3.13.2017

Um fantasma assombra a política de Minas

Conta a lenda que de tempos em tempos um fantasma ronda o Palácio da Liberdade, sede e símbolo da velha política mineira. Seria Maria Papuda, uma solitária senhora cujo barraco foi demolido para que sobre os seus escombros se erguesse o neoclássico casarão, inaugurado por Chrispim Jacques Bias Fortes, em 1897. Assim como Ouro Preto, antiga sede do governo mineiro, Belo Horizonte também tem seus fantasmas, como o da Rua do Ouro, ou o do Cemitério do Bonfim, além de outros três ou quatro, como narra a historiadora Heloisa Starling, autora, entre outros, de “Os Senhores das Gerais”.
Mas um fantasma, que não se inscreve entre os citados pela profa. Heloisa Starling, insiste, de vez em quando, em assombrar os políticos mineiros. Não se trata dos velhos fantasmas do início da implantação da cidade. Este é mais recente, para não dizer contemporâneo. É assim que, vira e mexe, o empresário Marcos Valério assusta a elite política de Minas, com a promessa de revelar o que diz saber, sob o compromisso da delação premiada. Na semana passada, Marcos Valério, criador do mensalão tucano, voltou a aparecer, como um fantasma, oferecendo ao Ministério Público de Minas Gerais novas informações, ao que diz, sobre o que houve em Minas na campanha de 1998. Aquela em que Itamar Franco derrotou Eduardo Azeredo.  Propõe também revelações sobre a chamada Lista de Furnas, um enigmático esquema financeiro que irrigaria o PSDB mineiro, a partir do agora inalcançável Dimas Toledo, que já passou dos 70 anos, tornando-se inimputável, mas acertando o senador Aécio Neves, a quem José Dirceu atribui a permanência de Toledo na diretoria da hidrelétrica, com um pedido ao então presidente Lula – versão de resto também não comprovada.
Nessa nova tentativa de se beneficiar da delação premiada – Valério já tentou outras vezes – o tido como operador do mensalão, que levou nada menos de 20 figuras graúdas da política brasileira à prisão, inclusive ele, com a condenação de 39 anos, Valério teria produzido, segundo reportagem do jornal mineiro O Tempo, pelo menos 30 anexos. Nestes anexos, ele narraria detalhes de duas operações: uma, a do uso de dinheiro de estatais mineiras para a campanha de Azeredo, condenado a 20 anos, mas que recorre em liberdade; e a proveniente do caixa de Furnas, que abastecia o PSDB mineiro e vários partidos aliados. Valério daria nomes, datas, valores e outros detalhes que comprometeriam nada menos do que 50 personalidades do meio jurídico e político com atuação em Minas, Rio, São Paulo e Brasília. Neste caso, Marcos Valério dividiria sua delação em duas partes. Uma, apresentando o que teria ocorrido em Minas, incluindo Furnas; e outra, essa que incluiria outros Estados, que seria feita ao Procurador Geral, Rodrigo Janot.
Não é preciso dizer que o meio político mineiro se alvoroçou com essa nova aparição de Marcos Valério. O PSDB naturalmente rebate qualquer tipo de vinculação com Furnas ou com o que houve em Minas na campanha de Eduardo Azeredo. E desqualifica Valério ao dizer que se ele tivesse alguma coisa a revelar já deveria tê-lo feito. Um mentiroso, em suma, acusa o partido. Pode ser, mas o que teria ocorrido em Furnas está sendo investigado no Rio de Janeiro e, no TSE, o ministro Gilmar Mendes comanda um inquérito sobre denúncias feitas pelo ex-senador Delcídio do Amaral em que ele aponta o envolvimento do senador Aécio Neves no esquema. Aécio Neves nega qualquer relação com Furnas ou com o mensalão tucano em Minas, atribuindo aos adversários a sua inclusão em situações que o desabonam.
O fato é que o fantasma de Marcos Valério voltou a se materializar. Não é a primeira vez que ele se oferece para depor, buscando o benefício do instituto da delação premiada, o novo achado da justiça brasileira para a deduragem generalizada. Valério já se dispôs a falar ao ex-Procurador Roberto Gurgel, a Rodrigo Janot e agora ao Ministério Público de Minas, que já destacou uma procuradora para ouvi-lo, numa primeira rodada de depoimento. Ele não pede muito. Quer a transferência da prisão Nelson Hungria, de segurança máxima, em Contagem, para uma Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) e a garantia de que futuras condenações não impeçam a progressão de seu regime de pena. Dessa nova iniciativa que, ao contrário de outras vezes, parece contar com a receptividade do Ministério Público Estadual – que pelo menos se dispõe a ouvi-lo – o que se espera é que Marcos Valério consiga dar explicações sobre o que aconteceu em Minas, no final dos anos 90, e do que há de verdade nessa controversa história de Furnas.

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