon, material de complexidade de primeira. Mas se você colher as uvas mais maduras e mergulhar o vinho em carvalho, os do norte do Rhône podem se tornar doces.
Óbvio que generalizações desse tipo são perigosas. Várias categorias de vinho são difíceis de classificar numa ou noutra vertente. O Beaujolais mais comercial, por exemplo, é produzido para amplificar a natureza da uva Gamay, imediatamente classificável como doce. Mas Beaujolais sério, de pequena produção, mostra mais acidez e sabores minerais. O frutado inerente ao vinho está ali, mas um Morgon de qualidade e um Moulin-à-Vent são fortemente complexos.
Estou indo longe demais, vou deixar para vocês decidirem. A razão do exercício não é a de classificar todos os vinhos, mas sugerir uma maneira diferente de pensá-los de modo mais simples. Ou talvez ajudar as pessoas a fazer as próprias descobertas.
Muitos objetarão que estou fazendo os vinhos ficarem simplórios. Acho que o contrário é também verdade. A simplicidade, como os designers, os cosmologistas e os filósofos sabem, é virtude. Como Antoine de Saint-Exupéry definiu uma vez, "a perfeição é atingida não quando nada mais há a acrescentar, mas quando já não há o que retirar".
Nenhum comentário:
Postar um comentário