09/07/2009
Pesquisa desvenda área onde o álcool atua no cérebro. A descoberta vai ajudar no tratamento do alcoolismo.
Fala arrastada, falta de coordenação motora, perda da autocrítica. Os efeitos do álcool no comportamento são conhecidos por todos. Mas faltava à ciência descobrir como, exatamente, a bebida age no cérebro, provocando não só esses sintomas, mas doenças que vão da perda da memória à demência.
Pesquisadores da Universidade da Califórnia e do Instituto Salk de Ciências Biológicas, nos Estados Unidos, anunciaram ter resolvido a questão. Em um artigo publicado na revista especializada Nature Neuroscience, a equipe, conduzida pelo professor Paul Slesinger, afirmou ter localizado a área onde as moléculas do etanol atuam.
Nosso cérebro funciona como um intrincado maquinário, com cerca de 100 bilhões de células que se comunicam entre elas a partir de transmissões elétricas e químicas. Quando pensamos algo, é disparada a conexão entre um neurônio e outro. Segundo os pesquisadores, quando uma pessoa ingere álcool, o etanol conecta-se diretamente a uma proteína chamada Girk. Ativada, ela libera potássio, substância que diminui a atividade do cérebro. "Esse é um dado inédito e pode guiar pesquisas que auxiliem no arsenal terapêutico contra o alcoolismo e doenças relacionadas ao álcool", diz a psiquiatra Camila Magalhães Silveira, coordenadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa). Hoje, existem basicamente três tipos de substâncias farmacológicas utilizadas para o tratamento do alcoolismo. Elas inibem o metabolismo do etanol pelo organismo, diminuem o prazer relacionado ao consumo da bebida ou reduzem as crises de abstinência. Porém, nenhum remédio é capaz de cortar, diretamente, o efeito do álcool nos neurotransmissores. "Quanto mais soubermos como se dá a ação do álcool no cérebro, melhores poderão ser os medicamentos no tratamento do alcoolismo para reduzir a vontade de beber e diminuir a síndrome de abstinência", afirma a psiquiatra Analice Gigliotti, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead), a respeito da pesquisa norte-americana.
AÇÃO DEVASTADORA - De uma coisa, porém, todos os pesquisadores e médicos sabem: os efeitos do álcool são devastadores no cérebro. "Não existe consumo benéfico, nem seguro", garante a psiquiatra Camila Magalhães Silveira. Principalmente para menores de 18 anos, cujas estruturas, ainda em formação, podem ser destruídas, de acordo com a especialista. "O consumo intenso e crônico do álcool alarga o ventrículo cerebral e diminui o córtex, causando demência", diz. Não é preciso ser dependente químico para sentir as ações maléficas do etanol. A ingestão do álcool, ainda que em pequenas doses, já mexe com vários neurotransmissores. A curto prazo, a bebida age como depressora do sistema nervoso central. "Com o uso prolongado, ocorre a toxicidade cerebral", alerta Analice Gigliotti. Ela explica que, em alguns casos, é possível minimizar o prejuízo. Isso ocorre, por exemplo, quando o excesso de bebida provoca edema no cérebro. "Mas na maioria das vezes, o dano é irreversível", lembra. O neurologista Ricardo Teixeira, diretor do Instituto do Cérebro de Brasília, diz que, além do alcoolismo e da intoxicação, o álcool é responsável por problemas sociais, como violência e acidentes no trânsito. Também provoca males ao organismo, principalmente ao sistema cardiovascular. De acordo com uma compilação de artigos científicos publicados recentemente no periódico britânico The Lancet, são mais de 200 as doenças associadas ao uso da bebida, incluindo mal de Alzheimer e diversos tipos de câncer. Embora cardiologistas, eventualmente, recomendem uma dose diária de vinho, Ricardo Teixeira lembra que não se pode falar em dose segura, pois, ao mesmo tempo em que pode trazer algum benefício ao coração, o álcool também é responsável pelo aparecimento de tumores malignos. "Uma pesquisa recente feita com 1 milhão de mulheres mostrou que uma dose por dia pode aumentar o risco do aparecimento de câncer de mama, reto e fígado", diz o neurologista. "Ninguém deveria começar a beber. Mas se já bebe, deve diminuir", ensina. Isso vale principalmente para os brasileiros que têm o hábito de abusar da bebida nos fins de semana, achando que, por ser algo esporádico, o organismo não vai reclamar. "É um comportamento que traz grandes prejuízos, incluindo o aumento nas chances de infartar", diz a coordenadora do Cisa, Camila Magalhães Silveira. Assista ao filme Como falar sobre uso de álcool com seus filhos, do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa) E EU COM ISSO - Uma pesquisa da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) constatou que 52% dos brasileiros ingerem bebidas alcoólicas. Mais de 20% dos homens e 12% das mulheres confessaram que bebem mais de cinco doses por vez, padrão considerado perigoso pelos médicos. Um estudo russo mostrou que, mesmo quando boa parte da população é abstêmia, a bebida tem efeitos devastadores: uma em cada duas mortes prematuras em adultos ocorrem por causa do álcool, seja por doenças ou acidentes de trânsito. - Paloma Oliveto -
Fonte: Correio Braziliense - Portal Médico
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