Por Pedro Breier, correspondente policial do Cafezinho
Procuradores do MPF do Rio de Janeiro pediram à Justiça o fim da proibição de manifestações políticas nos Jogos Olímpicos do Rio.
O juiz João Augusto Carneiro Araújo concedeu liminar favorável ao pedido, dando início à temporada do "Fora Temer" na Rio 2016.
Um primeiro ponto a ser apontado sobre essa questão é a diferença gritante entre a postura dos procuradores que entraram com o pedido de fim da censura na Olimpíada e a postura dos procuradores da Lava Jato.
Enquanto os cariocas atuaram em defesa do cidadão e das liberdades frente ao arbítrio do Estado, no âmbito da Lava Jato vemos um Ministério Público com sede de sangue, pedindo tortura de presos e penas medievais.
O Ministério Público é o patrocinador das tais "10 medidas contra a corrupção", muito bem definidas pelo juiz Marcelo Semer:
Imagina um código penal, de processo civil e processo penal reformado só por promotores. Cria tipos, aumenta penas até à exaustão, inverte presunção, limita recurso, esmigalha habeas-corpus, fulmina prescrição, aumenta competência do MP, legaliza prova ilícita, legitima decisão não-fundamentada que decreta prisão, mas proíbe nos casos de nulidade. Pronto, já está sabendo o que são as "10 medidas contra corrupção", que não são 10 medidas (deve ter uma centena por baixo) e não são "contra corrupção", mas genericamente "pro acusação".O MP é instituição das mais importantes. É o fiscal da lei, o órgão que tem a função de garantir o cumprimento da legislação. O pedido do fim da proibição ao 'Fora Temer' demonstra o quanto o Ministério Público pode colaborar na luta contra o arbítrio.
Um nome mais apropriado: "Muitas medidas contra a Constituição".
O problema começa quando os procuradores e promotores interpretam erroneamente o seu papel constitucional de fazer a acusação no processo penal e passam a tratar acusados como inimigos e a passar por cima da lei em nome do combate ao crime.
No estado de direito deve vigorar o império da lei.
Uma das consequências disso é que uma vez que a lei seja criada e esteja valendo, o Estado deve cumpri-la.
No estado de direito o poder estatal definitivamente não é absoluto, mas limitado pela lei.
O órgão responsável por fiscalizar o cumprimento da lei obviamente deveria ser o último a descumpri-la, mas aparentemente boa parcela do MPF faltou a esta aula na faculdade. Ou, mais provavelmente, a sede de poder é maior que a vontade de respeitar a Constituição.
A segunda constatação a partir do fim da censura nos estádios é a comprovação da hipocrisia de Michel Temer.
Um dia depois da censura ao 'Fora Temer' ser derrubada pela Justiça o Estadão publica um artigo do eterno interino intitulado "A democracia", com o seguinte subtítulo: "Minha formação democrática me impede gestos autoritários. Não os praticarei".
Um escárnio inacreditável.
Temer não fala da questão da censura na Rio 2016, mas desfila todo seu conhecimento jurídico e sociológico para sustentar que o Brasil tem uma "vocação centralizadora e autoritária" na sua cultura política, o que de fato é verdade.
Mas em seguida vem o disparate: no seu governo as instituições estariam funcionando regularmente, sem interferência de um poder em outro, e por isso temos a oportunidade de "romper com esse ciclo histórico de agressão à separação de Poderes e à Federação, suportes de uma democracia".
Constatem vocês mesmos aqui a que níveis de hipocrisia um anão moral pode chegar.
E a hipocrisia fica latente não apenas porque Temer chegou ao poder sem voto, traindo sua companheira de chapa (Temer também assinou decretos autorizando as 'pedaladas fiscais', não esqueçamos) ou porque a conspiração da qual faz parte simplesmente cancelou uma das maiores eleições do mundo democrático ou ainda porque ele e seu ministro Alexandre de Moraes reinstauraram a censura no Brasil ao proibir protestos políticos durante os Jogos Olímpicos.
Mesmo o alardeado respeito do governo golpista à separação dos poderes é desmentido por esta matéria no próprio Estadão. Um trecho:
O presidente em exercício Michel Temer recebeu nesta segunda-feira, 8, no Planalto um grupo de senadores para definir um pacote de 1.519 obras paralisadas. O encontro ocorreu na véspera da votação no plenário do Senado do relatório do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) sobre o processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff. A retomada dessas obras, com valores entre R$ 500 mil e R$ 10 milhões, totalizando R$ 1,8 bilhão, atende a um pedido dos senadores e, indiretamente, é uma forma de fazer um afago a eles – responsáveis pela análise final do impeachment.O presidente interino liberar verba a parlamentares para que estes votem contra a volta da governante eleita ao seu posto não é um comovente exemplo de democracia e separação dos poderes?
Encerro o post com as pertinentíssimas considerações do professor Wilson Gomes sobre a liberação do 'Fora Temer' na Rio 2016:
Sério mesmo que chegamos ao ponto de precisar de uma liminar de juiz federal para garantir que pessoas pudessem portar cartazes e camisetas com "Fora, Temer!" nos espaços onde acontece a Olimpíada? Esqueçam o "Dilma, vá tomar no..." e o "Dilma vaca" que viraram hinos políticos na Copa do Mundo. Nem façam caso das mil formas de grosserias e preconceitos estampados, gritados ou impressos contra Lula e Dilma, em espaços públicos e privados, nos últimos 13 anos. A prescindir diss...o tudo, e da tolerância com que foram tratados os protagonistas do desrespeito, em que Estado de democracia liberal, no mundo, pode passar pela cabeça de alguém que um cidadão não tem o sacrossanto direito de escrever "abaixo o governo" e "fora, presidente"?
A democracia tem tudo a ver com secularização do poder político, com a perda de altura e de aura da autoridade. O poder é concedido por eleitores falíveis, em competições falíveis, a pessoas falíveis. Nada há de transcendental, arcano, sacral na origem ou no exercício do poder. Não há democracia no mundo que não conheça várias expressões para expressar o "fora presidente", "abaixo o governo", isso porque nada há de mais inocentemente democrático do que a possibilidade de expressão do desapreço a quem exerce o poder ou de que já estamos fartos de quem nos governa. E se isso vale para governos que elegemos, imaginem se não vale ainda mais para quem chegou ao governo por caminhos, digamos assim, tortuosos?
Não sei de quem partiu a ideia de que podemos ter democracia mas não o direito de mandar quem quer que nos governe à puta que o pariu. Só sei que foi uma péssima ideia, um laboratório de autocracia que finalmente a justiça mandou fechar. Ou será que nem mais se importam de que essa zorra toda ao menos se pareça com uma democracia? Vai ver, é isso, né?
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