Durante passagem pela capital gaúcha, senador Lindbergh Farias
(PT-RJ) avaliou que o agravamento das crises social, política e
econômica está mostrando o governo de Michel Temer cada vez mais
enfraquecido e em processo de decomposição; paradoxalmente, quanto mais
fraco o governo fica, mais tenta acelerar o seu programa de reformas,
especialmente nas áreas trabalhista e previdenciária; "Acho que vamos
entrar numa situação que não é apenas de crise social, podendo mergulhar
numa convulsão social"; "Nós sabemos que o golpe foi dado
fundamentalmente pelos acertos que tivemos, pelas políticas em favor dos
trabalhadores e dos mais pobres. Mas precisamos identificar onde foi
que erramos. Eu acho que houve uma subestimação da luta de classes"
Em entrevista ao Sul21, o senador fala sobre o atual momento político nacional e sobre a sua possível candidatura à presidência nacional do PT. Lindbergh identifica um descolamento da base do partido em relação à atual direção e defende uma mudança de programa e de política de alianças para a possível candidatura de Lula em 2018. “Houve uma subestimação da luta de classes no país e o resultado disso ficou evidente no golpe. O programa de 2002 não serve para fazer um governo de transformações”, defende.
Sul21: O PT vive um momento de debate interno para a renovação de suas direções e o seu nome foi apresentado para disputar a presidência nacional do partido. Como é que está se desenrolando esse processo dentro do PT?
Lindbergh Farias: Estamos vivendo um momento extremamente grave da história do país. Eles diziam que era preciso simplesmente afastar a presidenta Dilma para resolver os problemas da crise política e da crise econômica. Alardearam isso em alto em bom som pelo país. O que estamos vendo é o agravamento da crise política e econômica. Acho que vamos entrar numa situação que não é apenas de crise social, podendo mergulhar numa convulsão social. Basta olhar os episódios recentes ocorridos no Espírito Santo e no Rio de Janeiro, para ver o grau de fragilidade no qual estamos entrando.
Neste cenário, vemos pesquisas que colocam o presidente Lula liderando em todos os cenários. A última pesquisa CNT/MDA mostra Lula liderando em todos os cenários chegando a ter 40% de intenções de voto no segundo turno. Eu diria que a grande tarefa do PT neste momento é como resistir a essa restauração do neoliberalismo no país e como construir uma candidatura do presidente Lula com outro programa e outra política de alianças. Estamos vivendo outro momento.
Sul21: Quais deveriam ser, na sua opinião, as principais mudanças em relação a programa e política de alianças?
Lindbergh Farias: Quando olhamos para trás e consideramos as políticas que os governos do PT implementaram vemos uma quantidade impressionante de avanços como a inclusão social gigantesca que ocorreu no país. Creio, inclusive, que esse crescimento do presidente Lula nas pesquisas tem a ver com isso. Uma parcela do povo começa a perceber o que está acontecendo, com perda de direitos, reforma previdenciária e reforma trabalhista. Quando comparam esse cenário com o que foi a experiência do governo do presidente Lula, percebem que o povo mais pobre teve uma ascensão muito grande.
Mas também tivemos muitas limitações. Quando falamos da necessidade de fazer um balanço sobre o que fizemos é com o espírito de corrigir para o presente e para o futuro. Achamos que é preciso elaborar outro programa para o presidente Lula. Houve uma política de conciliação de classes que mostrou as suas limitações. Há vários exemplos disso. No primeiro ano do governo Lula, com o grande cacife político que havia naquele momento, não era para termos avançado no debate sobre a democratização dos meios de comunicação? Claro que era. Mas se acreditou que era possível governar sem mexer com os interesses do andar de cima. Vimos a limitação dessa escolha, principalmente agora no golpe.
Para fazer um governo de reformas profundas, precisaremos mexer também no sistema tributário que é profundamente desigual. Quem paga imposto neste país são os trabalhadores e a classe média. Um funcionário que recebe 5 mil reais paga 27,5% de Imposto de Renda. Um grande empresário que recebe por mês 300 mil reais a título de distribuição de lucros e dividendos paga zero de imposto. Precisamos mexer com a situação do rentismo no Brasil. Temos um Banco Central completamente descolado da realidade internacional, com a maior taxa de juros do mundo, que acaba consumindo mais de 30% do nosso orçamento para pagar juros para esse sistema da dívida. Houve uma subestimação da luta de classes no país e o resultado disso ficou evidente no golpe. O programa de 2002 não serve para fazer um governo de transformações.
Sul21: Há quem defenda, dentro do PT, que o próprio Lula assuma a presidência do partido. Existe essa possibilidade, na sua opinião?
Eu estou viajando pelo país e coloquei meu nome à disposição para assumir a presidência do PT. A atual direção, até agora, não encontrou um nome para disputar a presidência do partido. Por isso ficam pressionando o presidente Lula para ser candidato. O próprio Lula tem dito que isso é contraditório. Ele tem que ser candidato a presidente da República. Nós temos que organizar o PT, fazer alianças e viajar pelos estados para ajudar a elegê-lo. Pelo que tenho percebido até aqui, creio que Lula não será candidato à presidência do PT. Se Lula for candidato, não vou disputar com ele. Temos um tempo grande até junho, mas cresce entre diversos setores do partido a ideia de que precisamos de uma renovação.
Sul21: Como é que está o ambiente no Congresso, meses após a consumação do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff? Houve alguma mudança na composição de forças dentro da Câmara e do Senado?
Lindbergh Farias: No Congresso, ainda não. Em relação ao tema da Reforma da Previdência, a gente já vê muita gente da base de Temer dizendo que não vai votar nesta proposta. Agora, o governo Temer está se desconstituindo. Veja esse último episódio envolvendo o advogado José Yunes, considerado o melhor amigo de Michel Temer, implicando o Eliseu Padilha que, na minha opinião, não tem condições de voltar a ocupar a chefia da Casa Civil. É um governo que está se desintegrando. Ele não tem nenhum compromisso com a sociedade brasileira. Seu único compromisso é com quem deu o golpe com ele: a aliança com a mídia e com o grande capital.
Quanto mais fraco ele fica, mais ele tenta acelerar o programa de reformas. Há alguns articulistas, inclusive do campo deles, admitindo abertamente que o governo Temer tem problemas de corrupção, mas que ele está aí para fazer as reformas. Eles estão tentando se segurar com esse argumento. É um governo completamente desmoralizado que teve o seu núcleo diretamente atingido. Eduardo Cunha está preso. Eliseu Padilha não pode voltar a ser ministro. Gedel teve que deixar o ministério de articulação política. Então, é um governo que pode cair a qualquer momento. Não sei se chega ao meio do ano. As perguntas que o Eduardo Cunha têm feito para o termo representam um roteiro para uma delação premiada.
Sul21: Qual o balanço que você faz da situação da esquerda hoje no país? Mudou alguma coisa do impeachment para cá?
Lindbergh Farias: Acho que um grande desejo pela renovação interna dos quadros e por uma reconexão com os movimentos sociais e com a juventude. O espaço da luta institucional e parlamentar é importante, mas as lutas de rua são fundamentais. Houve um processo de acomodação neste período de mais de 13 anos de governo. Isso é inegável. O PT não pode virar um partido só de parlamentares, precisa ter democracia interna, voltar a ter núcleos, usar as redes para envolver seus militantes. Nós sabemos que o golpe foi dado fundamentalmente pelos acertos que tivemos, pelas políticas em favor dos trabalhadores e dos mais pobres. Mas precisamos identificar onde foi que erramos. Eu acho que houve uma subestimação da luta de classes. Houve muita ingenuidade neste processo todo.
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