3.10.2008

EBRIOREXIA NOVA ANOREXIA LIGADA AO ÁLCOOL (Distúrbios da Alimentação)

'Ebriorexia' é nova anorexia ligada ao álcool


Nova York - Manorexia. Ortorexia. Diabulimia. Distúrbio de Alimentação Excessiva. Todas essas são variantes perigosas da anorexia e da bulimia, dois distúrbios de alimentação que se tornaram muito presentes na mídia e são tema de inúmeras reportagens, blogs, sites e programas de TV.

À medida que as revistas de fofocas reportam o sofrimento dos pacientes glamurosos desses problemas, terapeutas e um número crescente de pesquisadores tentam tratar e compreender essas doenças.

A doença que acaba de chegar ao catálogo de males relacionados à alimentação é conhecida como "ebriorexia", uma gíria composta que descreve um problema causado por mistura perturbadora de comportamentos: passar fome deliberadamente, ou comer demais e provocar vômito, acompanhados de uso exagerado de álcool.

"Ebriorexia" não é um termo médico reconhecido. Mas aponta para um fenômeno perturbador, no que tange aos distúrbios de alimentos e aos distúrbios compulsivos. Entre as pessoas classificadas como ebrioréxicos há os universitários, em sua maioria mulheres, que passam fome o dia todo a fim de compensar as calorias que ingerem em forma de álcool durante suas noitadas.

O termo se associa também a distúrbios alimentares graves, especialmente a bulimia, a qual muitas vezes acarreta comportamento como o abuso de alimentos e bebidas e o uso do vômito como maneira de purgar o organismo.

Os anoréxicos, porque restringem severamente sua ingestão de calorias, tendem a evitar álcool. Mas alguns bebem para se acalmar antes de comer, ou para aliviar a ansiedade causada por uma refeição. Ainda outros empregam drogas como cocaína e metanfetaminas para reprimir o apetite.

"Existem mulheres que têm medo de colocar uma uva na boca mas bebem uma cerveja sem problemas", disse Douglas Bunnell, diretor dos serviços clínicos em domicílio do Renfrew Center, sediado em Filadélfia.

O centro, com um pequeno mas crescente número de outras unidades de tratamento de distúrbios da alimentação e de vícios - a maioria dos quais localizados na costa oeste norte-americana, oferece um duplo foco, em problemas de alimentação e de abuso de drogas.

Bunnell, antigo presidente da Associação Nacional dos Distúrbios de Alimentação dos Estados Unidos , diz que a obsessão pela magreza e a aceitação social do uso da bebida e drogas - bem como a sensação recentemente surgida entre as celebridades de que recorrer a tratamentos de desintoxicação é quase obrigatório, ou até charmoso - são parcialmente culpados pela tendência.

"Ambos os distúrbios são formas de comportamento que terminam glorificadas e reforçadas", disse Bunnell. "Beber em excesso se tornou mais aceitável: é uma moda. E perder peso e serem magras é quase um imperativo cultural para as jovens norte-americanas. A mistura das duas coisas não surpreende, e agora chegou a um ponto em que o público começa a se conscientizar do problema".

Os psicólogos dizem que os distúrbios da alimentação, como outros vícios, muitas vezes têm raízes na necessidade de amortecer uma dor emocional por meio de substâncias, ou da sensação que beber ou comer em excesso, e depois vomitar, suscita. Os distúrbios são muitas vezes causados por traumas infantis como abuso sexual, negligência dos pais ou outras fontes de angústia mental.

A manorexia é a versão masculina da anorexia. A ortorexia é uma obsessão por alimentos considerados como saudáveis ¿ por meio da eliminação de gorduras ou conservantes, por exemplo. Mas as pessoas que sofrem essas condições podem correr perigo ao se privar de nutrientes necessários.

A diabulimia se refere a diabéticos que deixam de tomar insulina, que pode causar ganho de peso, a fim de controlar seu peso. A despeito do nome, o distúrbio não envolve vômito provocado.

O distúrbio de alimentação excessiva se refere ao consumo excessivo de alimentos, especialmente os ricos em sal e açúcar, que não envolva exercício obsessivo ou vômito provocado para compensar a elevada ingestão de calorias.

Judy Van De Veen, 36 anos, que vive em Gillette - Nova Jersey, se tornou anoréxica aos 24 anos. Ela diz que passava fome deliberadamente, e que passou dois meses comendo apenas alguns bocados minúsculos de alimentos de baixo valor calórico. Depois, começou a usar o método de comer em excesso e provocar vômito, consumindo caixas inteiras de cereais, pizzas e comida de restaurantes fast food, o que lhe custava até US$ 80 ao dia.

Ela começou um tratamento, primeiro com internação e mais tarde apenas como paciente externa, no início dos anos 90, mas não conseguiu resolver seus distúrbios de alimentação inteiramente. Em 2001, ainda sofrendo de bulimia, ela começou a beber. Se comesse enquanto bebia, ela costumava vomitar, mas isso a levava a consumir mais álcool posteriormente para compensar a perda, porque seu objetivo era se manter embriagada.

Muitos dos bulímicos usam álcool para induzir vômito, dizem especialistas em distúrbios de alimentação, porque é mais fácil purgar líquidos do corpo. Eles também tendem a vomitar porque bebem de estômago vazio.

"Quando comecei a ter problemas de alimentação, eu evitava o álcool, porque é muito calórico", diz Van De Veen, que mais tarde passou por uma série de internações hospitalares causadas por "desidratação". "Mas eu sofro da doença do mais: quero sempre mais, não importa o que".

Depois de dois anos de problemas de embriaguez, ela aderiu a um programa de combate ao alcoolismo. Passou os dois anos seguintes participando de seis programas diferentes de desintoxicação por internação, o custo dos quais, US$ 25 mil, ela bancou com dinheiro pessoal, porque não dispunha de um plano de saúde.

Mas nenhum dos programas tratava de distúrbios de alimentação, de modo que ela continuou comendo em excesso e vomitando, e seu distúrbio alimentar se agravou mais e mais.

Van De Veen diz que parou de beber há três anos, mas continua enfrentando problemas devido à bulimia. Agora, ela tem uma filha de 14 meses, Cheyenne, e disse que a gestação e os grupos de apoio a que aderiu a ajudaram a realizar progressos quanto aos distúrbios de alimentação.

"Eu tinha uma desculpa para comer", disse, sobre a gravidez. "Não me importava, e amei a experiência". Mas agora, afirma, a tentativa de comer demais e vomitar voltou a assaltá-la.

Trish, 27 anos, que sofre de um distúrbio de alimentação há 10 anos, recentemente se internou no Renfrew, sua quinta passagem por um centro de tratamento ou hospital.

Como Van De Veen, Trish, que aceitou conceder a entrevista desde que apenas seu prenome fosse revelado, primeiro enfrentou a anorexia, e posteriormente descobriu o álcool. Antes de se internar no Renfrew, ela conta que estava desmaiando regularmente por falta de alimentos, e sofrendo dores de estômago crônicas.

Trish é enfermeira, vive no Ohio e trabalha com pacientes cardíacos, e conta que passava seus turnos de trabalho de oito a 12 horas sem comer, sempre atenta ao relógio, obcecada com o momento em que poderia tomar seu primeiro drinque do dia.

Beber, ela conta, a ajudava a relaxar quando tinha de comer diante de outras pessoas, uma imensa fonte de estresse. "Só o álcool me ajudava a manter algum peso."

"Beber me ajudava a ser menos ansiosa", diz. "E também me ajudava a ser mais eu. As duas coisas andavam juntas: caso eu bebesse mais, meu distúrbio alimentar se tornaria mais intenso, e vice-versa".

Estudos demonstram que comer excessivamente e abuso de álcool são problemas em ascensão entre as mulheres, que também são mais propensas que os homens aos distúrbios de alimentação.

Cerca de 25% a 33% dos pacientes de bulimia também enfrentam problemas com álcool ou drogas, de acordo com um estudo publicado no ano passado pela revista especializada Biological Psychiatry. O estudo constatou que entre 20% e 25% dos anoréxicos têm problemas de abuso de substâncias.

Crescente número de pesquisadores vêm examinando os elos psicológicos e neurológicos entre distúrbios de alimentação e abuso de substâncias. Será que comer uma barra de chocolate, ou comer em excesso e vomitar, estimulam os mesmos centros de prazer no cérebro que as drogas e o álcool?

Suzette Evans, professora de neurociência clínica na Universidade Colúmbia, iniciou um estudo da conexão entre a bulimia e o abuso de substâncias, um campo que, segundo ela, não vem recebendo a atenção merecida. "As pessoas estão enfim começando a compreender que os alimentos podem funcionar da mesma maneira que a bebida ou as drogas", ela diz.

Trish saiu do Renfrew em 22 de fevereiro, depois de seu segundo tratamento no centro. Ela se disse determinada a eliminar sua obsessão com peso, alimentos e álcool.

Antes de se internar, diz, "eu nem mesmo tinha energia para rir". Mas, ao se preparar para voltar para casa, suas esperanças eram grandes. "Não viverei minha vida dessa maneira", afirmou. "Aprendi, desta vez, a não me envergonhar. Quero me amar, e quero me perdoar".

As informações são do jornal The New York Times
Tradução: Paulo Eduardo Migliacci ME


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