Cíntia Borsato
A indústria de genéricos vai ganhar novo e decisivo ímpeto no Brasil. Isso porque estão para vencer, até 2011, 23 patentes no país, dez delas de remédios líderes de vendas. Nessa lista estão, por exemplo, Viagra e Lípitor, que figuram entre os cinco medicamentos mais vendidos aqui. Juntos, os rótulos com patentes por expirar faturaram, em 2008, 1,5 bilhão de reais. É quase a metade de todo o setor de genéricos – número que ajuda a dimensionar o impulso que a queda dessas patentes dará a esse mercado. Hoje, os genéricos representam 18% dos remédios consumidos no país. Com as novas patentes vencidas, deverão se aproximar dos 30%, segundo projeções da indústria. Elas levam em conta que sempre que uma dessas cópias chega às farmácias tende a vender o dobro ou até o triplo do remédio original. Diante de previsões tão vistosas, os principais fabricantes de genéricos se anteciparam à expiração das patentes e estão avançados no desenvolvimento de seus produtos. Um levantamento da Anvisa, a agência reguladora do setor, mostra que 35% dos remédios com patentes por vencer já têm um correspondente genérico desenvolvido e aguardam apenas a aprovação para ser produzidos industrialmente. "Há uma corrida para chegar primeiro às farmácias com a cópia dos chamados lockbusters", diz Telma Salles, diretora de marketing da EMS, líder no setor.
A pressa para marcar presença nas prateleiras tão logo as patentes vençam tem uma razão. "Em geral, a primeira marca de genérico a ser lançada se torna a líder. Há uma alta taxa de fidelidade nesse setor", explica Odnir Finotti, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (PróGenéricos). As empresas nacionais dominam o mercado local com ampla vantagem. Juntas, elas detêm 85% das vendas (os outros 15% se dividem, basicamente, entre a suíça Novartis e uma dezena de companhias indianas). Depois da EMS, aparecem no ranking nacional Medley, Aché e Eurofarma. Todas têm investido em fábricas mais avançadas, com o objetivo de ganhar produtividade e conseguir cobrar preços mais baixos dos consumidores. A Eurofarma, por exemplo, destinou 300 milhões de reais à construção de um novo complexo no interior de São Paulo, de onde pretende, pelo menos, dobrar a atual produção e obter ganhos de escala. A lei exige que o genérico custe 35% menos do que o remédio original, mas a meta dos principais fabricantes é reduzir o preço à metade. "O imperativo é ganhar mercado, nem que para isso seja preciso achatar as margens", diz Jairo Yamamoto, presidente da Medley. As grandes redes de farmácias colaboram para acirrar essa guerra de preços. "Como a competição entre as fabricantes é grande, acabo conseguindo descontos bastante elevados", diz Carlos Marques, diretor da rede de farmácias Onofre.
Para os grandes laboratórios internacionais, aqueles que detêm as patentes, o momento é obviamente delicado. Eles sabem que os genéricos vão devorar seus lucros. Só no primeiro ano após a queda da patente, a perda média de faturamento com o medicamento original costuma ser de 40%. Nesse contexto, é compreensível que as donas das patentes se desdobrem para estender ao máximo o prazo de validade de seu monopólio. Uma das estratégias mais comuns é entrar na Justiça para adiar a queda da patente por um ou dois anos. É o que faz a Pfizer, por exemplo, ao tentar garantir a patente do Viagra até 2011 (em tese, ela deve expirar em 2010). As perdas expressivas explicam também a decisão de alguns laboratórios tradicionais de criar divisões de genéricos. É o caso da Novartis, a primeira multinacional a apostar no segmento, com a compra de duas grandes empresas do setor. A francesa Sanofi-Aventis também busca espaço: ela tenta fechar a compra da brasileira Medley, negócio que ainda depende de aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Essa diversificação dos negócios se tornou estratégica para que os grandes laboratórios possam dar continuidade ao seu trabalho fundamental de pesquisa e busca de novos remédios. "Inovar é infinitamente mais complexo e dispendioso do que apenas copiar o que já está pronto", diz Gaetano Crupi, presidente da americana Eli Lilly no Brasil. Só com pesquisas para desenvolver novas moléculas, os laboratórios gastam hoje 50 bilhões de dólares por ano – na década de 80, a quantia não passava de 2 bilhões de dólares. Além de mais caro, o processo ficou mais difícil: um remédio que era testado em 400 pessoas antes de ser comercializado precisa, hoje, passar por 5000 voluntários. É óbvio que, quando dá certo, o investimento compensa. As margens de lucro alcançadas giram em torno dos 30%, o triplo das de um genérico (veja o quadro).
O setor de genéricos brasileiro ganhou vida em 1999, quando foi aprovada a legislação sobre o tema no país. Até então, os fabricantes nacionais vendiam os chamados similares .– cópias baratas, quando não pouco confiáveis, que os médicos preferiam não recomendar. Não deixaram de produzir tais remédios, mas os genéricos são hoje, de longe, seu carro-chefe. Com esse novo filão, cresceram e ganharam relevância no mercado nacional. A EMS, por exemplo, é líder não apenas dos genéricos, mas também de todo o setor farmacêutico no país, à frente de gigantes como a americana Pfizer e a francesa Sanofi-Aventis (seu outro negócio de vulto é licenciar medicamentos criados no exterior para produção local). Empreendimento que começou como uma farmácia em Santo André, nos anos 50, a EMS tem como dono o polêmico Carlos Sanchez, que, entre outras coisas, já admitiu produzir embalagens que faziam o genérico passar pelo remédio original.
Se as empresas nacionais de genéricos lideram o mercado brasileiro, no cenário internacional elas não têm projeção. "A participação global dos genéricos produzidos no Brasil é insignificante", diz o presidente da PróGenéricos, Odnir Finotti. Quem está à frente do mercado internacional é outro país emergente: a Índia, seguida por Estados Unidos e Israel. O fato de os indianos não haverem respeitado nenhuma patente até 2005 foi determinante para que assumissem a dianteira do setor. Mas houve outro diferencial importante. Os empresários de lá optaram por dominar todas as etapas da produção de um genérico: dissecar a fórmula do produto original, produzir a matéria-prima necessária para fabricar o remédio e, finalmente, transformá-la em comprimidos. No Brasil, a matéria-prima, ou princípio ativo, ainda é, em grande parte, importada. Justamente da Índia. Por fim, conta muitos pontos a favor das empresas indianas o fato de elas também começarem a investir na pesquisa de novos remédios – quer de maneira independente, quer em parceria com grandes laboratórios ocidentais. No Brasil, algumas empresas, como Eurofarma e Aché, em paralelo ao investimento nas suas linhas de fabricação, têm aumentado o orçamento de seus laboratórios de pesquisa. Mas, de maneira geral, as companhias brasileiras de genéricos, confortáveis na posição em que se encontram, não devem usar o aumento da receita trazido pela queda das 23 patentes para avançar na direção da inovação em vez de se ater à cópia.
Fonte ABIFINA
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