Corte julga amanhã a constitucionalidade de artigo da lei sobre entorpecentes com a perspectiva de que torne mais realista a legislação do país.
Em 2006, entrou em vigor no Brasil a Lei 11.343, que estabeleceu novos parâmetros legais para a questão dos entorpecentes. Em tese, foi um avanço: aquela legislação distingue, para efeitos de punição, o traficante do usuário. Na prática, no entanto, teve efeito contrário ao que se pretendia. O vício original de não ter fixado a quantidade a partir da qual é crime o porte de tais substâncias deixou margem à subjetividade na interpretação do texto legal, ficando em geral a critério da autoridade policial a decisão sobre o destino do detido.Especialistas apontam essa particularidade como uma das grandes razões da inversão de expectativa: por falha, a aplicação da lei teve efeito perverso sobre o usuário e pouco ou nada influiu no segmento que de fato precisava atacar — o comércio subterrâneo controlado por quadrilhas do crime organizado. Quase uma década depois, a falência da Lei de Drogas se evidencia em números oficiais. Segundo dados do Ministério da Justiça, o número de presos genericamente por “tráfico” já supera o de outros tipos de crimes no país. Desde 2006, o aumento desse segmento da população carcerária foi de 339%.
Por óbvio, beira o absurdo achar que todo esse contingente é formado por traficantes de fato. A parte substancial desse bolo se compõe de usuários, pequenos atravessadores (que, em geral, financiam o próprio consumo), consumidores eventuais, grande parte sem antecedentes criminais. A lei prende no atacado, mas, analisada no varejo, revela o efeito deletério da subjetividade que manda para a cadeia quem, no máximo, deveria ser encaminhado a tratamento — ou seja, pessoas que precisam de apoio no âmbito da saúde pública, mas que, tratadas como criminosas, agravam o problema da superlotação carcerária.
É emblemático, por exemplo, que, em São Paulo, um parâmetro seguro para o perfil do país, seja de menos de cem gramas a quantidade de drogas apreendida em 62% dos flagrantes policiais que resultaram em processos penais, segundo estudo da Defensoria Pública do estado. Em 74% das ações que resultaram em condenação, a decisão baseou-se no testemunho de um único policial. A isso se soma um inaceitável comportamento socioeconômico do Estado, que mostra como o braço da lei alcança, preferencialmente, o estrato social mais fragilizado da sociedade. Este é um dos aspectos mais perversos de uma questão que, amanhã, entra na pauta do STF, com o julgamento da constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas. A Corte terá o oportunidade de dar um basta histórico na crônica do combate às drogas no país, trazendo para a realidade uma legislação que consagra o atraso no trato de um problema para o qual diversos países já tomam, com êxito, caminhos diversos do viés policial-militar. Estabelecer, por exemplo, um patamar para o porte e o uso de entorpecentes, como propõem especialistas, é um passo inicial, e substancial, para acabar com distorções. Espera-se que o STF entenda o alcance da decisão que terá de tomar.
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