Mônica Sodré Pires, que ficou entre os oito finalistas latino-americanos do concurso do FMI “Como construir um futuro melhor para a América Latina”, afirma que enquanto o país não avançar no setor não oferecerá melhores escolhas para seus cidadãos
São Paulo - A reunião anual do Fundo
Monetário Internacional (FMI), realizada na semana passada em Washigton
(EUA), contou com oito latino-americanos finalistas de um concurso sobre
o tema “Como construir um futuro melhor para a América Latina”. A
cientista política Mônica Sodré Pires, doutorando da Universidade de São
Paulo, fez parte desse grupo, que teve outro brasileiro, Luiz Guilherme
de Brito Soares, da Universidade Católica de Pernambuco.
Para Mônica, o país precisa avançar na
educação — de base e política — vencerá os gargalos do crescimento e oferecerá melhores escolhas para seus cidadãos: “Uma coisa é
escolher ser pedreiro, outra é seguir nesse caminho por falta de opção”.Você e outros sete jovens latino-americanos foram escolhidos entre 1,5 mil inscritos no prêmio do FMI cujo tema era “Como construir um futuro melhor para a América Latina”. Afinal, como é possível fazer isso?
Coincidentemente, na visão de nós oito, a educação é vista como um dos principais gargalos para o desenvolvimento da América Latina. No meu caso especificamente, acho que o caminho é a educação e a educação política. Eu acho que enquanto não houver um povo minimamente educado em política para entender nosso sistema eleitoral, nosso sistema partidário; enquanto um maior número de pessoas não estiver minimamente informado sobre isso, continuaremos a eleger os Collor e os Aécios da vida..
Educação política em que sentido?
Nós temos pouco cuidado com o pós-eleição, no sentido de entender que elegemos pessoas para nos representar e, se elas não estão fazendo isso, precisamos ter algum tipo de controle sobre elas. Mas nós descuidamos disso, pois a maioria das pessoas esquece em quem votou para deputado, por exemplo. Se você não lembra em que votou, como pode se sentir representado?
Como foi participar de uma reunião com pessoas que decidem os caminhos financeiros do mundo?
Foi muito enriquecedor estar lá e debater com pessoas que eu costumo ler, como o Jim Yong Kim, presidente do Banco Mundial e o Paul Krueger, vencedor do Nobel de Economia. E também foi difícil ver as perspectivas para a América Latina.A preocupação com a União Europeia também é muito grande. E, no Brasil, o cenário não é bom porque o preço das commodities baixou muito e a infraestrutura é um gargalo importante.
O FMI é uma instituição que basicamente se preocupa com a saúde financeira internacional. Como veem a América Latina?
Nós tivemos uma reunião com a diretora-gerente FMI, Christine Lagarde, e foi enriquecedor ouvir uma mulher falar para outra, latino-americana, que trabalha com política — que é o meu caso — que uma das chaves para superar os problemas econômicos é o apoderamento da mulher através do mercado de trabalho. No caso brasileiro, eles falaram da necessidade de reformas das leis trabalhistas, para incentivar a formalização da mão de obra de jovens, idosos e mulheres.
E você concorda?
Eu concordo com algumas das indicações, não necessariamente com todas. A minha visão é de que, enquanto não se investir em educação básica e política, não vamos superar os nossos principais desafios.
O Brasil conseguiu diminuir a desigualdade social nos últimos anos. Houve avanços também na educação?
Eu diria que sim. Mas ainda tem muito a ser feito. Eu tenho 28 anos e quando ingressei na Federal (Faculdade Federal de São Carlos), havia 50 vagas. Quando eu saí, já eram 90. A universidade passou por processo importante de expansão de vagas de alunos. Mas não significa que contrataram mais professores. Além disso, há uma política muito ruim de retenção desses profissionais. Aqui em São Paulo, o prefeito Fernando Haddad (PT) tem boas iniciativas para tentar sanar sanar o déficit de vagas em creches. Tivemos muitos avanços, mas há muito a caminhar. E não é só no Brasil: é um problema para todo mundo.
O que mais precisa ser feito?
Precisamos pensar também que tipo de educação queremos. Existe um descolamento do que o mercado precisa e o que as universidades formam. E isso se ouve do Chile, do Uruguai, da Argentina e do Paraguai. O Brasil tem focado na educação técnica, o Pronatec é isso. E é ótimo. Mas precisamos pensar também que tipo de profissional e aluno a gente quer para o futuro, para daqui a cinco ou dez anos.
Você acha que o mal da América Latina é a educação ineficiente?
É difícil responder. Mas eu sei que a questão de crescimento e desenvolvimento passa pelo mercado de trabalho. Quando o FMI diz em fazer reformas, tem a ver com uma massa de pessoas na América Latina que está no mercado informal. É preciso leis que que permitam a incorporação dessa população com incentivos para a formalização. Pode parecer clichê, mas a educação permite mobilidade e a possibilidade de onde essa massa quer colocar a sua força de trabalho. Enquanto não tiver educação que permita isso, que as pessoas façam escolhas, o cenário continuará muito difícil.
Em seu texto você diz que, no Brasil, as pessoas entram na vida por portas muito distintas, e que a miséria é a porta de acesso para grande parte delas. Como mudar?
É dar opção. Se um jovem é filho de pedreiro e neto de pedreiro, ele provavelmente vai seguir neste caminho porque não tem outra escolha. Uma coisa é escolher ser pedreiro, outra é não ter opção porque a educação que ele recebeu não foi de qualidade e não permitiu que ele se saísse bem no vestibular. Ou que sequer chegou ao vestibular, porque abandonou o ensino médio para ajudar a família.
Como você está vendo o processo eleitoral?
Estou muito feliz porque é a primeira vez que eu vejo tanto gente mobilizada e acompanhando o assunto. Gente acompanhando debate, gente desfazendo amizade no Facebook porque discorda da opinião política do outro. Os projetos para educação dois dois candidatos são muito distintos , o investimento do pré-sal pode fazer a grande diferença.
Apesar das manifestações de 2013, teremos um Congresso muito conservador. No fim, foi tudo só pelos 20 centavos?
Eu não acredito nisso. Acho que as manifestações deram o tom, mostraram que existe uma juventude que busca outra forma de fazer política. Nós tendemos a ver as coisas de forma muito pontual. Eu, procuro ver por acúmulo.
Ainda estaríamos no caminho das mudanças?
Sim. Acho que haverá desdobramentos ainda nas próximas eleições. Mas há deputados eleitos que já pensam formas de mandatos colaborativos, de criar conselho político para conectar um pouco mais o representante e o representado. Isso já é reflexo das manifestações de 2013.
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