O nascimento do PSDB está relacionado à tentativa de resgate da ética republicana no exercício do poder. Costela do PMDB, o grupo autêntico que fundou o partido tinha, entre outros propósitos, o de se contrapor ao clientelismo de Orestes Quércia e seus aliados. Os tucanos foram vertebrados, portanto, por paradigmas morais numa tentativa de os diferenciar dos demais partidos. Construiu-se ao longo dos anos, especialmente durante o mandarinato de Fernando Henrique Cardoso, a imagem de um partido contemporâneo, preso a compromissos éticos inegociáveis, ainda que isto não fosse exatamente a realidade.
No curto e tumultuado espaço de tempo em que esteve à frente da legenda, Aécio Neves conseguiu por tudo isto abaixo. Com a omissão de suas figurais centrais, a começar por FHC, ele inicialmente fez o partido se descolar de sua plataforma social-democrata, ao se juntar despudoramente a setores da direita numa estratégia absolutamente oportunista. Depois, pela conduta pessoal, empurrou o PSDB para defesa das tramóias de que é acusado, seja na gestão do Governo de Minas; nos negócios com seus apaniguados em Furnas ou na promiscuidade de seu relacionamento com Joesley Batista. Em síntese, o PSDB que nasceu sob o signo da moralização tornou-se palanque de defesa do senador mais citado nas delações da Lava-Jato.
Majoritariamente integrante da classe média, o eleitor tucano valoriza as questões éticas; não transige com violações aos preceitos de boa conduta. Não por outra razão, as pesquisas de opinião emprestam aos tucanos um lugar obscuro na sucessão presidencial de 2018. Seus candidatos em potencial – o governador Geraldo Alckmin e o prefeito João Dória – patinam na casa dos sete por cento das intenções de voto. Ao caminhar para a direita, o PSDB foi engolido por Bolsonaro, afinal, neste campo, o nosso Donald Trump tupiniquim transita com muito mais desembaraço e autenticidade.
A vitória de Aécio no Senado, numa aliança dos tucanos com os fisiológicos do PMDB, é o retrato mais bem acabado da debacle do PSDB. Mostra, sem retoques, a derrocada ética da legenda. Evidencia, aos olhos da opinião pública, a transformação do partido em mais uma sigla maculada definitivamente pela corrupção.
Para além dos limites partidários, o senador mineiro talvez seja o maior responsável pelo crise nacional. Ao não aceitar o resultado das urnas em 2014, Aécio deflagrou uma campanha de ódio contra a presidente Dilma e o PT. Pôs-se a campo, com ações e outros questionamentos, para tentar desestabilizar o governo eleito. Juntou-se a Eduardo Cunha para tramar o golpe, com apoio de recursos ilícitos como delatara recentemente o doleiro Lúcio Funaro. Mais uma vez, o então presidente do PSDB levou o partido a posições incompatíveis com o ideário original de sua criação. 0s tucanos foram transformados em tropa de choque do golpe, numa lamentável transmutação de sua genética democrática.
Nesta caminhada rumo aos despenhadeiro, o PSDB por fim tem a colaboração do iracundo prefeito de São Paulo, João Doria. Ao abrir as portas em seu principal reduto a um forasteiro, sem compromissos com os postulados partidários, os tucanos venceram as eleições mas perderam mais uma vez a credibilidade e a coerência junto â opinião pública. Após trair em poucos meses seu criador – o governador Geraldo Alckmin – Dória pos-se a destilar ódio nas redes sociais contra o presidente Lula e aos próprios colegas de partido que dele discordam. Faz um discurso que não guarda qualquer correspondência com a postura equilibrada que fazia do PSDB uma espécie de representante nacional da social democracia europeia. Administra a cidade nos moldes de uma agência de publicidade; tenta vender a ideia de trabalho mostrando-se acordado às 6 da manhã, como se desocupados não pudessem também madrugar. Enfim, faz do marketing a contrafação da realidade.
Submetido ao protagonismo de um senador acusado de corrupção e de um prefeito farsante, o PSDB pouco tem a esperar. Será certamente repelido nas urnas, numa reprovação pública por suas incoerências e equívocos. Aécio e Dória, cada um a seu modo, desfiguraram o partido, transformando-o num ajuntamento de políticos sem nitidez programática e maculados pela corrupção. Por ironia do destino, estas teriam sido exatamente as razões que justificariam a dissidência - embrião da nova legenda em 1988. Com motivações opostas, o PSDB nasce e começa a morrer pelos mesmos motivos: a tolerância com a corrupção e falta de substância programática. O fim se aproxima.
Nenhum comentário:
Postar um comentário