Enviado especial a Monteiro (PB) no último domingo, o jornalista
Aquiles Lins relata os sonhos e as esperanças dos moradores da região,
que está sendo transformada com a chegada das águas da transposição do
São Francisco; na reportagem especial, ele também analisa o impacto
político da inauguração popular da transposição, que pode marcar o
início da caminhada do ex-presidente Lula de volta ao Palácio do
Planalto
O coração do semiárido nordestino presencia uma revolução. A chegada
das águas do rio São Francisco aos municípios da caatinga paraibana e
pernambucana foi festejada em um evento histórico no último dia 19 de
março, em Monteiro, com a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, da presidente deposta Dilma Rousseff, acompanhados de alguns dos
principais representantes da esquerda do País e de mais de 120 mil
pessoas.
A transposição das águas do São Francisco, que vai democratizar o acesso a água para 12 milhões de pessoas, sendo mais de 1 milhão de pessoas só na Paraíba, deixaria orgulhosos vários autores que relataram o histórico de seca e miséria da região.
Entre eles, o escritor alagoano Graciliano Ramos talvez derramasse algumas lágrimas ao ver a água do Velho Chico correndo em Monteiro (PB) ou em Sertânia (PE), tão distante de seu leito sertão adentro.
Graciliano Ramos nasceu e por anos morou no semiárido alagoano. Escreveu, entre outros, o livro Vidas Secas, publicado em 1938. A obra conta a história de miséria e permanente migração do vaqueiro Fabiano e sua família: a esposa Sinhá Vitória, os dois filhos e o cachorro Baleia. Tinha um papagaio também, mas foi sacrificado para servir de comida.
Em dado trecho do livro, Fabiano contempla a chegada da chuva, o “inverno” para os nordestinos, mas sabe que é uma felicidade passageira. “Fabiano olhava a caatinga e previa que a seca voltaria, o verde sumiria, ele precisaria apertar o cinto, encolhendo o estômago. Isso porque sempre acontecia com ele, com o pai dele, e com o avô dele. Ele precisava resistir, ser duro. Ser homem. E quando morresse, seus filhos deveriam seguir o mesmo caminho. Era bom que aprendessem a ser duros como ele, para não morrerem fracos como Seu Tomás da bolandeira”, diz Graciliano, ao descrever seu protagonista.
Quase 80 anos depois de Vidas Secas vir a público, para muitos a felicidade da água já não será mais passageira. Além da água que cai do céu, agora tem a que vem do “rio”. Ainda é possível encontrar exemplares de Fabiano na região. Com alguns avanços tecnológicos, obrigados pelo tempo a chegar aos rincões do Nordeste, como luz elétrica e telefone celular, mas muitos continuam preservados em sua essência “dura”, forjada na seca.
Seu Sebastião Alves da Silva é um desses exemplares. Com 68 anos, é nascido e criado em Monteiro. Diz que nunca saiu da cidade, nem mesmo para a vizinha Campina Grande, que fica a 172 km dali, muito menos para a capital João Pessoa. Sebastião sobrevive de uma aposentadoria como trabalhador rural. Não sabe ler, nem escrever. Se envergonha de assinar seu nome com o polegar. “Na minha época, a escola mais próxima ficava a sete léguas [cerca de 34 km] da minha casa. Não tinha condição”, diz.
“Espero que daqui até o resto da minha vida não vai faltar mais não uma felicidade dessas”, diz seu Sebastião sobre a chegada da água
Sebastião tem a mesma pele curtida do sol do semiárido que tinha Fabiano. A diferença crucial entres os dois está na esperança. O aposentado monteirense, conta, sempre acreditou que a água um dia não fosse faltar na sua terra.
“Tinha muitas pessoas da minha idade que estavam pensando que essa água não chegava. Mas eu nunca desenganei. Porque primeiro Deus, e segundo os homens da terra”, diz Sebastião, orgulhoso, olhando para o leito do rio Paraíba, agora perenizado com as águas do São Francisco, que viajaram 208 km desde o reservatório de Itaparica (BA).
Ele conta que até o momento, a população de Monteiro estava se mantendo com o que restava de água do açude de Poções, principal reservatório da cidade. “Com as chuvas muito poucas, o reservatório estava sem água. É tanto que a Cagepa [Companhia de Água e Esgotos da Paraíba] puxava uma água pra gente que só era lama”.
Como a grande maioria dos moradores de Monteiro, ao falar da água do São Francisco, seu Sebastião engata logo em seguida um agradecimento ao ex-presidente Lula, responsável por retirar do papel a transposição das águas, que havia sido idealizada inicialmente pelo intendente da comarca do Crato (CE), Marcos Antônio de Macedo, em 1847 (saiba mais sobre o histórico da transposição).
“Para o bem que Lula tem feito, eu acreditava que essa água chegava. Porque ele não fez o bem só para mim, mas também para os nordestinos”, afirma. Questionado sobre o que espera do futuro, agora com as águas do Velho Chico em Monteiro, seu Sebastião é só esperança. “Mas rapaz, eu espero tudo de bom. Que onde tem muita água, tem tudo quanto é bom. Só não tem se não quiser. Eu já estou com esta idade, e espero que daqui até o resto da minha vida não vai faltar mais não uma felicidade dessas.”
Por Aquiles Lins, enviado especial a Monteiro (PB) pelo 247
A transposição das águas do São Francisco, que vai democratizar o acesso a água para 12 milhões de pessoas, sendo mais de 1 milhão de pessoas só na Paraíba, deixaria orgulhosos vários autores que relataram o histórico de seca e miséria da região.
Entre eles, o escritor alagoano Graciliano Ramos talvez derramasse algumas lágrimas ao ver a água do Velho Chico correndo em Monteiro (PB) ou em Sertânia (PE), tão distante de seu leito sertão adentro.
Graciliano Ramos nasceu e por anos morou no semiárido alagoano. Escreveu, entre outros, o livro Vidas Secas, publicado em 1938. A obra conta a história de miséria e permanente migração do vaqueiro Fabiano e sua família: a esposa Sinhá Vitória, os dois filhos e o cachorro Baleia. Tinha um papagaio também, mas foi sacrificado para servir de comida.
Em dado trecho do livro, Fabiano contempla a chegada da chuva, o “inverno” para os nordestinos, mas sabe que é uma felicidade passageira. “Fabiano olhava a caatinga e previa que a seca voltaria, o verde sumiria, ele precisaria apertar o cinto, encolhendo o estômago. Isso porque sempre acontecia com ele, com o pai dele, e com o avô dele. Ele precisava resistir, ser duro. Ser homem. E quando morresse, seus filhos deveriam seguir o mesmo caminho. Era bom que aprendessem a ser duros como ele, para não morrerem fracos como Seu Tomás da bolandeira”, diz Graciliano, ao descrever seu protagonista.
Quase 80 anos depois de Vidas Secas vir a público, para muitos a felicidade da água já não será mais passageira. Além da água que cai do céu, agora tem a que vem do “rio”. Ainda é possível encontrar exemplares de Fabiano na região. Com alguns avanços tecnológicos, obrigados pelo tempo a chegar aos rincões do Nordeste, como luz elétrica e telefone celular, mas muitos continuam preservados em sua essência “dura”, forjada na seca.
Seu Sebastião Alves da Silva é um desses exemplares. Com 68 anos, é nascido e criado em Monteiro. Diz que nunca saiu da cidade, nem mesmo para a vizinha Campina Grande, que fica a 172 km dali, muito menos para a capital João Pessoa. Sebastião sobrevive de uma aposentadoria como trabalhador rural. Não sabe ler, nem escrever. Se envergonha de assinar seu nome com o polegar. “Na minha época, a escola mais próxima ficava a sete léguas [cerca de 34 km] da minha casa. Não tinha condição”, diz.
“Espero que daqui até o resto da minha vida não vai faltar mais não uma felicidade dessas”, diz seu Sebastião sobre a chegada da água
Sebastião tem a mesma pele curtida do sol do semiárido que tinha Fabiano. A diferença crucial entres os dois está na esperança. O aposentado monteirense, conta, sempre acreditou que a água um dia não fosse faltar na sua terra.
“Tinha muitas pessoas da minha idade que estavam pensando que essa água não chegava. Mas eu nunca desenganei. Porque primeiro Deus, e segundo os homens da terra”, diz Sebastião, orgulhoso, olhando para o leito do rio Paraíba, agora perenizado com as águas do São Francisco, que viajaram 208 km desde o reservatório de Itaparica (BA).
Ele conta que até o momento, a população de Monteiro estava se mantendo com o que restava de água do açude de Poções, principal reservatório da cidade. “Com as chuvas muito poucas, o reservatório estava sem água. É tanto que a Cagepa [Companhia de Água e Esgotos da Paraíba] puxava uma água pra gente que só era lama”.
Como a grande maioria dos moradores de Monteiro, ao falar da água do São Francisco, seu Sebastião engata logo em seguida um agradecimento ao ex-presidente Lula, responsável por retirar do papel a transposição das águas, que havia sido idealizada inicialmente pelo intendente da comarca do Crato (CE), Marcos Antônio de Macedo, em 1847 (saiba mais sobre o histórico da transposição).
“Para o bem que Lula tem feito, eu acreditava que essa água chegava. Porque ele não fez o bem só para mim, mas também para os nordestinos”, afirma. Questionado sobre o que espera do futuro, agora com as águas do Velho Chico em Monteiro, seu Sebastião é só esperança. “Mas rapaz, eu espero tudo de bom. Que onde tem muita água, tem tudo quanto é bom. Só não tem se não quiser. Eu já estou com esta idade, e espero que daqui até o resto da minha vida não vai faltar mais não uma felicidade dessas.”
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