Armas químicas: uma ameaça real
*Por Camilla Gomes Colasso
Diante
do agravamento da crise dos refugiados na Europa e dos ataques do
Estado Islâmico, um tema preocupante vem ganhando cada vez mais destaque
na imprensa mundial: as armas químicas.
Este
assunto pode parecer distante da nossa realidade no dia a dia, mas o
uso de armas químicas talvez seja tão antigo quanto a história das
guerras na humanidade e é relatado há mais de dois milênios. Em 600
a.C., data do primeiro registro do uso destas substâncias, os atenienses
envenenaram as águas de um rio com raiz de Heléboro com o objetivo de
intoxicar seus inimigos. Já durante a Primeira Guerra Mundial ocorreu o
pico de uso destes agentes, quando o exército alemão aplicou gás cloro
em ataques contra seus rivais. Por suas propriedades tóxicas, desde
então, agentes químicos são constantemente empregados com propósitos
bélicos e morticínio em guerras e atos terroristas no mundo inteiro.
Em 6 de janeiro deste ano, o chefe do desarmamento da ONU (Organização das Nações Unidas),
Kim Won-soo, afirmou ao Conselho de Segurança que o fiscalizador de
armas químicas da organização relatou a possibilidade de o gás letal
sarin ter sido usado em um suposto ataque químico na Síria. No ano passado também tivemos alguns acontecimentos registrados pela imprensa. Em
14 de agosto, curdos no norte do Iraque foram atacados com foguetes
cheios de agentes químicos, os quais, segundo as informações que ainda
estão sendo apuradas, foram bombas de gás cloro lançadas pelo Estado
Islâmico (EI). No dia 12 de março do mesmo ano também foram publicadas
notícias sobre um possível uso de gás cloro contra a população curda.
Estes prováveis ataques com armas químicas têm sido cada vez mais
frequentes e preocupantes e o governo norte-americano está praticamente convicto que o grupo EI está produzindo e utilizando armas químicas, entre elas, gás mostarda e gás cloro.
Como
gerente da Intertox e especialista na área de segurança química e
toxicologia, acho lastimável o uso consciente de produtos tóxicos contra
seres humanos realizados por grupos desprovidos de responsabilidade e
senso humanitário. A toxicologia se recusa a viver com este estigma, já
que é uma ciência para a predição da toxicidade de produtos químicos
para fins de gerenciamento do risco toxicológico e não dever ser
confundida como uma alternativa que cause dor e sofrimento.
As
armas químicas de guerra são definidas como qualquer substância química
cujas propriedades tóxicas são utilizadas com a finalidade de matar,
ferir ou incapacitar algum inimigo na guerra ou associado a operações
militares. Estes agentes químicos são classificados de acordo com o
mecanismo de ação tóxica para os seres humanos, como agentes
neurotóxicos, agentes vesicantes e levisita, agentes sanguíneos, agentes
sufocantes e toxinas. Alguns destes são tão devastadores quanto outras
armas poderosas, já que muitos, além de provocarem lesões imediatas,
também estão associados com morbidades e problemas psicológicos a longo
prazo.
Pensando
nestes graves problemas e com o objetivo de proibir o desenvolvimento,
produção, estocagem e emprego destas substâncias, assim como o uso de
gases tóxicos e métodos biológicos nas guerras, em 1997 foi assinada a Convenção para a Proibição de Armas Químicas (CPAQ), que
criou a Organização para a Proibição de Armas Químicas (Organisation
for the Prohibition of Chemical Weapons - OPCW) e contou com 189 países
signatários, inclusive o Brasil. No entanto, atualmente há um intenso
esforço de vários países para produzir armas químicas em escala mundial,
desrespeitando os protocolos formais de combate às mesmas.
De
acordo com a CIA – Agência Central de Inteligência dos EUA, mais de 20
países estão desenvolvendo ou já possuem armas químicas de guerra, entre
eles China, Coréia do Norte, Japão, Rússia, França, Inglaterra, Cuba,
Estados Unidos, Índia, Irã, Iraque, Paquistão, Síria e Egito. Por não
exigirem uma infraestrutura de produção muito sofisticada, os agentes
químicos e biológicos letais são meios bélicos acessíveis aos países em
desenvolvimento. Tais compostos, como o gás cloro que tem aplicação na
indústria, são de fácil obtenção e custo baixo se comparado as armas
convencionais e nuclear.
O cenário é preocupante e indica que o desenvolvimento, produção e o uso de armas químicas é
uma realidade. A facilidade de serem empregadas e o grande número de
vítimas que causam são alguns dos motivos que fazem grupos terroristas
utilizarem este tipo de armamento. A melhor maneira de combater a
prática, que é extremamente condenável sob os aspectos filosófico,
religioso, político, humano, moral e ético, por sua periculosidade,
pelos efeitos generalizados sobre o meio ambiente e pela facilidade de
fabricação, é dar a devida atenção ao assunto, lidando com ele como uma
ameaça presente a todo o mundo.
*Camilla Gomes Colasso é farmacêutica bioquímica e mestre em Toxicologia
e Análises Toxicológicas pela USP. Atua como gerente da empresa
Intertox e é especialista em armas e guerras químicas, além de ministrar
cursos e palestras na área de segurança química e toxicológica. É
autora do livro ‘Ácido Fluorídrico e Fluoreto: aspectos toxicológicos’ e
também lança nesta semana o livro ‘Armas químicas: o mau uso da toxicologia’, primeira publicação brasileira sobre o tema.
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